Share the post "Tratamento da Leishmaniose canina: conheça as diferentes opções"
O tratamento da Leishmaniose canina é complexo. A doença é causada pelo parasita protozoário do género Leishmania e é transmitida através da picada de um mosquito flebótomo fêmea (mosca da areia). É uma doença que afeta humanos, cães, gatos e certos animais silvestres e roedores e, é endémica no Sul da Europa, Norte de África, partes da Ásia e da América Central e do Sul.
O cão é o principal reservatório deste parasita, ou seja, a Leishmania sobrevive no seu organismo e pode ser ingerida quando o cão for picado por outro mosquito. Posteriormente, esse mesmo mosquito pode picar outro cão (ou humano), e assim se perpetua o ciclo.
A doença é potencialmente fatal para os humanos e para os cães.
Tratamento da Leishmaniose canina
Os desafios do tratamento
Todos os fármacos para o tratamento da Leishmaniose atualmente utilizados em cães, derivam de descobertas no tratamento da Leishmaniose humana.
Em cães, todos esses fármacos podem levar a uma remissão temporária ou permanente dos sinais clínicos, mas nenhum é capaz de eliminar a infeção.
Como tal, os objetivos do tratamento são
- Induzir uma redução geral da carga parasitária;
- Evitar a transmissão;
- Tratar lesões de órgãos causadas pelo parasita;
- Restaurar uma resposta imunitária eficiente;
- Conseguir melhorias nos sinais clínicos;
- Evitar recidivas.
Estadiamento
A escolha dos fármacos e dos protocolos terapêuticos para cães com Leishmaniose deve ser feita tendo em consideração as diferentes formas clínicas da doença.
O estadiamento clínico da doença consiste no agrupamento de pacientes nos quais a severidade da doença e o prognóstico são os mesmos.
Este sistema é útil para avaliar a eficácia dos diferentes tratamentos da Leishmaniose e decidir qual o protocolo terapêutico mais adequado.
Posteriormente, o estádio no qual o cão se encontra pode mudar caso a doença melhore ou se agrave.
Estádio da Leishmaniose | Características |
A – exposto | Não necessitam de tratamento.
Monotorização serológica cada 2 a 4 meses. |
B – infetado | Tratamento apenas se houver aumento de anticorpos após o primeiro diagnóstico. |
C – doença clínica evidente | Apresentam 1 ou mais sinais clínicos.
Precisam de tratamento para a Leishmaniose. |
D – doença clínica severa | Condição debilitante.
Precisam de tratamento para a Leishmaniose e tratamento de suporte. |
E(a) – doença evidente não responsiva a tratamento | Reavaliar diagnóstico e tratamento.
Tentar protocolo alternativo. |
E(b) – doença evidente c/ rápida recidiva após tratamento adequado | Reavaliar diagnóstico e tratamento.
Tentar protocolo alternativo. |
Quais são os fármacos utilizados no tratamento da Leishmaniose canina?
Neste artigo apenas serão apresentados os fármacos mais comummente utilizados no tratamento da Leishmaniose. É importante ir quantificando os níveis de anticorpos anti-Leishmania para poder monitorizar a resposta ao tratamento.
Antimoniato de meglumina
Este fármaco interfere com os mecanismos bioenergéticos do parasita.
Pode ser administrado por via subcutânea (SC), intramuscular (IM) ou intravenosa (IV), e usualmente é feita 1 vez por dia durante 4 semanas (1 ciclo). Podem ser necessários mais do que um ciclo, com intervalos entre estes.
O tratamento pode conferir uma cura clínica, mas a Leishmania nunca chega a estar totalmente eliminada do organismo dos cães infetados.
As recidivas clínicas podem ocorrer meses até 1 a 2 anos após o término do tratamento, principalmente em protocolos que duraram menos de 4 semanas.
Dores no local de injeção, musculares e articulares são os efeitos secundários mais comuns.
Alopurinol
O mecanismo de ação deste fármaco impede o parasita de sintetizar compostos necessários à sua multiplicação, além de que é tóxico para este.
A sua administração é oral, 2 vezes por dia durante 2 a 24 meses.
À semelhança do uso do Antimoniato de meglumina, o tratamento não resulta na eliminação total do parasita e as recidivas ocorrem quando este é interrompido.
Combinação de Antimoniato de meglumina e Alopurinol
Geralmente é feita a combinação destes dois fármacos pois o período de remissão é mais longo do que quando é usada a monoterapia: o antimoniato de meglumina durante cerca de 2 meses e o alopurinol durante vários meses.
Miltefosina
Desenvolvido na medicina humana como fármaco anticancerígeno, tem uma ação leishmanicida por inibir a síntese da membrana celular do parasita.
A administração dura 28 dias e é oral.
Os estudos em cães ainda não são muitos, mas os principias efeitos secundários são gastrointestinais (vómitos, diarreias).
Novamente, como os referidos anteriormente, este fármaco não é capaz de eliminar completamente o parasita, mas diminui muito a sua carga. A eficácia clínica melhora quando combinado com Alopurinol.
Prevenção da Leishmaniose canina
Por se considerar uma infeção não eliminável, o tratamento da Leishmaniose é secundário perante a sua prevenção. As medidas preventivas visam o mosquito flebótomo fêmea (mosca da areia), pois é o único vetor estabelecido da Leishmania, mesmo apesar de haver suspeita de existirem outras vias, algumas até comprovadas experimentalmente, como a via transplacentária, sexual ou a da transfusão sanguínea.
Comportamento do mosquito
O nicho ecológico do mosquito varia desde florestas húmidas tropicais a desertos e de cidades situadas à beira-mar, até cidades em regiões montanhosas.
Em climas temperados, como é o caso de Portugal, a sua atividade é reservada à época quente, ou seja, desde Abril a Novembro.
Têm uma atividade noturna e crepuscular (19h – 07h), descansando o resto do dia em micro-habitats escuros e húmidos para evitar extremos de temperatura.
O seu voo é limitado a umas centenas de metros, pelo que não gostam de vento, e é silencioso, o que dificulta a perceção da sua presença.
Medidas preventivas
Com base no comportamento do mosquito, foram determinadas algumas medidas que visam prevenir a picada do mosquito:
- Evitar que o animal ande ao ar livre nas horas de maior atividade do mosquito (manhã cedo e fim de tarde);
- Colocar um ventilador e redes mosquiteiras na jaula onde o animal permanecer;
- Uso de inseticidas na casa, nas pessoas e nos cães.
Inseticidas repelentes caninos
É essencial compreender que nem todos os desparasitantes externos (contra pulgas, carraças, piolhos, mosquitos, ácaros) têm o mesmo modo e espectro de ação.
Uns matam apenas alguns ectoparasitas e necessitam que estes piquem o cão para entrar em contacto com o produto. Outros têm uma ação repelente, ou seja, neste caso o mosquito apenas tem de estar perto do cão para ser atingido pelo desparasitante, ficando desorientado e morrendo antes de sequer picar o animal.
Portanto, para evitar que o seu cão seja picado pelo mosquito transmissor da Leishmaniose, tem de optar por desparasitantes externos com ação repelente. Esses repelentes podem vir sobre diferentes formas :
- Coleira desparasitante – devido à libertação lenta do inseticida, a proteção total só é atingida aproximadamente 1 semana após a aplicação. Varia consoante a marca, mas detêm uma atividade durante cerca de 7 meses, conferindo proteção para uma época inteira do mosquito;
- Spot-on (pipeta) – neste método são necessárias 24 a 48h para que o inseticida se espalhe por toda a superfície corporal. Dependendo da marca, confere proteção durante cerca de 3 semanas;
- Spray – a ação inseticida é imediata após a aplicação, e dura cerca de 3 a 4 semanas.
Se adquirir o produto num estabelecimento comercial (farmácia, petshop, etc.), certifique-se de que pediu um que tenha ação repelente!
Assim, os proprietários que planeiem viajar com os seus cães para áreas onde exista Leishmaniose durante o período de atividade do mosquito, devem ter em consideração os intervalos até que a proteção total esteja garantida.
Vacinação
O desenvolvimento de vacinas eficazes tem sido dificultado devido à complexidade antigénica e à variabilidade do parasita.
No entanto, atualmente já existem algumas vacinas no mercado, tanto de administração oral como injetável. Algumas podem ser administradas a todos os cães, enquanto que outras só o devem ser a cães que não estejam infetados.
Contudo, aqui o papel da prevenção seria o de prevenir o estabelecimento da infeção introduzida pela picada, cujos mosquitos escaparam à ação do inseticida repelente.
Em suma
Por vezes, dependendo da área geográfica, quando o diagnóstico é feito há quem recomende a eutanásia devido à eficácia ainda variável dos tratamentos, do sofrimento causado pela doença, e pelo cão se tornar num hospedeiro permanente do parasita devido à dificuldade de cura.
Todo o processo do tratamento da Leishmaniose deve ser recomendado e monitorizado pelo seu médico veterinário. Trata-se de um processo altamente complexo e que envolve uma doença de grande importância para a saúde pública.