As estratégias de recuperação muscular são essencialmente aplicadas para permitir uma recuperação mais rápida após o treino.
O exercício físico, de forma aguda, é considerado uma agressão que altera a homeostasia do organismo. Esta agressão, caso seja aplicada a longo prazo com uma dose e tempo de recuperação ajustado, vai permitir ao organismo criar adaptações que vão possibilitar uma maior tolerância a esse estímulo.
Estratégias de recuperação muscular
O que acontece do ponto de vista muscular?
Do ponto de vista muscular, esta agressão vai induzir uma serie de alterações estruturais, causando micro roturas dentro das fibras, despoletando uma resposta inflamatória.
Durante este processo, é comum a sensação de dor muscular nos dias após o treino, mais conhecida como delayed onset of muscle soreness (DOMS). O DOMS é especialmente evidente após um treino com um volume que não estamos habituados ou após a realização de contrações excêntricas.
Esta sensação é, muitas das vezes, vista como um critério de treino “bem feito”, algo que não é necessariamente verdade, podendo até prejudicar o rendimento nos treinos seguintes caso essa dor seja excessiva.
Esta ideia surgiu quer pelo facto de este dano nas fibras musculares ser um fator ligado ao processo de hipertrofia, quer pela propagação de conceitos ligados ao treino como o “no pain no gain”. Importa salientar que, caso essas dores ocorram, é devido ao processo inflamatório causado pela agressão estrutural e não pela acumulação de lactato, um mito que ainda hoje persiste.
5 estratégias de recuperação muscular
As estratégias de recuperação são técnicas para acelerar a recuperação muscular, sendo principalmente utilizadas no mundo do desporto. Devido aos calendários apertados de diversas modalidades, existe uma necessidade de procurar estratégias que consigam acelerar o processo natural de recuperação dos atletas.
Quando falamos de recuperação, podemos identificar de forma objetiva uma serie de marcadores inflamatórios e de dano muscular que refletem a recuperação, tais como a creatina kinase (CK), a interleucina 6 (IL-6) ou a proteína C-reativa (PCR). Como marcadores subjetivos, avaliados através de escalas, temos por exemplo o DOMS, explicado anteriormente, ou a perceção de fadiga.
Como exemplos de estratégias mais usadas, temos a recuperação ativa, os alongamentos, a massagem, os matérias de compressão, os banhos de contraste ou a crioterapia. Apesar de não abordarmos de forma aprofundada, a nutrição e o sono são, também, estratégias de recuperação essenciais que deverão ser tidas em conta.
Alongamentos
Começando por aquele que, provavelmente, foi tido como uma importante estratégia de recuperação muscular, este é um mito e a evidência atual é clara quanto à sua ineficácia na recuperação, quer nas medidas objetivas, quer nas subjetivas.
No entanto, se no seu caso em particular se sente bem a realizar alongamentos após o seu treino pode continuar a fazer desde que o faça com cautela, visto que poderá até aumentar o DOMS caso seja feito com alguma intensidade.
Massagem
A massagem é uma estratégia de recuperação que provavelmente qualquer pessoa gostará de receber. Curiosamente, é das estratégias que apresenta melhores resultados, diminuindo significativamente o DOMS nos dias após o treino, melhorando a perceção de fadiga e até uma redução nos marcadores objetivos de inflamação e dano muscular como a CK ou a IL-6.
Uma possível explicação para estes resultados poderá ser o aumento do fluxo sanguíneo durante a massagem dos músculos onde sentimos mais DOMS ou fadiga, aumentando a velocidade da remoção dos produtos produzidos na inflamação, reduzindo o edema e assim acelerar a recuperação.
Nesta secção, poderemos também incluir os materiais de libertação miofascial como o foam rooling.
Apesar destes matérias serem apelidados como “libertadores mioafascias”, é sabido que este termo está mal aplicado visto que a fáscia é um tecido que necessitava de uma força que excedia as limitações fisiológicas da maior parte das pessoas para que se conseguisse ter alguma alteração na sua estrutura. Apesar disso, no que diz respeito à redução do DOMS parece não existir dúvidas quanto ao seu efeito positivo.
Vestuário de compressão
O vestuário de compressão é outra das estratégias de recuperação muscular bastante usada no mundo do desporto. A evidência aponta para um efeito positivo no DOMS e na perceção de fadiga, apesar desse efeito ser menos pronunciado do que com o uso de massagens.
No que diz respeito aos marcadores objetivos a evidência é um pouco contraditória. Existe evidência que o uso de vestuário de compressão poderá ser eficaz na redução dos níveis de CK, apesar de outros estudos não comprovarem estes resultados.
Estas discrepâncias entre estudos poderão ser explicadas pelos diferentes protocolos utilizados nos mesmos, o que não permite fazer uma comparação absoluta.
Recuperação Ativa
A recuperação ativa (RA) é uma estratégia bastante usada, especialmente no dia após um jogo ou uma competição. Esta é essencialmente caraterizada pela realização de exercício aeróbio continuo de baixa intensidade, contudo pode ser realizada de outra forma desde que seja de baixa intensidade.
A RA apresenta resultados positivos na redução do DOMS, apesar de não acrescentar nenhum efeito positivo à realização de outras estratégias, tais como a massagem.
Hidroterapia e Crioterapia
Relativamente à hidroterapia, podemos separar as técnicas de banho de contraste (BC) (imersão em água fria alternado com água quente) e a imersão em água fria (IAF) de forma isolada.
Nos BC, a evidencia aponta para uma diminuição do DOMS e da perceção de fadiga nos dias após o treino, havendo até alguma evidência para a redução de medidas objetivas de dano muscular como a CK, apesar de ainda não haver consenso absoluto quanto ao protocolo de tempo e temperatura ideais.
No que diz respeito à IAF, esta também poderá reduzir o DOMS, a perceção de fadiga ou os níveis de CK, apesar destes efeitos serem moderados e ainda serem alvo de discussão. O protocolo ideal será realizar uma imersão em água a uma temperatura entre os 11-15 graus durante 11-15 minutos.
Será importante referir que, caso o seu objetivo seja aumentar a massa muscular, não é aconselhado o uso desta estratégia visto que irá atenuar os seus ganhos, apesar não prejudicar nos ganhos de força.
Por fim, a crioterapia, realizada em câmaras de ar extremamente frio (2 a 3 minutos abaixo de -110 graus), poderá também ajudar a reduzir o DOMS e reduzir os níveis de inflamação, apesar de, mais uma vez, estes efeitos serem moderados. Estas conclusões são ainda alvo de debate por causa da variabilidade dos protocolos testados, dificultando a comparação entre os seus resultados.
Em suma…
Existem diferentes estratégias para que possa acelerar a sua recuperação. Apesar disto, se tem uma frequência de treino moderada e não tem que cumprir um calendário competitivo apertado, um planeamento de treino ajustado será suficiente para que possa recuperar de forma eficaz de treino para treino.
Contudo, caso queira aplicar alguma das estratégias apresentadas, deverá primeiro aconselhar-se com um profissional de saúde.
Artigo originalmente publicado em Janeiro de 2020. Atualizado em Outubro de 2022.
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