Share the post "Fact-check: precisa de reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena?"
Questão em análise
Durante esta fase de quarentena, é quase inevitável experienciar uma redução no nosso gasto calórico diário. No entanto, isto não significa que tenha obrigatoriamente de existir uma redução no consumo de hidratos de carbono. Embora possa fazer sentido, especialmente se o decréscimo no gasto calórico for muito acentuado, é fundamental que se avalie todo o contexto antes de decidir fazer um ajuste nutricional.
Uma preocupação que tem surgido regularmente como resultados dos eventos recentes é sobre a potencial necessidade de reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena.
Neste artigo iremos explicar se é uma medida obrigatória para todos e analisar os casos em que poderá ser necessário fazer este ajuste na sua alimentação.
Porquê reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena?
Geralmente, associamos os hidratos de carbono a energia. Na verdade, não é uma ideia totalmente errada já que uma das funções principais deste nutriente é servir como substrato energético, especialmente em atividades mais intensas (1).
Inevitavelmente, uma ideia que surge através desta assunção é que por nos encontrarmos mais tempo em casa, onde predominam comportamentos sedentários, precisamos automaticamente de menos hidratos de carbono.
Contudo, embora existam contextos em que faça sentido fazer essa alteração nutricional, seria uma afirmação imprecisa assumir automaticamente que esta redução deve ser obrigatória para todos.
Será mesmo obrigatório reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena?
Embora possam existir algumas exceções, esta preocupação surge geralmente por pessoas que querem controlar o seu peso. Assim, ao haver uma aparente redução nos níveis diários de atividade física, parece fazer sentido reduzir o consumo de um dos macronutrientes cuja função principal é fornecer energia, os hidratos de carbono.
Contudo, é importante relembrar que o fator-chave no controlo de peso não é a distribuição de macronutrientes, mas sim o balanço calórico diário (2). Isto significa que o que poderá causar um ganho de peso nesta fase não são necessariamente os hidratos de carbono, pelo menos diretamente, mas sim um consumo excessivo de calorias.
No fundo, é matematicamente possível que não tenha de reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena, ainda que o seu gasto energético diário seja mais baixo. Para tal, terá de fazer uma redução no consumo dos restantes macronutrientes – gordura e/ou proteína.
Por exemplo, vamos imaginar que a sua alimentação diária apresentava em média a seguinte distribuição:
- 2200 calorias por dia
- 135 gramas de proteína (~25%)
- 75 gramas de gordura (~30%)
- 245 gramas de hidratos de carbono (~45%)
Se neste período de quarentena passar a despender por dia cerca de 2000 calorias, poderia manter o consumo de hidratos de carbono se fizesse um ajuste nos restantes macronutrientes. Por exemplo:
- 2000 calorias
- 130 gramas de proteína (~25%)
- 55 gramas de gordura (~25%)
- 245 gramas de hidratos de carbono (~50%)
Como pudemos observar por este exemplo, apesar da redução energética (10%), alguns ajustes, especialmente no consumo de gordura, permitiram uma preservação da quantidade absoluta de hidratos de carbono, existindo inclusive um aumento no valor relativo (percentual).
Contudo, caso quiséssemos manter a mesma distribuição relativa (percentual) de macronutrientes, iríamos inevitavelmente verificar uma redução na quantidade absoluta de hidratos de carbono:
- 2000 calorias
- 130 gramas de proteína (~25%)
- 65 gramas de gordura (~30%)
- 225 gramas de hidratos de carbono (~45%)
Considerando estes cálculos, é importante reforçar a ideia de que embora a redução nos hidratos de carbono seja uma opção possível, não tem de ser uma obrigatoriedade caso exista um ajuste no consumo dos restantes macronutrientes.
Em que contexto fará sentido reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena?
Como pudemos verificar pela secção anterior, reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena não é uma obrigatoriedade, mas sim uma opção que poderá fazer sentido em determinados contextos. O principal motivo, para além das preferências alimentares da pessoa, a presença de uma redução substancial no dispêndio energético diário poderá justificar este ajuste nutricional.
Como foi mencionado anteriormente, o fator principal responsável pelo controlo de peso é o balanço calórico diário. Não é por acaso que a primeira coisa que um nutricionista faz ao delinear um plano alimentar é estimar as necessidades calóricas da pessoa para que possa criar o desequilíbrio energético desejado.
Por exemplo, se o objetivo for perder peso, a pessoa terá de estar num défice calórico, consumindo menos energia do que despende diariamente. Caso o objetivo seja ganhar peso, a pessoa terá de estar num excedente calórico, consumindo mais energia do que gasta diariamente.
Nesta fase de quarentena, é expectável que exista uma redução espontânea no nosso dispêndio energético. Isto significa que se estávamos com um peso constante (equilíbrio calórico) e decidirmos manter o nosso consumo energético inalterado, esta alteração nos nossos níveis de atividade física diários têm o potencial de nos colocar num excedente calórico (balanço energético positivo), acabando por resultar em ganho de peso.
Se o nosso objetivo for manter o nosso peso, ou permanecer num défice calórico caso queiramos perder peso, provavelmente teremos de fazer uma redução no nosso consumo energético diário. Adicionalmente, dependendo da redução no nosso dispêndio energético, poderá ser necessário reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena.
Por exemplo, se esta redução no dispêndio energético diário for de 800 calorias, provavelmente não seria uma opção tão sustentável fazer o ajuste apenas nos macronutrientes gordura e hidratos de carbono, ainda que seja matematicamente possível.
800 calorias poderiam corresponder, por exemplo, a uma redução de 40g de gordura (40 x 9 = 360 calorias) e 110g de proteína (110 x 4 = 440 calorias). Isto significa que a nossa distribuição energética final seria:
- 1400 calorias
- 25 gramas de proteína
- 35 gramas de gordura
- 245 gramas de hidratos de carbono
Embora seja matematicamente possível, seria uma distribuição que não só faria pouco sentido numa perspetiva de escolhas alimentares, como poderia levar ao aparecimento de deficiências nutricionais a longo-prazo. Assim, neste caso, faria sentido reduzir o consumo de hidratos de carbono durante a quarentena. Como alternativa, poderiam ser utilizadas estratégias para preservar ao máximo o dispêndio energético.
Conclusão
Avaliação Vida Ativa: Impreciso
Como pudemos observar neste artigo, embora existam contextos que justifiquem reduzir a quantidade de hidratos de carbono durante a quarentena, não devemos assumir à partida que seja uma alteração nutricional obrigatória para todos.
Uma redução no dispêndio energético diário total será quase inevitável nesta fase turbulenta das nossas vidas. Isto significa que dependendo da magnitude desta redução, poderá ser importante fazer um ajuste na quantidade de hidratos de carbono para que o consumo dos restantes macronutrientes não fique comprometido.
Como em qualquer assunto relacionado com a nutrição, deverá sempre falar com um Nutricionista para que este possa responder às suas questões e auxiliar da forma mais individualizada possível.
- Burke L.M. et al. (2019) Contemporary Nutrition Strategies to Optimize Performance in Distance Runners and Race Walkers. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30747558
- Hall, K.D. & Guo, J. (2017) Obesity Energetics: Body Weight Regulation and the Effects of Diet Composition. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28193517