O leite é mesmo um vilão? Depende. O leite é um alimento completo e facilmente acessível. A sua ingestão é particularmente importante nos primeiros meses de vida dos bebés e em crianças, é essencial para manter um bom estado de saúde em geral. Para adultos, está comprovadamente ligado à perda de peso, promoção da saúde cardiovascular e prevenção de doenças crónicas como a diabetes tipo 2.
Por outro lado, o de leite de vacas de pasto tem a vantagem de ser mais rico em ómega-3 e isento de hormonas e antibióticos, embora o real impacto para a saúde humana destes compostos ainda carecer de mais estudos. No entanto, pode ser um alimento inconveniente em casos de alergia à proteína do leite de vaca e intolerância à lactose, estando ligado a um conjunto de sintomas gastrointestinais que resultam numa pioria do estado nutricional.
Parece haver uma ligação ténue entre o consumo de produtos lácteos e a pioria dos sintomas de asma, mas apenas quando há alergia alimentar presente. No fundo, o leite é um vilão para aqueles que não toleram ou não conseguem digerir os seus nutrientes, e até à data, nada aponta para o seu envolvimento no desenvolvimento de determinados tipos de cancro.
Até prova em contrário, o leite não é, definitivamente, um vilão.
Nutrientes no leite
O leite é uma secreção formada nas glândulas mamárias dos mamíferos com o objetivo de suprir as necessidades nutricionais das crias nos primeiros meses de vida. Do ponto de vista nutricional, este produto é bastante completo, fornecendo 18 dos 22 nutrientes essenciais ao correto funcionamento do organismo.
É importante salientar que o leite é a base de muitos produtos que estão presentes na alimentação diária de vários milhões de pessoas, como o queijo, iogurtes e manteiga.
Para além dos anteriores, o leite fornece ainda ferro, selénio, vitamina B6, vitamina E, vitamina K, niacina. tiamina e riboflavina. O conteúdo em gordura varia de acordo com as versões gordo, meio-gordo ou magra. A versão magra contém, em média, 1.54 gramas de gordura saturada, 0.761 gramas de gordura insaturada e 12.2 milligramas de colesterol.
Quanto ao teor proteico, este é um alimento constitui uma excelente fonte de proteína de alto valor biológico, fornecendo entre 7 a 8 g por chávena almoçadeira (240 mL). As proteínas do leite podem ser divididas em 2 grupos de acordo com a sua solubilidade em água. As proteínas insolúveis são designadas caseínas e as solúveis, proteínas do soro. Ambas são consideradas proteínas de excelente qualidade, com uma elevada proporção de aminoácidos essenciais e boa digestibilidade.
Nutriente | Quantidade por 244 g | % das Quantidades Diárias Recomendadas (RDA) |
Cálcio | 276 mg | 28% |
Folatos | 12 mcg | 3% |
Magnésio | 24 mg | 7% |
Fósforo | 205 mg | 24% |
Potássio | 322 mg | 10% |
Vitamina A | 112 mcg | 12.5% |
Vitamina B-12 | 1.10 mcg | 18% |
Zinco | 0.90 mg | 11% |
Proteína | 7 to 8 g (caseina e proteínas do soro) | 16% |
Caseínas
As caseínas correspondem a 80% de todas as proteínas existentes no leite. Uma das principais propriedades das caseínas é a capacidade para aumentar a absorção de minerais como o cálcio e o fósforo. Um dos principais benefícios associados a este tipo de proteínas é a sua capacidade para controlar a pressão arterial em doentes hipertensos.
Proteínas do soro
O restante proteico do leite – 20% – corresponde às proteínas do soro, particularmente ricas nos aminoácidos e cadeia ramificada (BCAA) leucina, isoleucina e valina. As proteínas do soro, ou whey protein, estão associadas a diversos benefícios para a saúde, incluindo a diminuição da pressão arterial e a melhoria do humor em períodos de stress.
Pela qualidade nutricional e conteúdo em BCAA, é um suplemento bastante popular para atletas que procuram o aumento da massa muscular e recuperação após os treinos.
Benefícios do leite
Controlo do apetite
A ingestão de leite está inversamente relacionada com o aumento de peso, podendo inclusive ajudar no controlo do apetite. Um estudo mostra que a ingestão de produtos lácteos ajuda as pessoas a sentirem-se mais saciadas em períodos de carência energética, reduzindo a ingestão de alimentos global.
Outros estudos associam diretamente o consumo de produtos lácteos à diminuição da obesidade global e visceral e outros associam esta ingestão à prevenção do excesso de peso.
Crescimento ósseo
De acordo com um estudo de 2016, o leite pode ajudar a melhorar a densidade mineral óssea em crianças, sendo importante ainda na redução do risco de fraturas ósseas.
Estudos longitudinais mostram ainda que mulheres grávidas com uma ingestão equilibrada de produtos lácteos e alimentos ricos em cálcio deram à luz crianças com melhor crescimento ósseo comparativamente àquelas que seguiram dietas mais pobres nestes produtos.
Prevenção da diabetes tipo 2
A diabetes tipo 2 é uma doença crónica caracterizada por anomalias nos valores de açúcar no sangue; este descontrolo pode aumentar o risco de doença cardíaca, enfarte e AVC, bem como de doença renal. Os dados epidemiológicos mostram que o consumo de produtos lácteos está associado à menor prevalência de complicações metabólicas da diabetes, enquanto que estudos experimentais associam as proteínas do leite à menor prevalência da doença.
No entanto, embora uma meta-análise reporte que ingestões proteicas superiores (25-32% vs 15-20%) resultam em maiores perdas de peso (- 2kg) e melhorias na hemoglobina glicada (-0.5%), não foram verificadas alterações estatisticamente significativas dos níveis de glicose em jejum, lípidos plasmáticos e pressão arterial.
Saúde cardiovascular
As gorduras do leite parecem estar associadas a melhores valores de bom colesterol, cujo importância se prende com a prevenção de doença cardíaca, enfarte e AVC. Por outro lado, a sua riqueza em potássio pode fazer deste alimento um aliado no controlo da pressão sanguínea.
Leites de vacas de pasto têm mais ácidos gordos poliinsaturados da série 3 – ómega-3 – cujos produtos finais do metabolismo tê efeitos anti-inflamatórios, anti-trombóticos e protetores das paredes dos vasos sanguíneos.
Efeitos negativos do leite
Acne
Um estudo realizado em adolescentes mostrou que há associação entre o consumo de grandes quantidades de leite e a severidade do acne. Para além deste, uma meta-análise revela a ligação entre o consumo de lácteos, independentemente da quantidade de gordura que possuam. Este efeito pode estar ligado à influência que o leite tem na síntese de hormonas como a insulina e o Insulin Growth Factor-like 1 (IGF-1).
Para além do acne, o leite e produtos lácteos podem estar associados com a pioria do eczema. No entanto, um estudo de 2018 mostrou que a suplementação com probióticos em grávidas e lactentes reduz o risco de eczema nas crianças.
Asma
Há uma crença popular na medicina alternativa de que os laticínios causam asma, baseada no pressuposto de que o consumo de leite e derivados aumenta a produção de muco nos tratos respiratórios superior e inferior e que, por esta razão, estes produtos devem ser retirados da dieta. De qualquer forma, não existe explicação precisa para esta recomendação.
Na verdade, o consumo de leite não causa asma mas, quando associado à existência de uma alergia alimentar, pode piorar os sintomas da doença. Neste sentido, um ataque de asma pode sim ser provocado por um alergénio alimentar, independentemente de ser a proteína do leite ou outro alimento.
A prova disso é que cerca de 45% das crianças asmáticas são também alérgicas ao leite ou a outros alimentos. O risco de asma em crianças que apresentem qualquer alergia alimentar é 4 vezes superior ao das crianças não alérgicas.
Fraturas ósseas
De acordo com alguns estudos, a ingestão de 3 ou mais porções de leite por dia pode aumentar o risco de fratura óssea em mulheres, associado á presença de um açúcar designado D-galactose. No entanto, devido ao desenho do estudo, os próprios autores alertaram para o facto de serem necessários mais estudos para confirmar esta relação.
Um outro estudo mostrou que as fraturas ósseas associadas a osteoporose são mais prevalentes em áreas cuja ingestão de produtos lácteos, cálcio e proteína animal são mais comuns. Contudo, fica por esclarecer se estes resultados se devem ao consumo de produtos lácteos ou ao consumo de uma dieta com um potencial acidogénico que caracteriza as dietas com muita proteína animal e que podem ter um impacto negativo na saúde óssea.
Cancro
Existe alguma evidência que o consumo de produtos lácteos possa estar ligado ao desenvolvimento de alguns tipos de cancro. Por exemplo, um estudo associa o consumo de cálcio de origem animal ao aumento do risco de cancro da próstata enquanto outro sugere que os açúcares naturalmente presentes no leite possam estar associados ao aumento do risco de cancro nos ovários.
No entanto, tanto num caso como no outro, há resultados distintos, refletindo diferenças no tempo de exposição e desenho dos estudos, sendo necessária mais pesquisa acerca do tema para estabelecer uma relação causam entre o consumo de leite e o desenvolvimento de cancro.
Conclusão
A popularidade do leite tem vindo a sofrer algumas mazelas, associadas a alguns estudos que lhe atribuem efeitos negativos no corpo humano, bem como por certas modas impostas por celebridades e personalidades das redes sociais.
No fundo, o leite é um vilão para aqueles que não toleram ou não conseguem digerir os seus nutrientes, e até à data, nada aponta para o seu envolvimento no desenvolvimento de determinados tipos de cancro. Até prova em contrário, o leite não é, definitivamente, um vilão.