O conceito de dieta do paleolítico – ou dieta paleo – teve início nos anos 70 mas a sua popularidade aumentou largamente em 2002, após a publicação do livro “The Paleo Diet: Lose Weight and Get Healthy by Eating the Foods You Were Designed to Eat” por Loren Cordain.
A ideia é simples: reverter os hábitos alimentares atuais para os dos nossos ancestrais pré-históricos e abolir os produtos processados que caracterizam a alimentação do homem atual, trazendo benefícios significativos para a saúde (1).
Estão descritas, no entanto, várias versões desta dieta que entram em conflito umas com as outras, criando confusão nos consumidores. Uma delas é a de que os nossos ancestrais eram maioritariamente carnívoros quando, na verdade, a sua dieta era baseada em alimentos de origem vegetal, sendo grandemente influenciada pela sazonalidade e localização geográfica das tribos em questão (2).
O que é a dieta paleo?
A dieta paleo é essencialmente o padrão alimentar seguido pelos nossos ancestrais, numa altura em que alterações anatómicas e fisiológicas importantes estavam em curso, à medida que o ser humano se adaptava às alterações climáticas, aprendeu a controlar o fogo e a utilizar ferramentas de pedra.
Os antropologistas defendem que este tipo de dieta influenciou grandemente a expansão neural bem como o tamanho do cérebro e reduziu o tamanho do trato gastrointestinal (1).
O último século foi marcado por um crescimento marcado na industrialização que, embora importante para o avanço da espécie humana, deu origem a géneros alimentares ultraprocessados e de baixo custo, como forma de sustentar o crescimento populacional mundial. Como consequência do consumo deste tipo de produtos, a incidência e prevalência das chamadas doenças crónicas não transmissíveis (DCNT) como a obesidade, diabetes, hipertensão, cancro e doença cardiovascular (DCV), entre outras, praticamente triplicou (2).
O porquê da dieta paleo
Em 2005, 60% da mortalidade mundial por todas as causas foi atribuída às DCNT (3); se esta tendência se mantém, estima-se que em 2020 as DCNT serão responsáveis por 73% de todas as mortes a nível mundial (4).
O desenvolvimento destas doenças está associado a fatores comportamentais como hábitos tabágicos, consumo exagerado de bebidas alcoólicas, sódio e hidratos de carbono refinados e ingestão insuficiente de frutas e vegetais (3).
Como seria de prever, o padrão alimentar adotado tem uma forte influência na incidência das DCNT, podendo exercer um efeito protetor ou de risco na patogénese destas doenças. Várias dietas têm vindo a ser propostas para o controlo do principal fator de risco comportamental da DCNT – a obesidade – em especial a dieta paleo.
Um dos principais argumentos que suporta esta dieta é o de que a evolução humana cessou há 10.000 anos e que a carga genética está, desta forma, otimizada para a dieta dos nossos ancestrais pré-históricos. Neste sentido, vários estudos têm vindo a ser conduzidos no sentido de comprovar os benefícios deste tipo de padrão alimentar para a saúde (5,6,7).
Com efeito, é permitida a ingestão de hortofrutícolas frescos, carnes magras e brancas, peixe, ovos, sementes e frutos oleaginosos, estando proibidos os cereais, grãos, leguminosas e produtos lácteos (5).
Algumas restrições são consideradas polémicas, mesmo por antropologistas, que referem não haver suporte histórico ou científico suficiente limitar alguns dos alimentos acima. De forma pragmática, será uma dieta restrita em produtos lácteos e cereais realmente benéfica, mesmo que historicamente não validada?
Princípios da dieta paleo original
Através dos avanços tecnológicos foi possível reconstruir a dieta paleo, recorrendo a dados antropológicos e ao estudo de algumas tribos nómadas dos tempos modernos.
O homem pré-histórico é também conhecido como caçador-coletor já que, uma vez que a agricultura ainda não havia sido descoberta, seguia o seguinte conceito de alimentação:
- Plantas: incluindo tubérculos, sementes, frutos gordos, leguminosas e até flores. Após a descoberta do fogo e utilizando a pedra, foi possível processar e cozinhar estes alimentos
- Proteína animal: devido á sua fácil disponibilidade, pequenos animais eram consumidos, consistindo, no entanto, em apenas 3% do valor energético desta dieta. Como os animais ainda não tinham sido domesticados, os produtos lácteos, provavelmente, não faziam parte da dieta
- Pescado: a dieta incluía mariscos e outros peixes de menor calibre, sendo esta ingestão mais constante nas zonas costeiras
- Insetos: eram consumidos uma grande variedade de insetos, bem como mel e os próprios favos; interessante é o facto de a etmofagia – ingestão de insetos – estar a ser cada vez mais estudada como potencial substituto da carne, apresentando benefícios nutricionais semelhantes (1)
Dieta paleo atual: o que pode comer?
1. Hortícolas
De preferência da época, de produção biológica e cultivo local. Qualquer hortícola é permitido, mas é importante não considerar o milho, que é um cereal e não confundir com leguminosas (feijão, grão, lentilhas), alimentos que contêm alguns anti-nutrientes e que já têm um teor de hidratos de carbono considerável.
2. Gorduras naturais
Dentro das gorduras incluem-se os óleos vegetais de extração a frio, como azeite extra virgem e manteiga (com apenas estes ingredientes “natas pasteurizadas, sal”); relativamente ao óleo de coco, vários estudos mostraram que o seu consumo aumenta as concentrações de coleterol LDL (vulgarmente conhecido como mau colesterol) contribuindo, desta forma, para uma deterioração da saúde cardiovascular.
Embora relativamente rico em ácidos gordos de cadeia média (com efeito cardioprotetor), os efeitos benéficos do óleo de coco comercial não podem ser generalizados para os extratos de óleo de coco natural (17).
3. Carne, pescado e ovos
A carne deverá ser preferencialmente de pasto, o peixe de preferência selvagem e os ovos de preferência caseiros.
4. Frutas
À semelhança dos hortícolas, a fruta também deverá ser da época, de produção biológica e cultivo local. O seu consumo deverá ser moderado, especialmente por quem quer perder peso.
A fruta em calda, a fruta desidratada e os sumos de fruta já não se incluem na lista de alimentos permitidos na dieta paleo.
5. Oleaginosas
Nozes, amêndoas, pistácios, castanha do Pará, avelãs, e respetivas pastas “manteiga de amêndoa”, “manteiga de caju”. Uma exceção é o amendoim, visto que é considerado uma leguminosa.
6. Sementes
As sementes estão também incluídas nesta lista de alimentos permitidos na dieta paleio: girassol, linhaça, abóbora, chia, entre outras, é só fazer a sua escolha.
7. Água, chá e café
Podem ser consumidos à vontade, desde que sem açúcar.
8. Outros alimentos permitidos na dieta paleo
Entre os alimentos acima referidos, existem mais variedade que sejam permitidos para que possa diversificar a sua alimentação:
- Sal marinho não refinado ou sal dos Himalaias
- Especiarias e ervas aromáticas: alecrim, coentros, folhas de louro, orégãos, paprika, pimenta, vinagre, açafrão, gengibre, manjericão, noz moscada, canela)
- Bebidas vegetais (amêndoa e coco, preferencialmente), que não contenham glúten, açúcar, maltodextrina, fosfatos e estabilizadores
- Queijo (apenas com os seguintes ingredientes: leite, coalho, sal, fermentos lácteos, cloreto de cálcio). Ex. queijo quark, cottage, parmesão, gouda, brie, excluindo as versões light
- Natas frescas (ingredientes: natas frescas pasteurizadas e culturas ou fermentos lácteos)
- Iogurte grego (ingredientes: leite, nata, fermentos lácteos)
- Enchidos: presunto (caseiro), bacon (apenas carne de porco e sal), chouriço
- Farinhas: farinha de coco, farinha de sementes (girassol, linhaça, chia), farinha de frutos oleaginosos moídos (amêndoa, nozes, avelãs) e farinha de alfarroba
- Coco ralado (único ingrediente tem de ser o coco)
- Bicarbonato de sódio, extrato de baunilha e Psyllium (para tornar bolos/pães mais macios)
- Cacau puro em pó e chocolate preto acima de 85% cacau
- Para adoçar: stevia (na forma de planta, não refinada), mel (biológico. sem aditivos, só mel), açúcar de coco
Evidência científica dos benefícios da dieta paleo
Embora os defensores da dieta paleo refiram que o suporte científico existe, a verdade é que o número de ensaios clínicos que comparam esta dieta com outras (dieta mediterrânica, por exemplo) é ainda muito limitado. Para além disso, os estudos que efetivamente existem carecem muitas vezes de poder estatístico e possuem desenhos muito heterogéneos, o que não permite tirar conclusões fortes.
1. Doença cardiovascular, diabetes e peso
Em 2007, comparou-se o efeito da dieta paleo e da dieta mediterrânica em 29 indivíduos com doença cardíaca isquémica e diabetes, num período de 12 semanas. Embora os 2 grupos tenham perdido a mesma quantidade de peso, no grupo da dieta paleo verificou-se maior redução do perímetro de cintura (PC) e melhorias mais marcadas do controlo glicémico (8).
Em 2009 demonstrou-se que, comparativamente à dieta padrão para diabéticos, os doentes que aderiram à dieta paleo apresentaram melhorias nos valores de hemoglobina glicosilada (HbA1c), pressão diastólica, perfil lipídico, peso e PC (9). Em 2008 foi demonstrado que os 14 intervenientes do ensaio clínico de 3 semanas perderam em média 2,3 kg de peso corporal e 0,5 cm de PC, melhorando ligeiramente a pressão sistólica. Notou-se, no entanto, uma carência superior em cálcio relativamente à dieta prévia (10). De forma semelhante, em 2009, foram notadas diferenças significativas na distensão arterial, sensibilidade à insulina e perfil lipídico de 9 voluntários não obesos e sedentários (11).
Resta determinar se as melhorias referidas acima se devem unicamente à adesão ao padrão paleo ou à perda de peso que resulta da adesão a qualquer dieta que imponha restrição energética.
Num estudo realizado durante 2 anos, utilizando 70 mulheres obesas e pós-menopáusicas, verificou-se que o grupo da dieta paleo perdeu significativamente mais peso até aos 6 meses, não sendo estes resultados mantidos até ao 24º mês de intervenção, quando comparado com o grupo da dieta referência. Para além disso, o primeiro grupo perdeu mais massa gorda mas também mais massa isenta de gordura e ambos grupos apresentaram melhorias marcadas na pressão sanguínea, marcadores de inflamação e colesterol total, sem alterações no perfil glicémico (14).
2. Saciedade
Pelo elevado teor em proteínas e fibra solúvel, esta abordagem tem vindo a ser proposta como forma de perda de peso através do controlo do apetite.
Num estudo de 2013, com o propósito de comparar o potencial saciante da dieta paleo em 13 doentes diabéticos, os resultados obtidos mostraram que, embora a dieta paleo seja mais saciante do que a “dieta diabética”, também é mais difícil de manter em termos de adesão (12).
Num outro estudo com 24 voluntários saudáveis, os investigadores compararam a resposta das hormonas gastrointestinais e o efeito na saciedade aguda utilizando 2 refeições baseadas no padrão paleo, mas com algumas diferenças: uma delas não continha cereais nem produtos lácteos enquanto a outra, com a mesma base de proteína vegetal, continha os grupos alimentares eliminados. Os resultados não mostraram diferenças na resposta glicémica nem insulínica entre refeições, ou seja, não houve diferenças significativas no apetite dos dois grupos (13).
Neste sentido, visto o desenho dos estudos ser bastante heterogéneo, tanto em metodologia como em numero de participantes, não podemos concluir se a dieta paleo apresenta realmente um potencial saciante superior às demais dietas.
3. Risco de cancro colorretal
O cancro colorretal é uma das forma de cancro mais diagnosticadas no mundo, em ambos os sexos. Componentes individuais da dieta, tanto alimentos (frutas e vegetais) como micronutrientes (vitaminas e polifenóis) podem exercer efeito protetor no risco de carcinogénese devido ao seu potencial antioxidante (18).
Por outro lado, a fibra dietética – um dos componentes que pode ser limitado em algumas versões da dieta paleo devido à restrição do grupo dos cereais – pode exercer um efeito anti-carcinogénico direto pelo atraso no transito intestinal, diminuindo o tempo de contacto dos agentes carcinogénicos com a mucosa intestinal e promovendo a síntese de SCFA (18).
Neste sentido, um estudo tentou avaliar o impacto da dieta paleo no risco de cancro colorretal, avaliado pela incidência de pólipos intestinais. Precisamente devido às várias versões divulgadas da dieta paleo, não se encontraram diferenças significativas entre a primeira e a dieta mediterrânica (15).
4. Limitações da dieta paleo
Olhando para os trabalhos como um todo, quase que podíamos assumir que a dieta paleo tem efeito na saciedade – independentemente da forma como é prescrita – , bem como na melhoria do peso corporal, PC, pressão sanguínea e perfil lipídico.
Relativamente às melhorias do perfil glicémico, os resultados dos estudos são muito dispares. Um deles, de grande qualidade, mostrou não haver diferenças entre os níveis de glicose e insulina após a ingestão de uma refeição paleo e uma refeição dita convencional (13). No entanto, a maior parte dos estudos são curtos e com desenhos muito diferentes.
A adesão a este tipo de dieta, bem como a palatibilidade são alguns dos contras das dietas paleo. Outro fator a considerar aquando da adoção desta dieta é o custo monetário. Está descrito que a dieta paleo é cerca de 10% mais cara relativamente a uma dieta padrão, o que pode ser limitativo para pessoas com rendimentos mais baixos (16).
Por fim, a pobreza desta dieta em cálcio continua a ser uma das maiores preocupações para os nutricionistas e investigadores. Alguns estudos referem que a ingestão de cálcio numa dieta paleo pode ser inferior a 50% das recomendações diárias o que, se não for controlado, pode conduzir a distúrbios do metabolismo ósseo (7,10).
Conclusão
De forma geral, as conclusões relativamente aos efeitos da dieta paleo devem ser tiradas de forma cautelosa. Embora a adesão à dieta paleo possa estar ligada à perda de peso e perímetro de cintura, estes resultados devem ser interpretados à luz do fraco poder dos estudos, heterogeneidade de desenho e duração dos estudos.
De qualquer forma, abaixo apresentamos um resumo dos prós e contras desta dieta:
Prós
- Rápida perda de peso e gordura corporal
- Redução do volume abdominal
- Possíveis benefícios no controlo das gorduras no sangue
- Possíveis benefícios no controlo da pressão arterial
Contras
- Difícil de manter no tempo
- Aumento de peso (quando mal prescrita)
- Muito dispendiosa
- Fraqueza, diarreia e dores de cabeça
- Diminuição da densidade mineral óssea
Se tem interesse em adotar este tipo de dieta, seja pelo motivo que for, faça-o, mas de forma informada.
Consulte o seu nutricionista, e conheça os possíveis riscos e reais benefícios desta prática.