Nos últimos anos, treinar em jejum tem vindo a ser uma prática cada vez mais na moda, no mundo dos praticantes de exercício físico, sendo reivindicado como uma estratégia superior quando o objetivo é a perda de peso e de massa gorda (1).
No entanto, ainda não é claro se o treino em jejum em comparação com os estados pós-alimentação, apresenta superioridade na perda de peso e alterações benéficas ou prejudiciais na composição corporal.
A principal teoria apontada é de que baixos níveis de glicogénio (fonte energética) fazem com que o corpo não utilize a energia proveniente dos hidratos de carbono, permitindo assim uma maior mobilização da gordura armazenada (2).
Importa, então, perceber melhor o que é o jejum.
Caraterização do jejum
O jejum é caracterizado pela ausência de ingestão de energia por períodos prolongados que podem variar entre várias horas a dias.
Normalmente, os praticantes deste método, realizam o treino de manhã após 8 a 12h de jejum noturno, sem que haja o consumo de qualquer alimento que forneça energia dentro desse período (2).
Treinar em Jejum: fisiologia
O equilíbrio da utilização de CHO e do substrato adiposo durante o exercício é influenciado pela dieta pré-exercício e pela intensidade do mesmo. À medida que o período de jejum aumenta, a utilização do substrato muda predominantemente da utilização de hidratos de carbono (glicogenólise) para a utilização de lipídios como fonte energética, e aumenta a expressão de genes envolvidos na lipólise e na oxidação de ácidos gordos em vários tecidos periféricos (3).
Em teoria, baixos níveis de glicogénio e insulina provocam a mudança da via de utilização de energia dos hidratos de carbono, permitindo assim uma maior mobilização da gordura armazenada (4).
Vários estudos mostraram durante a prática de exercício após a ingestão de uma refeição resulta numa diminuição da entrada de ácidos gordos na mitocôndria, levando a uma diminuição da oxidação da gordura durante o exercício (4, 5, 6, 7).
Este facto deve-se à diminuição da lipólise do tecido adiposo, devido ao aumento de insulina, e a um aumento da utilização da glicose como fonte energética e/ou diminuição de expressão de genes envolvidos no transporte e oxidação de gordura, sendo que após o exercício ocorre um aumento da oxidação de gordura (4, 7). Foi ainda demonstrado que o treino regular em jejum pode promover melhorias na tolerância à glicose e na sensibilidade à insulina (4).
Apesar de uma base teórica aparente, as evidências são escassas se o exercício aeróbico em jejum resulta em maior perda de gordura ao longo do tempo, em comparação com o exercício no estado pós-prandial (após a ingestão de uma refeição).
Treinar em jejum e composição corporal
Relativamente às alterações da composição corporal, estudos indicam que as alterações na composição corporal associadas ao exercício aeróbico em conjunto com uma dieta hipocalórica são semelhantes independentemente de um indivíduo estar ou não em jejum antes do treino (4).
Possíveis prejuízos de treinar em jejum
Um fator que deve ser considerado ao treinar em jejum é o seu impacto na proteólise, isto é, a realização de exercícios cardiovasculares em jejum pode não ser aconselhável para quem procura maximizar a força muscular e hipertofia (2). A perda de massa muscular irá levar, consequentemente, à diminuição do metabolismo em repouso.
O efeito do jejum nos níveis de energia durante o exercício acaba por afetar a oxidação de gordura. Treinar de manhã com o estômago vazio, num estado de hipoglicemia, torna difícil executar o treino na plenitude, mesmo com um nível de intensidade moderado (2).
Estudos mostram que uma refeição pré-treino previne a hipoglicemia e permite que um indivíduo treine mais intensamente em comparação com o exercício em jejum, aumentando a oxidação de gordura durante e após o treino (8).
Notas finais
Caso opte por treinar em jejum, é prudente que realize exercícios com uma intensidade moderada a baixa. Treinos de intensidade elevada levará ao aumento da proteólise devido à diminuição de glicogénio.
Embora a perspetiva de reduzir a gordura corporal por meio do treino em jejum possa parecer atraente, a evidência científica é ambígua, não suportando a sua eficácia. Aparentemente, poderá ocorrer alteração da composição corporal obtida através da diminuição da massa magra.
Em suma, muitos dos estudos analisados sobre o tema apresentam algumas limitações, nomeadamente a curta duração e o reduzido tamanho da amostra.
1. Phillips, B. et al. (1999). Body for Life: 12 weeks to mental and physical strength.
2. Schoenfeld, B. (2011). Does cardio after an overnight fast maximize fat loss? Disponível em:
https://journals.lww.com/nsca-scj/Fulltext/2011/02000/Does_Cardio_After_an_Overnight_Fast_Maximize_Fat.3.aspx#pdf-link
3. Aird, T.P. et al. (2018). Effects of fasted vs fed-state exercise on performance and post-exercise metabolism: A systematic review and meta-analysis. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29315892
4. Schoenfeld, B. et al. (2014). Body composition changes associated with fasted versus non-fasted aerobic exercise. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25429252
5. Horowitz, J.F. et al. (1997) Lipolytic suppression following carbohydrate ingestion limits fat oxidation during exercise. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9357807
6. Ahlborg, G. et al. (1976). Influence of glucose ingestion on fuel-hormone response during prolonged exercise. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/993155
7. Civitarese, A.E. et al. (2005). Glucose ingestion during exercise blunts exercise-induced gene expression of keletal muscle fat oxidative genes. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16030063
8. Schabort, E.J. et al. (1999). The effect of a preexercise meal on time to fatigue during prolonged cycling exercise. Disponível em:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10188753