O toque implica inserir os dedos na vagina de uma mulher e deve ser uma das formas mais íntimas ou invasivas de tocar o corpo de uma mulher. Ainda assim, este continua a ser o método mais utilizado para determinar a progressão do trabalho de parto.
Existem de facto muitas maneiras para uma parteira avaliar o quanto o trabalho de parto de uma mulher já progrediu, tais como:
- escutar os sons que ela faz;
- sentir o odor presente na divisão;
- verificar a linha púrpura que pode surgir na pele entre as nádegas;
- notar como a mulher está a interagir com os que a rodeiam.
Para além de ser um procedimento invasivo e por vezes doloroso que pode fazer a mulher em trabalho de parto sentir-se desconfortável ou tensa, num momento em que deve sentir-se relaxada e tranquila, os exames vaginais, conhecidos vulgarmente por «toques», podem ser problemáticos por inúmeras razões.
Toque: o que é? Importância positiva ou negativa para a mulher?
A intenção de um «toque» é providenciar informação a uma parteira ou obstetra acerca da dilatação cervical da mulher em trabalho de parto.
No final da gravidez ou início do trabalho de parto, o cérvix da mulher atravessa um processo de amolecimento e apagamento. Durante o parto, o útero contrai de forma a que o cérvix se abra ou dilate até eventualmente atingir cerca de 10 cms, momento em que o/a bebé pode iniciar a sua descida através do canal de parto até à vagina.
Não existindo qualquer indicação de uma complicação, por que motivo tem um prestador de cuidados primários que saber exatamente em quantos centímetros se encontra a dilatação do cérvix de uma mulher?
Importância da dilatação
Em termos culturais, desenvolvemos uma obsessão e ansiedade acerca da duração do trabalho de parto.
Paralelamente, a dilatação cervical não é um indicador claro de quanto mais tempo o trabalho de parto vai demorar. Embora existam padrões, cada parto progride de uma forma única. Portanto, saber que uma mulher tem 5cms de dilatação às 22h, por exemplo, não indica que o seu bebé irá nascer em determinado ponto das próximas horas. Uma mãe pode fazer nascer o seu bebé uma hora depois, uma outra em apenas 15 minutos e outra ainda pode necessitar de várias horas até receber o seu bebé.
A mãe sabe que depois de um «toque», o profissional médico possui informação acerca da sua dilatação. Esta informação é muitas vezes passada à mãe sem que ela o tenha pedido e, por vezes, uma mulher não consegue resistir à tentação de perguntar «em quanto vai». Para muitas mulheres, o parto é um ato de grande intensidade física e, por isso, podem desejar saber quando o seu final se aproxima.
No entanto, dar esta informação a uma mulher em trabalho de parto pode nem sempre ter um impacto positivo.
Impacto da informação sobre a dilatação à mulher grávida
Ela pode sentir-se desapontada ou ansiosa se não estiver tão dilatada como esperava, sentindo-se desanimada por estar com «dificuldade em progredir».
Este sentimento de fracasso pode ser comunicado por outras pessoas em seu redor: parteira, médico ou acompanhante de parto. Imagine-se alguém ser visto como um «fracasso» quando se prepara para dar à luz – como irá isso afectar a forma como se sente todo o processo?
Ela pode também assumir que tem muitas mais horas de trabalho de parto à sua frente, o que pode não ser verdadeiro.
Esta suposta «dificuldade em progredir» é muitas vezes usada como motivo para intervir no processo fisiológico do parto através de um «aumento» das contrações pelo uso de ocitocina sintética. Pode também levar a intervenções mais suaves como uma mudança de posição ou um passeio, o que pode ou não ser o que a mãe deseja.
Ao discutir a dilatação cervical com a mulher, o seu neocórtex (mente racional) é estimulado, o que num estado avançado de parto pode ser prejudicial, pois pode inibir o processo instintivo. Embora se assuma que os profissionais médicos realizam «toques», colocar esta informação nas suas mãos pode contribuir para uma sensação de perda de poder por parte da mulher.
É dada autoridade à parteira ou obstetra, que pode então declarar se a progressão da mulher é ou não «aceitável». Em resultado disso, a mulher pode desconectar-se do seu próprio instinto e intuição em relação ao seu corpo em trabalho de parto. Ao invés de escutar as sensações e sinais íntimos que a guiarão através de todo o processo, ela está a permitir que um profissional médico o avalie por ela. Ela pode até confiar na perspectiva do médico acima da sua própria experiência.
Isto aplica-se especialmente a mães de primeira viagem que não têm experiência prévia de parto e podem não saber o que esperar. É por isso tão valioso que as mães partilhem as suas experiências de parto umas com as outras, de forma a que o processo se desmistifique.
Importância positiva ou negativa dos exames vaginais em ambiente hospitalar
Os exames vaginais não são sempre exatos. Num ambiente hospitalar, podem ser realizados por mais do que uma pessoa. Para além de que uma mulher pode sentir isto como intimidante ou desrespeitoso, também dá espaço a inconsistência ou erros e aumenta o risco de transmissão de infecções.
É também possível que o saco amniótico seja acidentalmente perfurado durante um exame interno, o que pode alterar a progressão do parto e aumentar o risco para o bebé.
Em Portugal, não é algo fora do comum que os obstetras realizem um «toque» nas últimas semanas de gravidez, sob a premissa de verificar a «maturidade» do cérvix. Também não é fora do comum que nesse momento o médico se ofereça para «dar uma ajudinha» realizando um descolamento de membranas.
Uma grávida pode aceitar esta oferta sem se dar conta que o descolamento de membranas constitui na realidade o primeiro passo de uma indução, ultrapassando o processo fisiológico do corpo da mãe e do bebé iniciar o parto naturalmente.
No livro «Am I Allowed?», publicado pela AIMS UK, pode-se ler «…realizar um exame vaginal quando se declarou especificamente que não se quer é uma agressão.»
É importante lembrar que, embora um hospital possa ter um protocolo que inclua a realização de «toques» em intervalos determinados ao longo do parto, temos o direito de o recusar. Um exame vaginal realizado sem o consentimento da mulher é uma quebra do direito humano universal do consentimento informado, escolha informada e recusa informada, bem como um desrespeito do nosso direito à integridade do corpo.
Ao invés de ser apenas uma forma útil de avaliar a progressão do trabalho de parto de uma mulher, os «toques» podem perturbar o processo. Os exames vaginais contribuem para que a mulher se sinta invadida, desanimada, sob pressão e desconectada do seu próprio corpo em trabalho de parto num momento em que podia estar mergulhada numa experiência instintiva de topo.
Um «toque» não é simplesmente uma ferramenta de diagnóstico, é uma intervenção invasiva. Ao contrário de ser usado de forma rotineira, o «toque» pode ser substituído por uma perspectiva mais integrada em que os assistentes de parto se baseiem em todos os seus sentidos para se ocupar da mulher em trabalho de parto. Ao contrário de lhe ser imposto quanto tempo o parto deve demorar e em que ritmo, a mãe pode ser encorajada a guiar o processo, sem imperativos de tempo, com o seu próprio instinto e experiência interior.
Artigo de opinião de Roshnii Rose