«É o alimento mais completo», «protege a saúde dos ossos», “ajuda a crescer”… Estas são algumas das mais-valias do leite que, desde sempre, ouvimos falar.
Além disso, existem ainda as recomendações dos mais reputados organismos nacionais e internacionais que incentivam o consumo diário deste alimento.
No entanto, a verdade, é que, atualmente, este tema já não é consensual entre a comunidade científica, existindo uma corrente de especialistas que aponta riscos ao seu consumo e afirma que o leite faz mal.
Com efeito, o resultado de artigos sobre se devemos ou não beber leite é muitas vezes este: uma no cravo, outra na ferradura. Por cada investigação científica que aponte para um benefício ou para um malefício, aparecerá outra para desdizer.
E o leite não é exceção. Como resultado, muitos especialistas defendem, atualmente, que os adultos devem moderar a ingestão de leite, uma vez que existem estudos que associam o seu consumo a problemas de saúde, como doenças coronárias, diabetes e cancro.
Contudo, antes de avançarmos mais a fundo nesta questão, é necessário salvaguardar que os malefícios apontados ao leite são proporcionais à quantidade ingerida.
A constituição do leite
Atualmente, e na típica dieta ocidental (pobre em nutrientes), o leite é a principal fonte de cálcio e contribui significativamente para o aporte de outros minerais, nomeadamente o fósforo, potássio, magnésio e ferro, e das vitaminas B1, D e A, embora no caso destas últimas, seja essencial a sua fortificação.
Além disso, é um alimento que possui proteína de elevado valor biológico, em quantidades significativas. Estas proteínas são completas e fornecem todos os aminoácidos essenciais que o organismo necessita à renovação dos seus tecidos.
Dentro das proteínas lácteas, salienta-se a proteína do soro, vulgarmente designada por Whey, que, devido à sua fácil e rápida digestão e absorção, é a proteína mais consumida no mundo do fitness e desporto para aumento e manutenção da massa muscular.
Todavia, também os seus derivados, como o queijo e o iogurte, assim como carne, peixe e ovo, as possuem.
A questão do cálcio
O aporte de cálcio está na raiz das recomendações para a ingestão de leite.
O cálcio existente no leite é bem absorvido no intestino, sendo o leite de vaca um dos alimentos cujo cálcio tem melhor biodisponibilidade.
Por esse motivo, o consumo diário de leite, nas quantidades recomendadas, poderá contribuir para a prevenção de doenças ósseas, como a osteoporose, para a manutenção do esmalte dos dentes e prevenção de caries dentárias, quando combinada com uma boa higiene oral.
Note-se, porém, que a absorção de cálcio depende de outros fatores, principalmente da ingestão de vitamina D ou da promoção da sua síntese através da exposição solar.
Contudo, é necessário salientar que uma elevada ingestão de proteína (quer animal, quer vegetal) aumenta a produção de ácidos, o que, por sua vez, promove a excreção urinária de cálcio.
Como tal, há quem defenda que quando se junta outras fontes de proteína a quantidades generosas de hortícolas e sementes (por exemplo chia), mantém-se um adequado balanço de cálcio.
A famosa intolerância à lactose
O leite possui, na sua composição, lactose, um hidrato de carbono que para ser digerido necessita de uma enzima intestinal, denominada lactase. No entanto, com o avançar da idade, muitas pessoas vão deixando de produzir essa enzima e tornam-se intolerantes à lactose.
Quando a lactose não é digerida, permanece no intestino sujeita à ação de bactérias fermentadoras, causando náuseas, flatulência, distensão e cólica abdominal ou diarreias que se manifestam entre 30min a 2 horas após a sua ingestão.
Algumas pessoas possuem intolerância total à lactose, ou seja, sentem os sintomas logo após o seu consumo, mesmo em pequenas quantidades, enquanto outros têm uma intolerância apenas parcial. Neste último caso, conseguem digerir pequenas quantidades de lactose provenientes de alimentos como iogurte e queijo.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, cerca de um terço da população portuguesa sofre de algum tipo de intolerância à lactose. No entanto, esta pode quase não se notar, o que faz com que muitas pessoas vivam com ela.
Como contornar o problema?
Para contornar esse problema, há cada vez mais pessoas a procurar outras opções para substituir o leite, nomeadamente bebidas vegetais de soja, arroz ou amêndoa.
Contudo, essas bebidas vegetais são um substituto mais cultural do nutricional, pois não têm as vitaminas, minerais e proteínas do leite e para serem palatáveis é-lhes adicionado açúcar. Na verdade, aproximam-se mais de sumos do que de leite.
Em termos proteicos, a bebida de soja é a que se aproxima mais, quer em termos de qualidade quer de quantidade.
Porém, a maioria da soja é geneticamente modificada e tem muitos anti -nutrientes (como os fitatos) que impedem a absorção de alguns nutrientes. Por isso, não vale a pena deixar de beber leite para passar a exagerar na bebida de soja.
Por outro lado, importa não esquecer que a lactose está presente em muitos outros alimentos, como as salsichas, patês, presunto, mortadela, molhos, entre outros, e na composição de muitos medicamentos.
Importa também salientar que além da intolerância à lactose, existe também a alergia às proteínas do leite, uma situação bem mais rara e geralmente hereditária.
Ocorre quase sempre em crianças pequenas, traduz-se por sensibilidade a diferentes proteínas do leite. Expressa-se através de pequenas manifestações alérgicas, ocorrendo igualmente perturbações respiratórias.
Portanto, para os intolerantes à lactose ou alérgicos às suas proteínas, o leite faz efetivamente mal.
A questão das hormonas e do cancro
Devido ao tipo de proteínas que possui, muito diferentes de outras fontes de proteicas, o leite é capaz de induzir uma forte produção de insulina.
Embora este aumento dos níveis de insulina seja benéfico em alguns casos, como por exemplo, logo após o exercício, a existência recorrente de níveis de insulina no sangue acima do normal é um fator de risco para diabetes, doenças cardiovasculares, cancro, entre outras.
Por essa razão, o leite é muitas vezes associado a inúmeros malefícios, o primeiro dos quais ao aparecimento de cancro.
Com efeito, existe uma enorme discussão sobre a relação entre leite e doenças oncológicas, sendo a principal resposta à pergunta “Porque é que o leite faz mal?” a sua aparente relação com o aparecimento de cancro.
No entanto, a verdade é que o consumo moderado de leite parece ser protetor, enquanto em excesso é que poderá ter um efeito negativo, como também acontece com muitos outros alimentos.
Problema: Hormonas
Recentemente, a Universidade de Harvard manchou (ainda mais!) a reputação do leite, quando, aparentemente, excluiu os lacticínios do seu guia alimentar, colocando em causa o benefício destes e reforçando o aumento do risco de alguns tipos de cancro associado ao seu consumo.
De facto, a exclusão foi apenas aparente, visto que apesar dos lacticínios não estarem presentes no guia, os autores referem que poderão ser ingeridas 1 a 2 porções diariamente.
O argumento para a limitação deste valor passa pelo aumento do risco de cancro da próstata (que foi verificado após o diagnóstico da doença e para ingestões elevadas de leite gordo) e de cancro do ovário (risco modesto e apenas para a ingestão de lactose equivalente a 3 ou mais porções diárias de lacticínios).
Efetivamente, quando se faz uma revisão da evidência científica existente, conclui-se que o leite, apesar de possuir na sua composição hormonas como o IGF-1 (substancialmente reduzido em iogurtes) promotoras do desenvolvimento tumoral, este alimento não aumenta o risco de cancro da próstata (sobretudo na sua versão magra) e pode inclusive ter um efeito protetor no cancro da bexiga, mama e colon, quando consumido até 3 porções diárias.
No entanto, note-se que o cálcio presente no leite torna-o um alimento protetor do cancro do cólon.
Em relação à hormona de crescimento presente no leite de vaca, esta perde a sua funcionalidade biológica no organismo humano, tornando-se inofensiva.
Já os estrogénios presentes no leite parecem induzir algumas alterações hormonais no organismo, existindo alguns indícios de que um consumo elevado de leite na adolescência pode potenciar o surgimento de menarca precoce ou aumentar o risco de cancro da próstata na idade adulta.
Porém, as investigações que apontam para resultados deste género fazem-no com base no consumo de três ou mais porções de leite por dia.
Por outro lado, antes de substituir o leite de vaca por bebida de soja, lembre-se que a soja possui isoflavonas, substâncias semelhantes ao estrogénio, cujo impacto na saúde apesar de, aparentemente, pouco relevante em consumos moderados, ainda não está totalmente esclarecido.
Assim, e sendo o cancro uma doença multifatorial, a quantidade de hormonas presentes no leite não parece ser suficiente para, por si só, induzir o desenvolvimento tumoral.
Leite e outras doenças
1. Doenças cardiovasculares
Relativamente à associação entre a ingestão de leite e doenças cardiovasculares, esta tem sido nula ou até negativa, o que reflete o seu papel benéfico na redução da pressão arterial (em associação com fruta e hortícolas) e a falta de relação entre as gorduras saturadas presentes no leite e o aumento do risco cardiovascular.
2. Acne
3. Diabetes
Existem estudos que associam a ingestão de laticínios, especialmente nas versões magras, a menor incidência de diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.
Se é certo que a IGF-1 não é benéfica para a diabetes, é igualmente certo que o leite, no conjunto dos seus outros componentes, tem um efeito protetor. Aliás se comparar a carga glicémica de alguns alimentos, rapidamente constata que os lacticínios têm dos valores mais baixos.
Pelo contrário, existem outros a mostrar um papel promotor da diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes.
Em caso de resistência à insulina e síndrome metabólica, é recomenda a substituição do leite por queijo com baixo teor de lactose.
Em suma
O consumo de leite e derivados, particularmente de iogurtes nas versões magras, tem mais benefícios do que malefícios, embora não seja um alimento essencial.
Portanto, se a sua pergunta é “o leite tem de estar presente na alimentação”? A resposta não é “tem”, é “pode”!