A teoria sobre a perda de peso é relativamente simples, apenas temos de criar um défice calórico. No entanto, embora várias pessoas consigam ser bem-sucedidas, muitas têm dificuldade não só na perda, como também na manutenção do peso perdido. Saiba, então, por que é tão difícil perder peso.
Por que é tão difícil perder peso?
Para responder a essa questão, temos de começar por relembrar o conceito de balanço energético, que representa o equilíbrio entre energia consumida e despendida. Energia esta que geralmente é medida em calorias.
Basicamente, para perder peso, temos de consumir menos calorias do que gastamos. Contudo, é importante compreender que o balanço energético é um sistema dinâmico. Isto significa que quando fazemos uma alteração num dos lados, iremos inevitavelmente observar também uma alteração no outro.
Por exemplo, quando reduzimos o nosso consumo energético de modo a criar um défice calórico, poderemos observar alterações nas várias componentes do dispêndio energético (1, 2). Adicionalmente, podem também ocorrer alterações ao nível do apetite que podem dificultar a manutenção do nosso consumo energético e adesão à dieta (3).
Nesta publicação serão descritas as alterações que ocorrem nas três componentes do dispêndio energético, nomeadamente a taxa metabólica de repouso; o efeito térmico dos alimentos e a atividade física.
1. Taxa metabólica de repouso
A taxa metabólica de repouso (50-70% do dispêndio total diário) representa a energia necessária para manter as nossas funções vitais e é maioritariamente determinada pela composição corporal – quantidade de massa gorda e massa isenta de gordura.
Numa fase de perda de peso, a taxa metabólica de repouso pode diminuir devido a dois fatores:
- Perda de tecido corporal (massa gorda e massa isenta de gordura)
- Maior eficiência metabólica (termogénese adaptativa)
Teoricamente, a taxa metabólica de repouso representa a soma do dispêndio energético de todos os tecidos do nosso corpo. Por exemplo (4):
- Tecido adiposo: 4.5 calorias / kg
- Músculo esquelético: 12 calorias / kg
- Cérebro: 240 calorias / kg
- Fígado: 200 calorias / kg
- Coração: 440 calorias / kg
- Rins: 440 calorias / kg
- “Residual”: 13 calorias / kg
Quando o dispêndio energético de todos os tecidos corporais é adicionado, consegue-se obter um valor muito semelhante ao medido através de calorimetria indireta (5).
Assim, é fácil compreender que a perda de peso, uma combinação destes tecidos corporais, leve a uma redução no dispêndio energético. No fundo, um corpo mais leve irá gastar menos energia, e isto é um dos motivos que justifica o porquê de ser tão difícil perder peso.
No entanto, por vezes é possível observar uma redução superior ao que seria previsto pelas alterações na composição corporal, chamada termogénese adaptativa, ou adaptive thermogenesis (6, 7, 8). Isto significa que se seria suposto observar uma redução de 150 calorias na taxa metabólica de repouso devido à perda de massa corporal, podemos observar um decréscimo de 200 calorias devido à presença desta termogénese adaptativa.
Contudo, embora existisse a ideia de que esta adaptação pudesse ser de elevada magnitude, este não parece ser o caso quando existe uma avaliação completa e precisa da composição corporal. Por exemplo, num estudo de 2009, os investigadores observaram que após uma perda de peso de 9.5kg, a termogénese adaptativa apenas levou a uma redução próxima de 3% na taxa metabólica de repouso (9).
2. Efeito térmico dos alimentos
O efeito térmico dos alimentos (10-15% do dispêndio total diário) representa a energia gasta nos processos de digestão e absorção dos alimentos que consumimos. Assim, irá depender sobretudo do conteúdo calórico e macronutricional da dieta, em que a gordura, hidratos de carbono e proteína apresentam um efeito térmico de 0-3%, 5-10% e 20-30%, respetivamente (10). Por exemplo, uma refeição mista de 500 calorias irá levar a um efeito térmico de 50-75 calorias, em média.
Numa fase de perda de peso, geralmente é feita uma redução no consumo calórico diário. Por exemplo, se consumir 2500 calorias por dia e reduzir para 2000 calorias, irá reduzir o seu dispêndio energético em cerca de 50-75 calorias por dia visto que estará a digerir e absorver menos 500 calorias.
Embora alguns estudos sugiram que possa existir uma ligeira redução acima do prevista por este decréscimo no consumo calórico, a evidência é de fraca qualidade e não nos permite retirar conclusões sólidas.
3. Atividade física
A atividade física (20-30% do dispêndio total diário) representa todas as atividades que fazemos que envolvem um dispêndio calórico acima do repouso, podendo ser possível subdividir em exercício físico (5-10% o dispêndio total diário). Esta componente do dispêndio energético pode baixar durante uma fase de perda de peso devido a 3 fatores:
Menor peso corporal
Quando perdemos peso, iremos reduzir a quantidade de massa gorda e massa isenta de gordura. Isto significa que não só iremos gastar menos energia em repouso, mas também nas atividades que fizemos durante o dia.
Alterações comportamentais
Embora não seja linear nem transversal a todas as pessoas, é comum observar-se uma redução nos níveis de atividade física durante uma fase de perda de peso. Uma revisão sistemática (revisão de vários estudos) recente observou que 63% dos estudos analisados concluíram que existiu uma redução nos níveis de atividade física (11).
Aumento da eficiência muscular
Não só gastamos menos energia nas mesmas atividades por termos um corpo mais leve, como também existe evidência de que o nosso corpo se torna mais eficiente nas mesmas atividades. Adicionalmente, este aumento de eficiente parece manter-se ainda que se adicione carga extra nos membros envolvidos no exercício, embora a magnitude desta adaptação e o potencial impacto para dificultar a perda de peso sejam relativamente pequenos (12).
o que fazer para ser bem-sucedido na perda de peso?
Embora parte das respostas compensatórias previamente mencionadas que dificultam a perda de peso fujam do nosso controlo, não significa que não tenhamos ferramentas ao nossos dispor para garantir um processo bem-sucedido.
1. Preservar ao máximo a quantidade de massa magra
A massa magra / massa isenta de gordura tem um gasto energético superior à massa gorda. Isto significa que se perdermos apenas massa gorda, conseguiremos preservar parte do nosso dispêndio energético.
Algumas estratégias para preservar ao máximo a massa magra são um consumo proteico adequado (13), prática de exercício (especialmente treino de força) (14) e utilizar uma restrição energética menos severa (15).
2. Manter um estilo de vida ativo
Por termos um corpo mais leve, iremos inevitavelmente gastar menos energia. Adicionalmente, a presença de um défice calórico pode reduzir os níveis de atividade física, um dos motivos pela qual pode ser tão difícil perder peso, assim como mantê-lo.
No entanto, existe evidência científica a sugerir que não só ter uma menor taxa metabólica não predispõe alguém para o ganho de peso (16), como é um fator menos importante do que os hábitos de atividade física.
Por exemplo, ao comparar um grupo de pessoas com obesidade e um grupo de pessoas que manteve uma perda de peso superior a 13kg durante pelo menos um ano, um grupo de investigadores observou que o grupo que conseguiu ter uma manutenção bem-sucedida apresentava um dispêndio energético através da atividade física superior em cerca de 200 calorias, apesar da menor taxa metabólica de repouso (17).
Adicionalmente, a diferença de passos diários entre grupos foi de quase 6000 (12107 vs 6477), reforçando a importância que um estilo de vida ativo pode ter não só ao nível da saúde como um todo, como também na perda e manutenção de peso.
3. Ter hábitos de sucesso
Para perder peso, podemos escolher uma de duas vias. Viver à custa do esforço diário, ou adotar hábitos e comportamentos de sucesso.
Imagine uma pessoa que tem maus hábitos alimentares, consumindo excessivamente produtos ultra-processados, poucos frutos e vegetais, e que passa a maior parte do dia sentada. Esta pessoa decide cumprir um plano alimentar e de treino durante 8 semanas e consegue perder 10kg. Resultados fantásticos! No entanto, apenas cumpriu o plano por ter aquela motivação.
Ao perder a motivação, acabará por retomar os hábitos anteriores e, consequentemente, haverá uma grande probabilidade de recuperar todo o peso perdido. Basicamente, uma descrição do famoso efeito yo-yo, algo que queremos evitar.
Assim, é fundamental que hábitos de sucesso sejam adquiridos, tais como:
- Consumo adequado de frutas e vegetais
- Consumo proteico moderado
- Reduzir a densidade calórica da dieta
- Privilegiar o consumo de alimentos ricos nutricionalmente (80-90% da dieta)
- Cozinhar e/ou preparar a maior parte das refeições
- Ser fisicamente ativo e praticar exercício físico
- Monitorizar o progresso (e.g., treino, peso, perímetros, etc)
Concluindo…
É verdade que numa fase de perda de peso, algumas adaptações fisiológicas e comportamentais poderão ocorrer. Adaptações estas que podem tornar a perda de peso mais difícil.
Em relação à redução no dispêndio que ocorre por termos um corpo mais leve, pouco podemos fazer, assim como o pequeno aumento de eficiência que baixa ainda mais o nosso gasto diário.
Contudo, podemos garantir que somos fisicamente ativos, fazemos exercício e termos hábitos alimentares adequados que nos permitem não só alcançar, como também manter os resultados que tanto ambicionamos.
Somos uma consequência tardia dos nossos hábitos e comportamentos. Assim, um foco na construção de bons hábitos será sem dúvida determinante para o sucesso.
1. Melby, C. L., et al. (2017) Attenuating the Biologic Drive for Weight Regain Following Weight Loss: Must What Goes Down Always Go Back Up? Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28481261
2. Casanova, N., et al. (2019) Metabolic adaptations during negative energy balance and their potential impact on appetite and food intake. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30777142
3. Sumithran, P., et al. (2011) Long-term persistence of hormonal adaptations to weight loss. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22029981
4. Wang, Z., et al. (2011) Evaluation of Specific Metabolic Rates of Major Organs and Tissues: Comparison Between Nonobese and Obese Women. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3319030/
5. Wang, Z., et al. (2010) Specific metabolic rates of major organs and tissues across adulthood: evaluation by mechanistic model of resting energy expenditure. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20962155
6. Dulloo, A. G., et al. (2012) Adaptive thermogenesis in human body weight regulation: more of a concept than a measurable entity? Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23107264
7. Muller, M. J. & Bosy-Westphal, A. (2013) Adaptive thermogenesis with weight loss in humans. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23404923
8. Tremblay, A., et al. (2013) Adaptive thermogenesis can make a difference in the ability of obese individuals to lose body weight. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22846776
9. Bosy-Westphal, A., et al. (2009) Contribution of individual organ mass loss to weight loss-associated decline in resting energy expenditure. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19710198
10. Westerterp, K. R. (2004) Diet induced thermogenesis. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15507147
11. Silva, A. M., et al. (2018) What is the effect of diet and/or exercise interventions on behavioural compensation in non-exercise physical activity and related energy expenditure of free-living adults? A systematic review. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29845903
12. Rosenbaum, M., et al. (2003) Effects of experimental weight perturbation on skeletal muscle work efficiency in human subjects. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12609816
13. Jager, R., et al. (2017) International Society of Sports Nutrition Position Stand: protein and exercise. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28642676
14. Stiegler, P. & Cunliffe, A. (2006) The role of diet and exercise for the maintenance of fat-free mass and resting metabolic rate during weight loss. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16526835
15. Vink, R. G., et al. (2016) The effect of rate of weight loss on long-term weight regain in adults with overweight and obesity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813524
16. Anthanont, P. & Jensen, M. D. (2016) Does basal metabolic rate predict weight gain? Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27581474
17. Ostendorf, D. M., et al. (2019) Physical Activity Energy Expenditure and Total Daily Energy Expenditure in Successful Weight Loss Maintainers. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30801984