As crianças, na sua grande maioria, são naturalmente ativas. Esta energia, impertinente por sinal, causa, muitas vezes, em casa, na sala de aula e até nos recreios escolares, ruído, agitação, caos e sentimentos como irritação, frustração, intolerância e incapacidade.
Incluindo em muitos contextos de treino, o excesso de energia das crianças desafia a mais elevada competência de um treinador, no sentido de as canalizar para os objetivos do “treino” e daí a importância do exercício físico em idade pediátrica.
Por esta razão, deve ser dado às crianças tempo suficiente em espaços apropriados, para que estas possam libertar as suas energias, enquanto, paralelamente, desafiam o seu potencial de desenvolvimento humano através da exploração e descoberta do corpo em movimento.
Esses tempos e espaços podem ser formais, estruturados em torno de programas e planeamentos, onde o exercício físico está incluído, ou informais, de lazer, com um elevado carácter lúdico e espontâneo, de uma riqueza insubstituível e indispensável ao desenvolvimento pessoal da criança.
O exercício físico em idade pediátrica
A atividade física faz, naturalmente, parte da vida de uma criança. Todavia, de forma alarmante, muitas das oportunidades para uma criança realizar atividade física, quer através do brincar, quer complementarmente através de uma atividade formal, tem vindo a reduzir drasticamente devido ao elevado tempo de atividades sedentárias que ajudam os pais e professores, principalmente, a “controlar” a energia das crianças.
Esses tempos sedentários, ocupados com diversas atrações como a televisão, os computadores e todos os meios tecnológicos disponíveis, são altamente prejudiciais ao desenvolvimento equilibrado das crianças, atrasando a cognição e a linguagem, constituindo igualmente um sério risco no desenvolvimento do excesso de peso e obesidade, doenças cardiovasculares, ósseas, psíquicas, etc.
Benefícios do exercício físico em idade pediátrica
Durante muitos anos persistiu um conjunto de mitos relativamente ao exercício físico em idade pediátrica. Nos dias de hoje, fruto das mais diversas investigações científicas, o conhecimento nesta área permite-nos afirmar de forma clara e inequívoca, que a prática de exercício físico nas crianças, quando bem conduzido e adequado às mesmas, traduz-se em largas consequências positivas, de natureza biológica, psicológica e social para o desenvolvimento infantil.
Especificamente, o exercício físico nas crianças melhora:
- o perfil de composição corporal, aumentando a massa muscular e óssea e reduzindo a massa gorda;
- melhora a saúde metabólica reduzindo o “mau” colesterol e o açúcar no sangue;
- melhora a pressão arterial.
O aumento da aptidão física decorrente do exercício físico é hoje reconhecido como um caminho sustentável de promoção da saúde cardiovascular e óssea, sabendo-se igualmente que o desenvolvimento da massa muscular, através do treino da força, devidamente supervisionado, acrescenta inúmeros benefícios fisiológicos.
Adicionalmente e paralelamente às consequências biológicas, o exercício físico é hoje reconhecido porque melhora o rendimento académico através alterações na estrutura cerebral e de comportamentos como:
- melhor organização e rentabilização do tempo;
- maior concentração e atenção;
- facilidade de raciocínio.
Um dos benefícios fundamentais da prática de exercício físico em idade pediátrica, muitas vezes esquecido, é o desenvolvimento das competências motoras.
Quanto mais apta, do ponto de vista motor, for uma criança, ou seja, quanto maior for a facilidade no desempenho de habilidades em diversas tarefas motoras, com o seu corpo, com os objetos e com os outros, e quanto melhor for a qualidade do movimento, coordenação e controlo demonstrado pela criança, mais condições ela apresenta para se manter ativa, podendo realizar um vasto conjunto de atividades físicas.
Exercício físico em crianças que não se adaptam ao mesmo
Crianças que apresentam baixos níveis de competências motoras têm menores níveis de perceção de competência e tendem a não gostar de realizar atividade física nas suas diversas formas e a afastar-se da prática, o que se vai tonando mais acentuado com o avanço da idade. Crianças que não sabem correr, saltar, apanhar e lançar bolas e, jogar, dificilmente gostam de fazer as atividades mais complexas, o que se agrava com o crescimento, principalmente nas raparigas.
O exercício físico, desenvolvido em ambientes educativos, saudáveis, pouco competitivos e de enorme envolvimento social, para além de promover todos estes benefícios biológicos, fisiológicos, psíquicos e cognitivos, acrescenta o valor social ao desenvolvimento equilibrado da criança. Inclusivamente, muitas das grandes amizades construídas pelas crianças decorrem do seu crescimento em ambientes de treino saudáveis e agradáveis.
Deste modo, considera- se que o exercício físico constitui um dos mais importantes e indispensáveis veículos de formação e desenvolvimento pessoal e social.
Acompanhamento no exercício físico em idade pediátrica e seus benefícios
Para que os benefícios possam emergir de forma consistente e incidente nas diversas dimensões que pautam o crescimento e desenvolvimento de uma criança, oferecendo harmonia face às necessidades das crianças, torna-se necessário que a prescrição do exercício, sua intensidade, duração e objetivos, e que as repetições dos movimentos nas tarefas, respeitem, precisamente, as necessidades de cada uma das crianças e do grupo em que estão inseridas.
Isto implica olhar para o “treino desportivo” nas crianças não apenas como um momento de prescrição do exercício físico focado na tradicional elevação da condição física, mas também como um espaço de exploração e aprendizagem de uma panóplia de movimentos assentes em princípios educativos de enriquecimento pessoal.
O comportamento de atividade física é aprendido e desenvolvido através do ambiente onde a criança se desenvolve, ou seja, através dos seus pais e família, amigos, professores, treinadores, escola, ambiente físico e social da comunidade, clube desportivo, políticas subjacentes, etc.
Pouco se pode esperar, em termos de gosto, autonomia e vontade própria na prática de exercício físico, de uma criança que tenha crescido sem um ambiente favorável a este comportamento, ou seja, sem estimulação e incentivo da família e escola, sem espaços de lazer e organizados na comunidade, sem atitudes políticas que lhe ofereça oportunidades de aprendizagem das competências motoras.
Como incentivar as crianças a gostarem e praticarem exercício físico?
As crianças devem aprender, de forma natural, a gostar de fazer exercício físico. Para tal, não se deve confundir esse espaço de crescimento por um espaço de competição e rendimento, replicando o modelo adulto nas crianças.
O desenvolvimento do gosto e da competência na realização de diversos tipos de exercícios físicos tem de ser, como condição essencial, um espaço educativo, em que o treinador constitui uma referência, é um educador, o qual tem o dever de ajudar a criança a desenvolver-se primeiro como pessoa, e só depois como atleta.
Todo e qualquer processo de desenvolvimento do exercício físico na criança deve ser assente numa base de experimentação de uma vasta gama de exercícios e movimentos da criança com o seu corpo, com os objetos que a envolve e com os seus pares. O caráter lúdico, inclusivo, agradável e significativo devem pautar a atividade.
O exercício físico em idade pediátrica deve abraçar princípios educativos e pedagógicos e ser complementado com o espaço informal de brincadeira espontânea, intrinsecamente motivada e caoticamente orientada.
Onde devem as crianças praticar exercício físico?
Os parques infantis, espaços de lazer e a comunidade
Crianças que brincam muito em espaços de lazer e em parques infantis são, à partida, crianças com mais oportunidades de desenvolverem de forma natural as suas competências motoras.
É nestes espaços e tempos que tudo começa. As crianças exploram sem regras, descobrem o seu corpo, os limites, lideram, experimentam, desafiam-se, sentem prazer, contactam com a natureza, desenvolvem sentimentos positivos, importantíssimos e mesmo fundamentais, relativamente ao corpo a mexer-se.
Comunidades que ofereçam segurança às crianças, cidades amigas das crianças com espaços verdes, passeios largos, ciclovias bem construídas que as levem aos mais diversos lugares, com pouco ruído e poluição são fatores ecológicos fundamentais para o desenvolvimento de atitudes positivas pera a prática de exercício físico.
A escola e a Educação Física
Todos os alunos estão na escola e todos têm Educação Física curricular e obrigatória.
Esta é a disciplina e a oportunidade de excelência onde se desenvolvem as primeiras e insubstituíveis aprendizagens na realização do exercício físico, através de uma formação alargada nas atividades físicas e nas atitudes e valores inerentes à prática de atividade física. É o único local acessível a todas as crianças onde são desenvolvidas as primeiras (e às vezes únicas) aprendizagens concretas e as competências na realização das diversas atividades físicas.
Estas aprendizagens referem-se igualmente e de forma associada à elevação da aptidão física, fator de saúde e educação e aos conhecimentos, atitudes e valores inerentes à prática de atividade física que fazem parte da vida saudável e ativa em comunidade.
Nenhuma criança faz, com persistência e consistentemente, o que não gosta de fazer e o que não gosta de fazer está associado ao que não sabe fazer.
As aprendizagens na Educação Física são um bem estruturante do desenvolvimento integral de uma criança e por isso esta é uma disciplina obrigatória ao longo dos 12 anos de escolaridade. A sua lecionação por professores qualificados oferece-lhe um estatuto único e insubstituível no desenvolvimento das competências necessárias ao desenvolvimento da literacia física e, consequentemente, à criação de estilos de vida ativos.
…e os clubes
A realização de exercício físico em clubes é para quem pode ter acesso a estes.
Os clubes devem, acima de tudo, procurar metas educativas inerentes à formação específica no âmbito desportivo. Isto é principalmente importante quando se trata de idades pediátricas e de formação e crescimento.
Torna-se necessário desenvolver estratégias que envolvam os pais de forma saudável e equilibrada e que possibilitem às crianças uma formação específica, com regras, com planos, com orientação, não descurando a necessária gestão com o divertimento, a alegria, o desenvolvimento harmonioso, multilateral e saudável das mesmas.
Os pais e a organização do horário laboral
Dificilmente se promove o exercício físico nas crianças e a prática de atividade física informal se os pais não tiverem tempo e oportunidade de levarem os seus filhos para o clube ou para os parques infantis.
A organização do horário laboral em Portugal é um enorme obstáculo à participação das crianças em atividades físicas formais e informais, remetendo para a escola, nomeadamente para atividades de enriquecimento curricular e de ocupação de tempos livres, o tempo em que estas deviam estar a brincar com os seus pais e/ou a participar nas atividades de formação desportiva.
Recomendações de exercício físico em idade pediátrica
1 a 3 anos de idade as crianças devem: | 3 a 5 anos de idade as crianças devem: | |
1ª recomendação | Fazer um total de 30 minutos de atividade física estruturada diária | Fazer um total de 60 minutos de atividade física estruturada diária |
2ª recomendação | Fazer pelo menos 60 minutos diários de atividade física não estruturada e não podem estar em atividades sedentárias mais de 60 minutos, exceto enquanto dormem | |
3ª recomendação | Devem ser dadas amplas oportunidades para desenvolver competências motoras que servem de alicerces para os futuros movimentos e atividade física | Devem ser encorajadas a desenvolver competências nos movimentos fundamentais que server de alicerces para os futuros movimentos mais complexos e as diversas atividades físicas e desportivas |
4ª recomendação | Devem ter acesso a atividades interiores e exteriores que cumpram as recomendações de segurança na realização de atividades musculares | |
5ª recomendação | Todos os responsáveis pelo bem estar das crianças devem compreender a importância da atividade física e da promoção de competências motoras oferecendo oportunidades de atividade física estruturada e informal e experiências de movimento |
Em suma…
Independentemente do contexto onde o exercício físico se desenvolve é fundamental que pais, professores e treinadores incentivem essa prática de forma saudável e equilibrada face às caraterísticas da criança que está a crescer, a desenvolver-se e a encontrar a sua personalidade.
Para que tal aconteça, as atividades têm de ser:
- O exercício físico deve ser agradável , divertido, significativo para a criança, que envolva processos intrínsecos de construção de valores positivos perante a atividade física;
- Na prescrição devem ser reconhecidas as diferenças individuais entre as crianças, respeitando princípios como a inclusão e a diferenciação na prescrição do exercício;
- O exercício físico deve valorizar o desenvolvimento social através da prática, a participação saudável em equipa, o fair-play e companheirismo, a cooperação e o respeito, em vez da vitória e da competição por si só;
- Os valores de natureza pessoal, como a auto-estima, autoconfiança, perceção de competência e liderança devem ser alvos a perseguir na formação desportiva;
- O exercício físico deve dar oportunidade para a criança explorar a sua criatividade numa ampla variedade de comportamentos possíveis de serem realizados, em vez de ser fechado e excessivamente regulamentado;
- As crianças devem ser ensinadas a vestirem-se para a prática do exercício físico de forma adequada à atividade;
- As questões de segurança dos espaços e equipamentos, bem como as questões educativas da disposição desses espaços físicos devem ser um foco de atenção das escolas, clubes e espaços comunitários.