Antes de entender algumas das razões possíveis que respondam à questão de “porque estou sempre com fome“, é importante entender alguns conceitos fisiológicos básicos da regulação da ingestão alimentar.
Entenda-se por fome a necessidade fisiológica de energia, isto é, a necessidade de ingerir alimentos de forma a suprimir as necessidades energéticas do nosso corpo, face ao metabolismo basal e ao dispêndio energético diário.
Sabemos que a fome depende do estado de saciedade. Este estado é definido como o efeito provocado pelos alimentos e nutrientes após o final de uma refeição, sendo o que determina o intervalo de tempo até sentirmos fome novamente. As refeições densamente energéticas tendem a gerar menor estado de saciedade.
No que diz respeito aos macronutrientes sabe-se que as proteínas promovem maior saciedade, seguindo-se os hidratos de carbono e por fim a gordura como a que provoca menor estado de saciedade.
Por fim, referir que estes importantes processos são regulados por mecanismos hormonais.
PORQUE ESTOU SEMPRE COM FOME?
Existem vários comportamentos alimentares que podem estar associados à diminuição da saciedade e consequentemente o aumento do apetite e da fome.
Eis algumas possíveis razões relacionadas com a dieta e o estilo de vida para este problema.
Ingestão insuficiente de proteína
O consumo de alimentos ricos em proteína a todas as refeições, incluindo os snacks, é um fator importante no controlo do apetite durante o dia, prevenindo a sensação de fome excessiva entre refeições. Portanto, a proteína desempenha um papel importante na regulação da saciedade.
Este fenómeno pode ser justificado pela diminuição do efeito da grelina (hormona produzida no estômago capaz de estimular o apetite) após o consumo de refeições com quantidades adequadas de proteína.
Escolha alimentos como carne magra, ovos, peixe e produtos lácteos uma vez que são uma excelente fonte proteica a nível de quantidade e qualidade. Em padrões alimentares com o consumo estrito de produtos de origem vegetal, o consumo de soja e outras leguminosas, assim como de pseudocereais (amaranto, quinoa e trigo sarraceno), apresentam um contributo fundamental na ingestão proteica, uma vez que apresentam quantidades significativas deste macronutriente.
Disrupção do sono
Dormir de forma adequada é necessário para o bom funcionamento do corpo, nomeadamente no cérebro e do sistema imunitário, estando associado a um menor risco de desenvolver doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares, a hipertensão arterial e a obesidade.
Para além destes benefícios, um sono adequado promove uma melhor regulação da hormona associada com o aumento do apetite, a grelina. Quando ocorre privação de sono os níveis desta hormona são mais altos, e consequentemente ocorre o aumento da sensação de apetite e, usualmente, predispõe para um aumento da ingestão alimentar.
Ingestão de “calorias líquidas” e açúcares simples
A ingestão de bebidas densamente energéticas, como os refrigerantes, assim como a ingestão de alimentos essencialmente constituídos por açúcares simples, estão associados a menor saciedade.
Este fenómeno deve-se ao facto deste tipo de produtos não apresentarem na sua constituição fibra, originando uma absorção rápida do açúcar, levando a uma maior disponibilização de açúcar no sangue promovendo, como resposta, um rápido aumento da libertação de insulina pelas células do pâncreas.
Após a ação da insulina, através da remoção do açúcar do sangue para dentro das células, ocorre uma queda rápida dos valores de açúcar, podendo originar hipoglicemia, que é percecionada pelo organismo como um aumento da necessidade de ingestão alimentar.
No que diz respeito à ingestão de líquidos com valor energético, como são exemplo os sumos de fruta e os batidos substitutos de refeição, sabe-se que o seu consumo como refeição levam à sensação de fome mais precocemente. Isto deve-se ao facto de os alimentos líquidos apresentarem menor tempo de ingestão e de esvaziamento gástrico, em comparação com alimentos sólidos.
Incluem-se nesta categoria refrigerantes, sumos de fruta, farinhas refinadas, pão branco, doces e adoçantes calóricos (de qualquer tipo).
Ingestão de água deficitária
A manutenção do estado de hidratação desde sempre esteve associada a benefícios para a saúde em geral e para o bom funcionamento de todos os sistemas do organismo, incluindo o sistema digestivo.
Não existe validade científica quando se afirma que beber água às refeições pode originar aumento de peso. Pelo contrário, sabe-se hoje que o consumo de água antes da refeição pode contribuir para a redução do apetite.
Por outro lado, a sensação de sede pode ser um fator confundidor de fome. Por esta razão, comummente é aconselhado ingerir água quando estiver com sensação de fome, entre as refeições, tendo como objetivo a perceção real da situação de fome.
Dieta pobre em fibra
A fibra desempenha um papel fundamental na saciedade, uma vez que diminuem o tempo do esvaziamento gástrico e, consequentemente, o tempo de digestão.
Para além do papel da fibra na saciedade, apresenta ainda outros benefícios como a redução do risco de desenvolver doenças crónicas não transmissíveis, como são exemplos a diabetes e a obesidade.
A ingestão de frutas, vegetais e alimentos na sua versão integral deverá ser privilegiada, uma vez que são fornecedores de diversas vitaminas e minerais, assim como de fibra.
Ausência de uma rotina alimentar
Os horários das refeições definidos pela sua rotina diária, ou pelo seu plano alimentar prescrito por um nutricionista, não são estanques.
É normal, e aceitável, o surgimento de flutuações nesses horários. No entanto, deverão ser respeitados de forma a não estar constantemente a ingerir alimentos, assim como não passar horas sem comer correndo o risco de apresentar sensação de fome e comer descontroladamente na refeição seguinte.
Não é obrigatório comer de 3 em 3 horas, ou fazer 6 ou mais refeições pequenas por dia. Importa, sobretudo, que os horários das suas refeições sejam adaptados às suas rotinas, ao exercício físico e ao seu estado de saciedade num dia normal.
Estado de stress
O estado de stress poderá levar a um aumento da sensação de fome. Um dos mecanismos que está envolvido na resposta fisiológica ao stress é o aumento dos níveis da hormona cortisol no sangue. Esta elevação desencadeiam um aumento do apetite, e consequente aumento da ingestão alimentar.
O stress emocional, está ainda associado, muitas vezes, a episódios de compulsão alimentar.
NOTAS FINAIS
Por fim, comer rapidamente ou quando está distraído também podem ser razões para que esteja sempre com fome, uma vez que diminuem a perceção da quantidade e da qualidade de alimentos ingeridos. Podem ainda existir condições clínicas descompensadas que estão associadas ao estado constante de fome, nestes casos deverá procurar a ajuda de um médico para resolver a situação causal.
Embora não referido ao longo do artigo, uma resposta simples à questão “porque estou sempre com fome” pode ser porque efetivamente ingere alimentos nutritivos em quantidade insuficiente tendo em conta as necessidades do seu organismo.
Se a sensação de fome for frequente e incontrolável, levando a episódios de compulsão alimentar e prejuízos para a sua saúde, será importante recorrer à ajuda de um nutricionista de forma a promover gradualmente alterações ao seu estilo de vida e hábitos alimentares.