Nutricionista Mafalda Serra
Nutricionista Mafalda Serra
28 Dez, 2020 - 10:55

Sementes de cânhamo: propriedades nutricionais deste superalimento

Nutricionista Mafalda Serra

Fique a par das propriedades nutricionais das sementes de cânhamo e dos seus potenciais benefícios para a saúde.

Prato com sementes de cânhamo

As sementes são um alimento cujo consumo tem vindo a ser cada vez mais popularizado e associado a um estilo de vida saudável.

As propriedades nutricionais das várias sementes disponíveis no mercado (como sementes de abóbora, chia, linhaça, sementes de cânhamo, girassol, papoila ou sésamo) contribuem beneficamente para a promoção de saúde e melhoria do nosso estado nutricional.

No artigo de hoje, debruçar-nos-emos sobre as sementes de cânhamo, quais as suas propriedades nutricionais, quais os benefícios associados ao seu consumo e como as podemos incluir na nossa alimentação.

O que são as sementes de cânhamo?

Óleo e sementes de cânhamo em cima de mesa

As sementes de cânhamo são a semente edível da planta Cannabis sativa L. Por desconhecimento das suas propriedades nutricionais, estas sementes eram inicialmente um excedente da produção têxtil, pelo que eram utilizadas maioritariamente para alimentar a industria pecuária.

Hoje em dia, a popularização das sementes de cânhamo deve-se ao crescente conhecimento do seu elevado valor nutricional e possíveis benefícios associados ao seu consumo. No entanto, ainda há alguma confusão na opinião pública relativamente à sua planta de origem.

Na verdade, a Cannabis sativa L. é uma planta muito versátil da qual se podem obter variados produtos consoante a parte da planta utilizada (desde cosméticos a produtos têxteis ou farmacêuticos). As sementes de cânhamo não têm qualquer potencial psicoativo/ recreativo (1, 2, 3).

Quais as suas propriedades nutricionais e benefícios para a saúde?

Sementes de cânhamo descascadas

As sementes de cânhamo são particularmente apreciadas e consumidas pela sua alta densidade nutricional.

O seu perfil nutricional pode variar consoante o seu genótipo e outras características de cultivo (como fatores ambientais ou características do solo). No entanto, tipicamente, esta apresenta cerca de 25-35% de gordura (com um adequado balanço em ácidos gordos), 20-25% de proteínas facilmente digeridas e ricas em aminoácidos essenciais e 20-30% de hidratos de carbono, dos quais maioritariamente fibra insolúvel.

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Ricas em gorduras saudáveis

Para além disso, as sementes de cânhamo apresentam ainda uma riqueza em vitaminas e minerais, bem como em compostos bioativos com capacidade antioxidante (1, 2, 4).

A gordura representa o componente mais importante das sementes de cânhamo. Desta, cerca de 90% são ácidos gordos insaturados, maioritariamente ácidos gordos polinsaturados (1 ,5).

Os mais abundantes são o Ácido Linoleico (LA) e o Ácido Alfa-linolénico (ALA), percursores de ómega-6 e ómega-3. Como sabemos, estes ácidos gordos essenciais (obtidos apenas através da alimentação) são importantes em vários processos biológicos, como na saúde cardiovascular, na regulação de processos inflamatórios e metabólicos ou ainda na regulação da função e desenvolvimento cerebral.

Para além do teor em gordura insaturada, o rácio de ómega-6 / ómega-3 presente no cânhamo é outro fator que o enriquece nutricionalmente (6, 7).

Segundo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), o rácio ideal deverá ser de 3:1 a 5:1.8 As gorduras presentes no cânhamo apresentam um rácio saudável enquadrado nos valores ideais, o que contribui para a manutenção de um adequado estado de saúde, particularmente na prevenção de doenças cardiovasculares e neuro degenerativas (1).

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Fonte de proteína

As proteínas presentes nas sementes de cânhamo são de alto valor biológico, contendo todos os aminoácidos essenciais. Os aminoácidos essenciais são aminoácidos cujo nosso organismo não tem a capacidade de produzir e que têm de ser obtidos a partir da alimentação.

As principais fontes alimentares de proteína de alto valor biológico são fontes animais (como a carne, peixe, leite e ovos), pelo que as sementes de cânhamo apresentam uma excelente alternativa proteica vegetal para indivíduos que praticam uma alimentação vegetariana ou vegan (1, 9, 10).

Quando consultamos as necessidades nutricionais de aminoácidos sugeridas pela Organização Mundial de Saúde para adultos e crianças entre os 10 e os 12 anos, é possível constatar que não há aminoácidos limitantes. Em crianças entre os 2 a 5 anos, já será necessário complementar com outras fontes proteicas (1, 11).

Para além dos aminoácidos essenciais, é ainda importante destacar a presença de arginina, um precursor do óxido nítrico. Estes são importantes na manutenção da saúde cardiovascular e têm sido associados à reparação muscular e melhoria da função imunitária (1, 12).

A proteína de cânhamo apresenta ainda uma alta digestibilidade. Estudos referem que a digestibilidade das proteínas de cânhamo se assemelha à de outras leguminosas (como as lentilhas) e é superior à de proteínas presentes em cereais (12, 13).

Porém, alguns autores defendem que a presença de fibra ou de fatores anti nutricionais (como os fitatos e os inibidores da tripsina) nas sementes poderão reduzir a digestibilidade da proteína (1).

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Fonte de fibra

Relativamente ao seu teor em hidratos de carbono, este deve-se principalmente à presença de fibra insolúvel. Alguns estudos referem mesmo que 98% a 100% do teor em hidratos de carbono é atribuído à presença de fibra (9, 14).

Esta é benéfica ao nível da redução do apetite e ingestão alimentar, redução do risco de obesidade e diabetes, redução do valor de colesterol total e colesterol-LDL e ainda melhoria na sensibilidade à insulina. Para além disso, tem inúmeros benefícios ao nível da microbiota intestinal (15).

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Fonte de minerais

As sementes de cânhamo são ainda uma excelente fonte de minerais, como o fósforo, potássio, magnésio, cálcio, ferro, manganês, zinco e cobre (1, 4, 6).

A sua riqueza nutricional pode ainda ser atribuída à presença de compostos bioativos como compostos fenólicos com ação antioxidante, anti-inflamatória e neuroprotetora, de tocoferóis (com propriedades antioxidantes) e de fitoesteróis (compostos que intervém na redução da absorção de colesterol).1

De destacar ainda a presença de péptidos bioativos que, após o processo de hidrólise da proteína de cânhamo, revelaram efeitos antioxidantes, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios e neuroprotetores (1).

Como podemos incluir as sementes de cânhamo na nossa alimentação?

Batido de frutos vermelhos com banana e chia

As sementes de cânhamo podem ser facilmente incluídas na alimentação, quer em refeições principais, quer em refeições intermédias.

Poderá adicioná-las a sumos ou batidos ou combiná-las com iogurte ou papas de aveia. Algumas receitas de barras de cereais, crackers ou granolas caseiras incluem as sementes de cânhamo como ingrediente. Poderá ainda polvilhá-las nas suas refeições principais, como em sopas, saladas ou quiches.

A Dieta Mediterrânica (um dos padrões alimentares mais aconselhados a nível mundial), recomenda o consumo 1 a 2 porções de sementes, nozes ou azeitonas diariamente. Assim, apesar de não haver estipulada uma dose diária recomendada, o consumo de 1 colher de sopa de sementes diariamente parece ser benéfico para a nossa saúde (16, 17).

As sementes de cânhamo apresentam uma ótima escolha quer seja pelo seu teor em ómega-3, em aminoácidos essenciais ou em fibra alimentar.

Fontes

  1. Farinon B, Molinari R, Costantini L, Merendino N. The seed of industrial hemp (Cannabis sativa L.): Nutritional Quality and Potential Functionality for Human Health and Nutrition. Nutrients. 2020 Jun 29;12(7):1935. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32610691/
  2. Irakli, M.; Tsaliki, E.; Kalivas, A.; Kleisiaris, F.; Sarrou, E.; Cook, C.M. Effect of Genotype and Growing Year on the Nutritional, Phytochemical, and Antioxidant Properties of Industrial Hemp (Cannabis sativa L.) Seeds. Antioxidants 2019, 8, 491. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/336629643_Effect_of_Genotype_and_Growing_Year_on_the_Nutritional_Phytochemical_and_Antioxidant_Properties_of_Industrial_Hemp_Cannabis_sativa_L_Seeds
  3. European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction (EMCDDA). Cannabis Legislation in Europe: An Overview; Publications Office of the European Union: Luxembourg, 2018. Disponível em: https://www.emcdda.europa.eu/publications/adhoc/cannabis-legislation-europe_en
  4. U.S. Department of Agriculture, Agricultural Research Service. FoodData Central, 2020. Disponível em: https://fdc.nal.usda.gov/
  5. Vonapartis, E.; Aubin, M.-P.; Seguin, P.; Mustafa, A.F.; Charron, J.-B. Seed composition of ten industrial hemp cultivars approved for production in Canada. J. Food Compos. Anal. 2015, 39, 8–12. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S088915751400194X
  6. Teh, Sue-Siang; Birch, John (2013). Physicochemical and quality characteristics of cold-pressed hemp, flax and canola seed oils. Journal of Food Composition and Analysis, 30(1), 26–31. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0889157513000094
  7. Harbige LS. Fatty acids, the immune response, and autoimmunity: a question of n-6 essentiality and the balance between n-6 and n-3. Lipids. 2003 Apr;38(4):323-41. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12848277/
  8. EFSA NDA Panel (EFSA Panel on Dietetic Products, Nutrition and Allergies). Scientific Opinion of the Panel on Dietetic products, Nutrition and Allergies on a request from European Commission related to labelling reference intake values for n-3 and n-6 polyunsaturated fatty acids. EFSA J. 2009, 8, 1461. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/238743469_Scientific_Opinion_of_the_Panel_on_Dietetic_Products_Nutrition_and_Allergies_on_a_request_from_the_Commission_related_to_labelling_reference_intake_values_for_n-3_and_n-6_polyunsaturated_fatty_acids_1
  9. Callaway, J.C. Hempseed as a nutritional resource: An overview. Euphytica 140, 65–72 (2004). Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10681-004-4811-6
  10. McPartland, J.M.; Guy, G.W.; Hegman,W. Cannabis is indigenous to Europe and cultivation began during the Copper or Bronze age: A probabilistic synthesis of fossil pollen studies. Veg. Hist. Archaeobotany 2018, 27, 635–648. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00334-018-0678-7
  11. Tang, C.-H.; Ten, Z.; Wang, X.-S.; Yang, X.-Q. Physicochemical and Functional Properties of Hemp (Cannabis sativa L.) Protein Isolate. J. Agric. Food Chem. 2006, 54, 8945–8950. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17090145/
  12. House, J.D.; Neufeld, J.; Leson, G. Evaluating the Quality of Protein from Hemp Seed (Cannabis sativa L.) Products Through the use of the Protein Digestibility-Corrected Amino Acid Score Method. J. Agric. Food Chem. 2010, 58, 11801–11807. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20977230/
  13. Mamone, G.; Picariello, G.; Ramondo, A.; Nicolai, M.A.; Ferranti, P. Production, digestibility and allergenicity of hemp (Cannabis sativa L.) protein isolates. Food Res. Int. 2019, 115, 562–571. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0963996918307427
  14. Mattila, P.; Mäkinen, S.; Eurola, M.; Jalava, T.; Pihlava, J.-M.; Hellström, J.; Pihlanto, A. Nutritional Value of Commercial Protein-Rich Plant Products. Plant Foods Hum. Nutr. 2018, 73, 108–115. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29500810/
  15. Lattimer, J.M.; Haub, M.D. Effects of Dietary Fiber and Its Components on Metabolic Health. Nutrients 2010, 2, 1266–1289. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3257631/
  16. Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Direção Geral de Saúde. Dieta Mediterrânica, 2020. Disponível em: https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/dieta-mediterranica/ 
  17. Bach-Faig, A., et al., Mediterranean diet pyramid today. Science and cultural updates. Public Health Nutr, 2011. 14(12A): p. 2274-84. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22166184/
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