A surdez infantil caracteriza-se pela incapacidade total ou parcial de ouvir sons. Esta interfere de forma definitiva no desenvolvimento das capacidades verbais e de linguagem da criança, o que acarreta dificuldades de aprendizagem e efeitos deletérios sobre a evolução social, emocional, cognitiva e académica.
Torna-se assim fundamental conseguir um diagnóstico precoce, por forma a aproveitar a plasticidade do Sistema Nervoso Central nas idades mais jovens (1).
Tipos de surdez infantil
Existem três tipos de surdez(2):
- Surdez de condução ou transmissão, que afeta o percurso do som entre o ouvido externo e o ouvido médio
- Surdez neurossensorial ou perceção, que afeta o ouvido interno e por vezes o nervo auditivo
- Surdez mista: junção dos dois tipos anteriores.
Deve-se ainda referir outros dois tipos de surdez, a surdez pré-linguística, ou seja, quando surge antes do aparecimento e aquisição da fala e linguagem, e a surdez pós-linguística, que surge depois da aquisição da fala e da linguagem.
Diferentes graus de surdez infantil
Uma criança apresenta surdez quando tem um nível de audição inferior ao que é considerado normal (20dB), para percecionar e detetar sons sendo eles agudos ou graves.
A surdez pode ser classificada, quanto ao grau, como:
- Ligeira (21-40 dB)
- Moderada (41-70 dB)
- Severa (71-90 dB)
- Profunda (91- 111 dB)
- Total (>120 dB)
Causas da surdez infantil
A surdez infantil pode ter como base três tipos de causas, sendo elas:
- Pré-natais (antes do parto) e podem estar relacionadas com: fatores hereditários, malformações congénitas por infeções virais ou bacterianas intra-uterinas (rubéola, sarampo, sífilis, herpes), intoxicações intra-uterinas (álcool e drogas), alterações endócrinas (patologias da tiróide, diabetes), carências alimentares (vitamínicas) e agentes físicos (raios x , radiações).
- Peri-natais (durante o parto), que podem estar relacionadas com: traumatismos obstétricos (hemorragias no ouvido interno), anóxia (ausência de oxigénio), prematuridade, incompatibilidades sanguíneas.
- Pós-natais (depois do parto e no decorrer da vida), que podem estar relacionadas com: doenças infeciosas, doenças bacterianas (meningites, otites…), doenças virais (encefalites, varicela), intoxicações (antibióticos, excesso de vitamina D), trauma acústico (exposição prolongada a ruídos, sons de elevada intensidade) e traumatismos craneoencefálicos (acidentes).
Sinais de alerta da surdez infantil
Podemos considerar que existem alguns sinais de alerta a que deve estar atento, nomeadamente:
Fatores relacionados com o comportamento da criança
- Se adormece frequentemente durante o dia
- Se parece desatenta e preguiçosa
- Se está calada e quieta em alturas não habituais
- Se aparentemente está tensa ou demasiado ansiosa e se, em certos dias, parece ouvir melhor que noutros
Fatores relacionados com a linguagem
- Se tem dificuldade em compreender instruções orais
- Se o seu discurso não é claro para a sua idade
- Se utiliza palavras isoladas em vez de construir frases complexas
- Se não forma corretamente as frases
- Se é lenta a organizar ideias para se exprimir
- Se perante uma palavra dada tem dificuldade em soletrá-la som a som
- Se tem dificuldades na associação das letras impressas aos sons representativos
- Se tem dificuldades em discriminar e aprender os sons das vogais
- Se tem dificuldade em aprender a divisão silábica e a acentuação correta das palavras.
Deve-se considerar o facto de existirem familiares surdos, se a criança sofreu algum acidente, se já teve meningite, se esteve exposta a ruídos fortes, se tem suscetibilidade anormal ao ruído, se apresenta fadiga auditiva e se tem frequentemente otites agudas, todos estes aspetos podem levar a um agravamento do quadro que a criança já apresenta.
O que se poderá fazer para prevenir a surdez infantil?
A prevenção primária, constitui-se de ações que devem ser feitas antes do desenvolvimento da surdez e envolve ações muito simples para com a população, como: as campanhas de vacinação contra a rubéola nas mulheres em idade fértil, a realização dos exames pré-natais, campanhas de vacinação infantil contra o sarampo e meningite, bem como palestras e orientações às mães.
No pós parto, antes do momento da alta, também se faz um rastreio do canal auditivo (otoemissões) para que, antes de a criança ir para o domicílio com a mãe, se possa validar se será uma criança a ser seguida em consulta para vigiar, caso não passe no exame com 100% de audição bilateral.
Desenvolvimento da linguagem
Desenvolvimento da linguagem da criança ouvinte
O desenvolvimento da linguagem da criança ouvinte, define-se por várias etapas cronológicas, sendo elas:
- Do nascimento até aos 6 meses (reage a sons, olha e/ou vira a cabeça em direção à fonte sonora e produz sons)
- Aos 12 meses (compreende ordens simples, inicia a fala e diz as primeiras palavras, como “papá” e “mamã” e responde ao seu nome)
- Aos 18 meses (compreende frases e ordens simples, sendo capaz de nomear objetos familiares e o seu vocabulário vai aumentando)
- Aos 2 anos (compreende ordens mais complexas, diz o seu nome e usa frases com duas e três palavras)
- Aos 3 anos (compreende frases simples, usa e faz perguntas e usa alguns plurais e preposições)
- Aos 4anos (o seu discurso assemelha-se mais ao de um adulto em termos gramaticais).
Desenvolvimento da linguagem da criança surda
Porém o desenvolvimento da linguagem da criança surda, passa pelas seguintes etapas cronológicas:
- Dos 0 aos 6 meses (reação nítida às vibrações e ao tato, mas ausência de reação aos sons e a voz da mãe não é suficiente para acalmar a criança quando chora, sendo necessário o toque no filho)
- Dos 6 aos 12 meses (palra de forma diferente ou pára de palrar e ausência ou reação inconsistente aos sons)
- Dos 12 meses aos 3 anos (verifica-se um atraso na linguagem, podendo a criança falar tardiamente ou não chegar a fazê-lo sem aparelho auditivo. Mas mesmo com aparelho, algumas crianças não têm capacidade para desenvolver a fala, no entanto podem desenvolver linguagem. Recorre aos gestos, a expressões faciais exageradas e ao apontar de forma mais frequente, para pedir o que quer)
- Dos 3 aos 6 anos (a linguagem é mal estruturada havendo por vezes ausência desta, sendo o vocabulário reduzido e pouco inteligível e produz sobretudo palavras de conteúdo, como nomes e verbos mais comuns do seu dia a dia)
- Dos 6 aos 16 anos (verificam-se os mesmos sinais que dos três aos seis anos, o que se reflecte, habitualmente, num baixo rendimento escolar)
- Após os 17 anos (dificuldade em ouvir e perceber o que as pessoas dizem, dificuldade em ouvir e perceber o ambiente sonoro que a rodeia (sons da natureza, música, rádio, televisão, telefone…) e uma intensidade que as pessoas com audição normal conseguem ouvir).
Como se faz a avaliação destas crianças?
Todas elas, devem ter uma avaliação em conjunto com o Otorrinolaringologista, o Audiologista e o Terapeuta da Fala, para que seja delineada a forma de intervenção mais adequada à criança, pois esta varia com o tipo e grau de surdez, a etiologia e as caraterísticas da criança, que está a ser avaliada no momento.
Qual é a possível intervenção por parte da equipa multidisciplinar, para as crianças surdas?
É importante referir que uma criança surda com aparelho não ouve da mesma forma que uma criança ouvinte (criança que ouve e fala sem qualquer tipo de déficit).
O aparelho auditivo não é suficiente para que a criança surda desenvolva a função auditiva e adquira a linguagem, por mais cedo que a mesma seja detetada.
É necessário que haja um trabalho terapêutico multidisciplinar e uma interação familiar (fundamental que todos os elementos da família interajam) adequada para que haja um bom desenvolvimento da criança.
Os pais, educadores e terapeutas da fala podem realizar atividades do dia a dia, como ter o costume de chamar a atenção da criança para os sons que a rodeiam. Podem utilizar instrumentos e brinquedos que produzem ruídos, ou até mesmo sons ambientais.
Alguns exemplos que podem realizar com a criança:
- Bater com a porta
- Tocar na campainha
- Telefone a tocar
- O rádio, a televisão e os ruídos de objetos que caem.
Nestes momentos deve sempre ser indicada a presença dos sons e a sua origem, para que a criança consiga percecionar e validar a evolução.
Devem estar sempre de frente para a criança, com o rosto bem iluminado, devem deixar a boca bem visível, para permitir que a criança faça a leitura de fala (ler os lábios) da mensagem que lhe é transmitida, devem falar normalmente e sem movimentos exagerados da boca.
Os pais, educadores e terapeutas da fala devem usar gestos comuns, mímica, apontar para pistas contextuais que facilitem a transmissão da mensagem, usar expressões faciais e entoações ricas, recorrer ao desenho e à escrita.
Todos estes elementos são fundamentais para percecionar caso seja uma situação inicial ou, se a criança já é surda, devem manter todo o trabalho da equipa multidisciplinar para que haja progressos na sua interação e progressão social e emocional.
É fundamental que estas crianças se sintam incluídas no seu círculo de amigos e família.
- Oliveira, P., Castro, F., Ribeiro, A., (2002, Maio). Revista de Otorrinolaringologia. Surdez Infantil. Volume 68, número 3.Acedido no dia 09 de Junho: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992002000300019
- Instituto de Apoio e Desenvolvimento. Acedido no dia 08 de Junho 2020: http://www.itad.pt/surdez-infantil/