Share the post "Stress pós-traumático: lidar com a perturbação após o evento traumático"
O stress pós-traumático é uma doença psiquiátrica que afeta 1 em cada 12 portugueses (1), sendo que os seus efeitos podem ser extremamente debilitantes para quem tem de lidar diariamente com a memória de um trauma.
As pessoas que sofrem com esta perturbação – clinicamente denominada de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT) – têm, por norma, pensamentos persistentes (associados ao trauma), memórias recorrentes do evento traumático, perda de apetite e alterações do sono, estando em constante estado de hipervigilância.
Procurar ajuda médica é fundamental para lidar com este tipo de perturbação, pois o sofrimento causado pelo trauma pode rapidamente desencadear um quadro de depressão, além dos efeitos que se podem fazer sentir do ponto de vista pessoal, profissional e interpessoal.
STRESS PÓS-TRAUMÁTICO: SINTOMAS FÍSICOS E EMOCIONAIS
A perturbação de stress pós-traumático pode desenvolver-se em resposta a um evento traumático, mas, por norma, o evento por si só não é razão suficiente para despoletar a perturbação.
Sabe-se que há uma maior probabilidade de se desenvolver em pessoas que já experienciaram outros traumas no passado ou cujas famílias já têm predisposição para a ansiedade e depressão (2).
Aliás, esta é uma das razões que torna tão difícil identificar um quadro de stress pós-traumático. Porém, é importante saber reconhecer os sintomas para procurar a ajuda necessária antes que os danos emocionais (e físicos) sejam substanciais.
1. Reviver o evento traumático
O evento traumático é constantemente experienciado através de:
- Memórias angustiantes ou através de sonhos em que o conteúdo se relaciona com a situação traumática
- Flashbacks, ou seja, o acontecimento é revivido e o indivíduo comporta-se como se estive a experienciar a situação nesse momento que podem durar desde alguns segundos a várias horas ou mesmo dias
2. Hipervigilância
Os indivíduos que sofrem com stress pós-traumático são mais reativos aos estímulos inesperados, reagindo de forma sobressaltada ou exagerada a ruídos altos ou movimentos inesperados (por ex., ficar sobressaltado com o toque do telefone).
3. Angústia e ansiedade
Pela natureza da doença e pelas causas que a despoletam, estas pessoas estão em constante estado de angústia e ansiedade.
4. Dificuldades de relacionamento
Pessoas que sofrem com a perturbação têm tendência para o isolamento social, razão pela qual têm dificuldades em manter relacionamentos. Aliás, a perturbação pode fazer com que a opinião sobre si e sobre os outros seja muito negativa (por ex.: “eu sou mau”; “não se pode confiar em ninguém”).
5. Dificuldades de concentração
Em muitos casos, as pessoas que sofrem com stress pós-traumático têm dificuldade em recordar-se de acontecimentos diários (por ex., esquecer-se do número de telefone ou alguma tarefa a fazer) ou em estar concentrado numa tarefa.
6. Perturbação do sono
As perturbações de sono – dificuldades em adormecer, insónias, pesadelos, sono agitado – são outros dos sintomas do stress pós-traumático.
7. Sinais físicos da doença
Do ponto de vista físico são muito comuns os problemas gastrointestinais e as dores de cabeça, apesar de a doença debilitar fisicamente os indivíduos a vários níveis.
Stress pós-traumático: Sintomas nas crianças
Apesar de a perturbação não ser muito comum em crianças, estas podem reagir a um trauma encenando a experiência traumática por meio de (3, 4, 5):
- Brincadeiras repetitivas relacionadas ao trauma
- Pesadelos
- Pensamentos involuntários relacionados com a situação traumática.
- Problemas de comportamento (agressividades física ou verbal, birras recorrentes e levadas ao extremo)
- Dificuldades no sono (por ex., dificuldade em adormecer ou manter o sono ou este ser agitado).
- Hipervigilância
- Regressões no desenvolvimento ao nível da linguagem.
Fatores de risco para stress pós-traumático
Alguns fatores que podem predispor o indivíduo a desenvolver stress pós-traumático e/ou agravar o quadro clínico são (3):
Problemas emocionais durante a infância e mentais (por ex., problemas de ansiedade, perturbação depressiva ou de pânico, entre outras)
- Baixa escolaridade
- Exposição prévia a traumas
- Disfuncionalidade familiar
- Mortes/ separação pais
- Perdas que ocorrem relacionadas com o trauma (por ex., financeiras)
Tratamento
Os tratamentos mais eficazes e recomendados pelo Nacional Institute for Health and Care Excellence (NICE) são a terapia cognitivo-comportamental (TCC) focada no trauma, dessensibilização e reprocessamento dos movimentos oculares (EMDR) ou TCC computadorizada focada no trauma (4, 6).
Por vezes, a adesão ao tratamento por parte dos indivíduos pode não ser fácil. Quando são deparadas estas barreiras há um trabalho a ser feito que passa pela tranquilização dos indivíduos com possibilidade de estar a passar por stress pós-traumático de que a condição é tratável fornecendo informações acerca do tratamento. O objetivo será promover uma melhor adesão à terapia.
Os tratamentos farmacológicos não são recomendados como tratamento de primeira linha para a perturbação. É importante ressaltar que as benzodiazepinas são contra indicadas na Perturbação de Stress Pós-Traumático e não devem ser usadas para prevenção ou tratamento. Contudo, os inibidores seletivos de recaptação de seretonina (SSRI) ou a venlafaxina pode ser considerada apenas quando um adulto, já diagnosticado, tiver preferência pelo tratamento farmacológico. O tratamento antipsicótico também deve ser considerado apenas como último recurso no contexto de sintomas e comportamentos incapacitantes e deve ser prescrito apenas após consulta com um especialista (4, 6).
As diretrizes do NICE recomendam também que, para as pessoas que apresentam stress pós-traumático e depressão, normalmente seja tratado primeiro o stress pós-traumático porque a depressão geralmente melhora com o sucesso do tratamento.
A depressão só deve ser tratada primeiro se for grave o suficiente para dificultar o tratamento psicológico da perturbação ou se houver risco de danos a si próprio ou a outros (4, 6).
- Sherin J., Miller L. e Charles B. (2011). Post-traumatic stress disorder: the neurobiological impact of psychological trauma. Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, University of Miami. Pubmed. 13(3): 263–278. Acedido em 27 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182008/
- Silva L. (2013). Meta-analysis of neuropsychological impairments related to Post-Traumatic Stress Disorder. (Dissertação apresentada no Instituto Superior de Ciências da Saúde – Norte (CESPU)). Disponível em: https://repositorio.cespu.pt/bitstream/handle/20.500.11816/289/Tese%20de%20Mestrado_Liliana%20Cristina%20Oliveira%20da%20Silva.pdf?sequence=1&isAllowed=y
- American Psychiatric Association (2014). DSM-5: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5.ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
- National Institute for Health and Care Excellence (2018). Post-traumatic stress disorder. Acedido a 29 de fevereiro de 2020, no Web site da NICE, National Institute for Health and Care Excellence https://www.nice.org.uk/guidance/ng116/chapter/Recommendations#recognition-of-post-traumatic-stress-disorder
- Righy et al. (2019). Prevalence of post-traumatic stress disorder symptoms in adult critical care survivors: a systematic review and meta-analysis. Critical Care. Acedido a 1 de março de 2020. Disponível em: https://ccforum.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13054-019-2489-3
- Viggars O., Mavranezouli I., Greenberg N., Hajioff, S., Leach J. (2019). Post traumatic stress disorder: what does NICE guidance mean for primary care? British Journal of General Practice. Acedido a 26 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://bjgp.org/content/69/684/328.abstract