A gravidez é um período essencial para promover não só o desenvolvimento saudável do bebé, mas também o seu estado de saúde no futuro. Deste modo, o estado nutricional e ponderal da mãe assume um papel principal na gestão desta sua fase de vida. Mas que papel tem a obesidade na gravidez?
Fique a conhecer neste artigo, quais os riscos associados e que cuidados alimentares devem ser adotados.
Que papel tem a obesidade materna na gravidez?
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade pode ser definida como a acumulação anormal ou excessiva de gordura corporal que apresenta um elevado risco para a saúde do indivíduo (1).
Atualmente, é considerada um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento e agravamento de doenças crónicas não transmissíveis, como a doença cardiovascular ou a diabetes Mellitus tipo 2 (2).
Sendo a gravidez um período essencial para assegurar não só o desenvolvimento saudável do feto, mas também o futuro estado de saúde da criança, torna-se determinante promover o adequado estado nutricional da mãe durante esta fase de vida (3).
A importância de controlar o aumento ponderal durante a gravidez
Durante a gravidez, uma das principais alterações fisiológicas é a mudança no peso corporal.
O aumento inevitável de peso na grávida deve-se não só ao crescimento do bebé, mas também ao incremento dos tecidos corporais maternos (como a placenta, o volume do útero e do sangue, o volume do fluido amniótico, o tecido mamário e ainda as reservas de gordura adicionais).
No entanto, existem recomendações ideais para o aumento do peso corporal consoante o peso da mãe antes da conceção e dependendo da fase de gravidez na qual esta se encontra.
Quanto maior o peso da mãe antes de engravidar, menor deverá ser o aumento ponderal durante a gravidez. É ainda importante referir que a mudança de peso corporal superior às recomendações está associada ao aumento do risco de complicações na vida adulta do bebé (4, 5).
Assim, os ajustes de peso e a adequação do estado nutricional devem ser feitos preferencialmente antes da gravidez para garantir o bom desenvolvimento de processos biológicos como a formação e implantação da placenta, a diferenciação celular, o crescimento fetal ou o correto encerramento do tubo neural (3).
No caso de não ser possível, devem ser adotados cuidados alimentares específicos para a promoção de uma gravidez saudável, mesmo que se verifique excesso de peso materno.
Riscos associados à obesidade na gravidez
O excesso de peso ou obesidade na gravidez é um fator de risco importante para o aparecimento de complicações clínicas, não só na gravidez, mas também no estado de saúde futuro do bebé.
1. Aumenta o risco de diabetes gestacional
Além de aumentar o risco de diabetes gestacional (aumento dos níveis de açúcar no sangue durante a gravidez, normalmente reversível após o parto), também pode gerar síndrome hipertensiva gestacional e pré-eclâmpsia.
2. Aumenta os riscos para o bebé
O risco para o bebé também não deve ser descartado, pois tem sido associado a trabalho de parto prematuro ou a anomalias congénitas (6).
Lembre-se de que o principal fator determinante do crescimento fetal é o ambiente no qual este se desenvolve.
O termo “programação metabólica” surgiu para descrever o fenómeno através do qual o ambiente nutricional durante uma fase crítica do período de desenvolvimento do feto, tem um impacto duradouro e persistente ao longo da sua vida, predispondo-o ou não a determinadas doenças crónicas não transmissíveis.
Estudos sugerem que a obesidade materna poderá induzir esta programação epigenética fetal, que acabará por predispor o desenvolvimento de obesidade, diabetes tipo 2 ou doenças cardiovasculares ao longo da sua vida (6, 7, 8, 9).
Além disso, uma obesidade instalada durante a gravidez e um ganho excessivo de peso durante esta fase, pode estar relacionado com um peso excessivo ao nascimento do bebé (macrossomia fetal), por sua vez associado a complicações no parto e na saúde da criança na vida adulta.
Nestes casos, há a pequena vantagem de a grávida ter o metabolismo basal aumentado, pelo que a redução energética não será tão drástica para adequar o peso ao período de gestação.
No entanto, o acompanhamento de um nutricionista durante esta fase, é essencial para garantir que não ocorrem deficiências nutricionais (3, 10).
Quais os cuidados alimentares que a grávida deve ter?
Sabendo que a obesidade no período pré-concecional e o aumento excessivo do peso durante a gravidez estão normalmente associados a complicações no parto e na saúde do bebé, algumas mães iniciam autonomamente uma dieta para emagrecimento.
Qualquer tipo de dieta restritiva (salvo exceções associadas a patologias pré-existentes da mãe) é contraindicada nesta fase.
Mais do que perder peso, é essencial a ingestão alimentar e nutricional adequada. Para isso, o acompanhamento personalizado por parte de uma equipa multidisciplinar de profissionais de saúde é essencial (10).
Não adotar dietas restritivas nem excluir grupos alimentares
Ao contrário de promover a exclusão de grupos alimentares, a grávida deve promover hábitos alimentares adequados, saudáveis e variados, de forma a prevenir um aumento excessivo de peso durante a gravidez (3, 11).
De acordo com cada etapa da gravidez, a mulher tem necessidades nutricionais específicas e requisitos de energia que vão evoluindo consoante o trimestre no qual esta se encontra. Principalmente durante o 2º e 3º trimestre, a mãe deverá ingerir mais calorias, de forma a providenciar a energia necessária para o saudável desenvolvimento do bebé.
Assim, torna-se imprudente seguir uma dieta com restrição calórica excessiva nesta fase (12).
Manter uma rotina alimentar saudável
Relativamente a necessidades nutricionais, deve ser promovida uma rotina alimentar saudável e adequada em termos não só de macronutrientes (proteína, hidratos de carbono e lípidos), mas também de micronutrientes (com especial atenção ao ácido fólico, ferro, zinco, cálcio, iodo, vitamina A, vitamina C, vitamina E e vitaminas do complexo B).
A deficiência na ingestão dos mesmos poderá comprometer o normal desenvolvimento do feto e aumentar o risco de doenças crónicas no futuro (13, 14, 15).
O que podemos concluir?
Sendo a gravidez uma fase de vida tão importante para o estado de saúde da criança (não só no seu início de vida, mas também na sua fase adulta), torna-se essencial promover um adequado estado nutricional da mãe.
Sempre que possível, a gravidez deverá ser planeada de forma a adequar o peso corporal e estado nutricional da mãe. Porém, no caso de obesidade materna durante a gravidez, é essencial o acompanhamento diferenciado e multidisciplinar por uma equipa de profissionais de saúde (entre os quais o médico e o nutricionista).
Só assim será possível garantir a eficácia na gestão do peso durante a gravidez e promoção do estado de saúde quer da mãe quer da criança.
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