Há uma crença popular na medicina alternativa de que os laticínios causam asma. Esta crença antiga – que pode ser rastreada até ao século XII – baseia-se no pressuposto de que o consumo de leite e derivados aumenta a produção de muco nos tratos respiratórios superior e inferior e que, por esta razão, estes produtos devem ser retirados da dieta. De qualquer forma, não existe explicação precisa para esta recomendação.
Laticínios e asma: quando existe alergia à proteína do leite
Independentemente da opinião popularizada pelas medicinas alternativas, os laticínios não causam asma. A verdade é que, quando também associada a uma alergia à proteína do leite, o consumo de leite e derivados pode piorar os sintomas da doença. Mas, vamos por partes.
O que é a Asma?
A asma é uma doença crónica caracterizada pela inflamação e hipereatividade das vias aéreas que afeta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo inteiro. Sendo uma doença tipicamente associada a respostas imunes exageradas, estas respostas são fortemente influenciadas pela exposição ambiental a determinados alergénios.
As dificuldades respiratórias causadas pela asma estão ligadas à inflamação e edema das vias aéreas, mas também produção exagerada de muco.
É uma doença que atinge tanto adultos como crianças, podendo ser potencialmente fatal. Os sintomas da asma incluem sibilos, falta de ar, tosse, sensação de aperto no peito e a presença de muco nos pulmões.
O tratamento da asma é médico, envolvendo a prescrição de broncodilatadores e esteroides de forma a aumentar o fluxo de ar nas vias e a diminuir o edema associado à reação imune exacerbada.
Muco
O muco é uma secreção que reveste a superfície na mucosa dos tratos respiratório e gastrointestinal, protegendo estas estruturas de uma série de agressões mecânicas, térmicas e químicas. É um produto das células epiteliais secretórias que consiste em água, mucinas e uma mistura de mucopolissacarídeos e glicoproteínas, lisozima, imunoglobulinas e leucócitos.
A medicina tradicional chinesa considera que o consumo de lácteos (exceto a manteiga) bem como chocolate, mel e outros adoçantes naturais aumentam o efeito humidificante em humanos, efeito esse que contribui para a espessura excessiva do muco.
Uma vez que está documentado um aumento da produção de muco em doentes asmáticos, não é de admirar que se proponha uma relação entre laticínios e asma e que as recomendações das medicinas alternativas vão para a evicção de alimentos designados formadores de muco.
Laticínios causam asma? Há ou não uma relação causal?
Como referimos, os laticínios não causam asma. Associada a uma alergia à proteína do leite, o consumo de leite e derivados pode piorar os sintomas da doença, mas apenas neste caso em particular.
A asma e a alergia alimentar apresentam uma relação muito próxima, partilhando os mesmos fatores de risco como a alergia alimentar dos pais, eczema atópico e sensibilização ao alergénio.
Neste sentido, um ataque de asma pode sim ser provocado por um alergénio alimentar, independentemente de ser a proteína do leite ou outro alimento (4,5). Apenas neste sentido é que parece haver relação entre latícinios e asma.
A prova disso é que cerca de 45% das crianças asmáticas são também alérgicas ao leite ou a outros alimentos . O risco de asma em crianças que apresentem qualquer alergia alimentar é 4 vezes superior ao das crianças não alérgicas.
No entanto, o contrário também se verifica. Se não houver alergia à proteína do leite de vaca associada, a ingestão de produtos lácteos não irá despoletar sintomas de asma. Um estudo em crianças demonstra, inclusive, que o consumo de lacticínios está inversamente associado à prevalência dos sintomas da asma. Outro estudo mostra que a ingestão de leite por mulheres grávidas diminui o risco de asma, alergias e complicações alérgicas como o eczema nos bebés.
Laticínios causam asma: alergia à proteína do leite
Define-se alergia alimentar como uma reação adversa aos alimentos ou constituintes alimentares (proteínas ou haptenos) mediada por mecanismos imunológicos (IgE). As reações ocorrem habitualmente imediatamente ou até 2 horas após a exposição, podendo variar de gravidade.Os sintomas são causados pela resposta específica do indivíduo e não pelo alimento em si.
A percentagem de pessoas com alergias alimentares é muito baixa. Cerca de 5% das crianças apresentam alergia à proteína do leite de vaca. Destas, cerca de 80% deixa de ser alérgica durante a infância ou adolescência.
Os sintomas de qualquer alergia alimentar incluem reações respiratórias, gástricas e cutâneas, o que pode explicar em parte o frenesim associado à relação entre laticínios e asma. Reações como sibilos, tosse, falta de ar e edema das vias respiratórias são transversais às duas doenças mas, no caso da alergia, incluem também vómitos, diarreia, cãibras abdominais e urticária. Nos casos mais graves, a reação alérgica pode causar anafilaxia, uma condição potencialmente fatal.
Em caso de alergia alimentar, e embora possa haver um papel terapêutico na indução de tolerância oral específica (SOTI) na gestão dos sintomas, a verdade é que a evicção alimentar é a única forma de tratamento comprovada.
Ao contrário da maior parte das intolerâncias alimentares, que permite a ingestão de quantidades reduzidas do alimento agressor, as alergias/hipersensibilidades alimentares não.
Produtos como bebidas energéticas, enlatados, embutidos, pastilhas elásticas e mesmo alguns medicamentos podem causar ataques de asma. Consulte-se com o seu médico ou nutricionista antes de iniciar qualquer padrão de evicção alimentar de forma a não correr o risco de possíveis carências nutricionais.
Conclusão
A asma pode ser uma doença fatal, é um facto. No entanto, nada aponta para que haja relação entre os laticínios e asma, a menos que haja uma alergia ao leite de vaca associada. Uma vez que a prevalência de alergias alimentares na idade adulta é muito baixa, dificilmente um asmático terá sintomas após a ingestão de produtos lácteos.
Na verdade, pessoas que excluem os lacticínios da sua dieta perdem também uma importante fonte de proteína de alto valor biológico e de cálcio, incorrendo em todos os riscos que essas carências acarretam.
Nas medicinas alternativas é muito comum ouvir-se a recomendação para a não ingestão de lácteos e, no caso da asma, essa crença está associada ao aumento da produção e viscosidade de muco nas vias respiratórias. No entanto, está demonstrado que o consumo de laticínios não altera significativamente a função pulmonar, podendo, inclusive, melhorar os sintomas da asma e, se for consumido na gravidez, pode prevenir o seu aparecimento nas crianças.
Em suma:
- A sensação associada à produção de muco não é específica ao leite de vaca, dependendo muito mais das características físicas de algumas bebidas do que da origem delas;
- Em casos raros, os sintomas de asma podem ser despoletados, mas apenas quando há confirmação de alergia à proteína do leite de vaca;
- Limitar o consumo de laticínios sem que haja confirmação de alergia à proteína do leite de vaca pode conduzir ao aporte inadequado de vários nutrientes incluindo o cálcio;
- Começam a ser frequentes os casos de carência nutricional em crianças associado à substituição do leite por bebidas vegetais, com destaque para o aumento da incidência de raquitismo, kwashiorkor e escorbuto, para além da diminuição da estatura média em crianças.
Aconselhe-se com o seu médico ou nutricionista antes de eliminar qualquer alimento da sua dieta – ou da dos seus filhos – acreditando na crença antiga de que há relação entre os laticínios e asma.
A não esquecer
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