Raquel Gomes
Raquel Gomes
21 Out, 2024 - 16:30

É verdade que os ovos aumentam o colesterol?

Raquel Gomes

O debate mantém-se: afinal, os ovos aumentam o colesterol? Fomos ver o que diz a ciência e trazemos-lhe as conclusões.

Os ovos aumentam o colesterol

Sobre se os ovos aumentam o colesterol, importa antes de mais dizer que, em ciência, é extremamente difícil fazer afirmações sem qualquer dúvida inerente.

Fazer ensaios clínicos (duplamente cegos e randomizados) para avaliar o efeito isolado de um alimento durante longos períodos de tempo é inviável: primeiro porque não seria ético submeter alguém a ingerir um alimento que se possa achar causar doença; em segundo porque um alimento não pode ser dado na forma de uma cápsula.

Efetivamente seria o ideal mas, visto que não está ao nosso alcance, temos de nos guiar por outra evidência. Atualmente, temos alguns estudos clínicos feitos com as condições possíveis e um corpo crescente de estudos observacionais prospetivos que nos indicam associações entre o consumo e um determinado efeito (repetimos, associações, e não uma relação de causalidade).

Será que os ovos aumentam o colesterol?

Taça com ovos

É muito frequente ouvir alguém a dizer que não come ovos (ou, em especial as gemas) porque tem o colesterol “mau muito alto”.

Aquilo que é chamado no dia a dia de “colesterol mau” é o colesterol LDL e o chamado “colesterol bom” é o HDL.

OvoColesterol
pequeno (50g)186 mg
médio (58g)200 mg

Estima-se que um ovo de 50g (classificado como pequeno) tenha cerca de 186mg de colesterol alimentar; como comparação, um ovo médio pesa, aproximadamente, 58g e contém cerca de 200mg de colesterol.

Sabe-se hoje que o consumo de ovos causa um aumento muito pequeno no colesterol total, no LDL e no HDL, mas não no rácio entre os dois tipos de colesterol.

O que é que isto quer dizer? Que pode aumentar ligeiramente o LDL, mas aumenta na mesma medida o HDL (o bom colesterol).

Como foi referido, são aumentos muito pequenos e sem grande relevância clínica. Hoje sabemos também que a absorção do colesterol alimentar é extremamente variável podendo ir dos 15% aos 85%.

Além disso, estima-se que apenas 30% da população responda de forma expressiva à ingestão de colesterol alimentar e isto depende de variadíssimos fatores como a etnia, estado nutricional, alguns polimorfismos genéticos e o IMC.

Vale ainda sublinhar que, quando se compara os efeitos do colesterol alimentar com o efeito dos ácidos gordos saturados/trans no colesterol plasmático total, os últimos provocam aumentos muito mais marcados. Assim, conclui-se desde já que os ovos não aumentam de forma apreciável o colesterol plasmático.

Doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e hipertensão

Mulher a fazer refeição com ovo

Não seria justo se esta análise terminasse por aqui. Já é ponto assente que o ovo não há de afetar de forma expressiva o colesterol plasmático de grande parte da população, mas será que isto dizer que não há qualquer associação com doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 ou hipertensão?

A verdade é que a evidência é conflituosa e ainda é um terreno incerto. Os estudos controlados e de melhor qualidade não encontraram quaisquer efeitos adversos nos marcadores de risco para as doenças cardiovasculares ou para a diabetes tipo 2, quando se trata de um consumo de um a dois ovo por dia.

Paralelamente, existem estudos prospetivos com resultados variados: alguns concluíram que uma ingestão de até um ovo por dia não estava associada a um maior risco de doenças cardiovasculares; outros, por oposição, reportaram uma associação positiva (isto é, um aumento do risco tanto para as doenças cardiovasculares como para a diabetes tipo 2).

Apesar destas divergências, é consensual que para os diabéticos há um risco acrescido de doenças cardiovasculares associado a um consumo superior de ovos. Relativamente à hipertensão, foi comprovado que a ingestão de ovos estava associada a uma diminuição de 21% do risco.

Após esta exposição de alguns dos estudos científicos publicados, é natural que haja confusão.

A evidência é conflituosa e naturalmente não está isenta de erros. Por um lado, os ensaios clínicos de melhor qualidade só avaliam os efeitos nos marcadores intermédios de risco a curto prazo e, por outro lado, não se deve ignorar os estudos prospetivos que demonstraram associações positivas para o aumento do risco de doença.

Cruzar a informação disponível é de extrema importância: o consumo de ovos parece estar associado ao aumento do risco de doença, mas é improvável que o vilão seja o colesterol alimentar (uma vez que já concluímos que este não aumenta de forma apreciável o colesterol plasmático).

O ovo e a fosfatidilcolina

Homem a comer ovo cozido

Mas então, se o colesterol não é o culpado, quem poderá ser? Uma das grandes hipóteses é o óxido de trimetilamina.

Sabe-se que a gema tem quantidades apreciáveis de fosfatidilcolina (mais comumente chamada de lecitina) que é a principal fonte de colina (uma vitamina do complexo B).

A lecitina é convertida pelas bactérias intestinais em trimetilamina e esta é, por sua vez, oxidada no fígado em óxido de trimetilamina. Este último composto parece causar inflamação e desencadear uma série de processos que favorecem a formação de placas de ateroma.

Por esta razão, está associado a um aumento do risco cardiovascular. Contudo, isto é apenas uma das grandes hipóteses. Muito caminho tem ainda de ser percorrido para identificar certeiramente o que pode estar na origem das associações positivas do consumo de ovo com algumas doenças reportadas por alguns estudos prospetivos.

Afinal, quantos ovos podemos comer por dia?

Caixa com ovos

Outra das dúvidas mais comuns é quantos ovos podemos consumir por dia.

Para contextualizar, as próprias recomendações para indivíduos de várias instituições diferem entre si: as guidelines norte-americanas recomendam que se ingira a menor quantidade possível de colesterol alimentar; na Dinamarca recomenda-se que se ingira até sete ovos por semana; outras instituições não têm limites superiores quer para o consumo de ovos, quer para o colesterol alimentar.

Assim, é possível constatar que as recomendações são, de facto, muito díspares. Os ensaios clínicos sugerem que o consumo de 1 a 2 ovos por dia não parece exercer efeitos negativos na saúde.

Já alguns estudos prospetivos reportam associações positivas entre consumos superiores a 1 ovo por dia e alguns efeitos negativos na saúde. Mas isto não quer dizer que seja para toda e qualquer pessoa.

Foi referido anteriormente que os estudos prospetivos reportam associações mais marcadas para diabéticos e, assim, nestes, estima-se que o consumo possa ser até no máximo até 7 ovos por semana, mas sempre num contexto de uma dieta equilibrada e acompanhamento profissional.

Posto isto, a atual evidência de melhor qualidade sugere que a recomendação de consumo semanal de ovos, para indivíduos saudáveis, não ultrapasse os 12 por semana.

No entanto, se preferir ter uma abordagem mais conservadora por tudo o que foi dito acima, pode ficar pelos 7 ovos por semana, ou seja, 1 por dia.

Os benefícios do ovo

É de extrema importância sublinhar que o ovo é um alimento riquíssimo do ponto de vista nutricional, barato e prático.

Um ovo de 50g contém cerca de 72 calorias, 6 gramas de proteína de alto valor biológico, 147 mg de colina (vitamina do complexo B), 252 µg de luteína e zeaxantina (1)(carotenoides, nomeadamente xantofilas, associados à saúde dos olhos) e fornece cerca de 29 mg de DHA ( (ou seja, em 100g de ovo obtemos 58 mg de DHA , o que faz do ovo uma fonte de ácidos gordos ómega-3).

Um só ovo ainda satisfaz em 19% a dose recomendada diária de vitamina B12 para adultos. Para além disto tudo, a gema é das poucas fontes dietéticas de vitamina D.

Mulher a comer alimentos ricos em ómega 3
Veja também Alimentos ricos em ómega 3: porque são tão importantes?

Avaliação final: é preciso equilíbrio

Até hoje, não há qualquer evidência que suporte a eliminação do ovo da dieta. Os ensaios clínicos sugerem que o consumo de 1 a 2 ovos por dia não parece exercer efeitos negativos na saúde, sendo que 1 ovo por dia será uma abordagem mais conservadora.

Como em tudo na nutrição é preciso bom senso e equilíbrio. É igualmente importante referir que tudo isto é meramente informativo e que não substitui o acompanhamento por um nutricionista.

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