A varíola, antigamente designada por bexigas em Portugal, é uma doença aguda infeciosa provocada por um poxvirus designado de Variola, fortemente contagioso e letal, que provocou inúmeros óbitos desde o seu aparecimento ancestral, possivelmente em África, até à sua erradicação – anunciada em 1979 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Esta foi uma das doenças mais devastadoras da humanidade, com 300 a 500 mil óbitos só na primeira metade do século XX, e a única a ser totalmente erradicada até hoje através da vacinação.
A OMS estima que a vacinação contra este agente patogénico tenha salvo 200 milhões de vidas, através de campanhas de vacinação combinadas com medidas de vigilância, prevenção e controlo, além da colaboração sustentada de diversos países e organizações internacionais.
Varíola: caraterísticas gerais do vírus
O vírus Variola pertence à família Poxviridae e ao género Orthopoxvirus (poxvirus), com a particularidade de o seu único reservatório e hospedeiro ser o ser Humano.
Regra geral, os poxvirus são vírus com genoma de ADN que replicam no citoplasma da célula hospedeira, com a particularidade de certas espécies virais desta família serem específicas de determinados seres vertebrados.
As duas estirpes virais predominantes são designadas de Variola minor (menos comum e menos virulenta), responsável por 1% dos casos fatais, e a Variola major, considerada a mais comum e letal, sendo responsável por mais de 97% dos óbitos.
As pessoas infetadas com a estirpe major, após recuperadas, podiam apresentar cegueira e cicatrizes proeminentes na pele. Durante a primeira metade do século XX, os períodos endémicos de varíola na Ásia e maior parte de África foram provocados pela estirpe minor, enquanto na Europa, América do Norte, América do Sul e certas zonas de África foram provocados pela estirpe major.
Relativamente à estirpe major foram descritos quatro subtipos com diferentes características, sendo esses os seguintes:
- Variola major comum: o subtipo mais frequente e responsável por mais de 90% dos óbitos.
- Variola major modificada: apresenta uma menor virulência, sendo frequente em pessoas previamente vacinadas (casos de reinfeção).
- Variola major hemorrágica: é a forma mais rara, mas com sintomatologia intensa e severa, sendo altamente fatal. Provoca eritema generalizado e hemorragias cutâneas e na mucosa.
- Variola major maligna: tal como a forma hemorrágica, é igualmente severa, com desenvolvimento de lesões cutâneas confluentes, planas e não postulares.
Cerca de 5 a 10% dos casos totais desenvolveram ambas as formas hemorrágicas e malignas.
Sintomatologia e formas de transmissão
Após o período de incubação, entre 8 e 14 dias, aparecem os sintomas iniciais que são semelhantes aos da gripe, acompanhados com febre, prostração, dores musculares e vómitos.
Numa segunda fase de infeção, após invasão da mucosa do trato respiratório, o vírus replica-se e dissemina-se para a corrente sanguínea com tropismo para a pele, onde surgem as primeiras pústulas típicas (rash macopapular), inicialmente na zona da boca, que posteriormente se generaliza por toda a superfície corporal.
Relativamente à transmissão desta espécie de varíola é exclusivamente entre o ser humano, no entanto existem outras espécies específicas que infetam alguns animais.
A principal via de transmissão era por aerossóis através da tosse e espirros da pessoa infetada. A fase de contágio tinha início desde o aparecimento das primeiras pústulas até ao desaparecimento e cicatrização das últimas pústulas, que pode atingir as 4 semanas.
Essas pústulas e erupções cutâneas contêm partículas virais, pelo que são igualmente contagiosas. Isso faz com que objetos contaminados, como roupa ou lençóis possam ser considerados veículos de contaminação.
Prevenção e vacinação
Por se tratar de um agente infecioso de fácil contágio, a principal estratégia para evitar a disseminação pela comunidade é promover o isolamento da pessoa infetada com os devidos cuidados de suporte e higiene. Adicionalmente, quando presente um surto, também podem ser utilizados diversos fármacos que impedem a replicação viral e diminuem os efeitos secundários da vacina, assim como
Tecovirimat, Cidofovir, Brincidofovir
A urgente procura de produzir uma forma capaz de eliminar o vírus e terminar a sua disseminação, promoveu a implementação da vacinação iniciada por Edward Jenner, através da espécie viral Vaccinia (forma de varíola que essencialmente infeta bovinos e humanos).
Assim, foi descoberta a vacina que promovia proteção contra o vírus da varíola, que continha o vírus Vaccinia, sendo uma espécie viral semelhante a Variola major, mas sem as suas características virulentas.
Para a maioria das pessoas a vacina revelou-se efetiva, segura e sem efeitos secundários. Por outro lado, existiram relatos de alguns efeitos secundários moderados, como febre dores musculares, cefaleias e rash cutâneo. A vacinação começou então a ser implementada em massa pela população, que permitia uma proteção de 3 a 5 anos.
Atualmente, o recurso à vacina só é utilizado caso existam surtos na comunidade, ou em profissionais credenciados que trabalhem diretamente com o agente patogénico, isto porque o vírus foi erradicado há 40 anos, o que levou a que deixasse de ser necessário incluir nos planos de vacinação.
No entanto, existe preocupação por parte de algumas entidades internacionais de saúde, pelo facto de não existir imunidade de grupo na população, assim como as pessoas que foram vacinadas anteriormente já não possuírem defesas totalmente eficazes em caso de infeção.
- MedScape. Smallpox. Disponível em: https://emedicine.medscape.com/article/237229-overview
- Center of Disease Control and Prevention. History of Smallpox. Disponível em: https://www.cdc.gov/smallpox/history/history.html
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- Altas da Saúde. Vacinação: uma das maiores conquistas da Saúde. Disponível em: https://www.atlasdasaude.pt/artigos/vacinacao-uma-das-maiores-conquistas-da-saude
- Direção-Geral da Saúde. 40 anos da erradicaçao da variola. Disponível em:https://www.dgs.pt/em-destaque/40-anos-da-erradicacao-da-variola.aspx