A doença de Lyme, é uma doença infeciosa causada por bactérias do complexo Borrelia burgdorferi sensu lato (s.l.). O vetor transmissor é a carraça, que tem como habitat florestas e matas com elevada humidade, o que torna expectável que a incidência desta patologia seja crescente de sul para norte do país.
As condições climatéricas em Portugal parecem influenciar a atividade da carraça vetor e sua atividade parece estender-se ao longo de todo o ano. O aumento dos movimentos migratórios e das viagens a áreas endémicas poderá também contribuir para o crescimento do número de casos de doença de Lyme em território nacional (1, 2).
A doença de Lyme
Em Portugal, a doença de Lyme é uma doença de declaração obrigatória desde 1999. Para que o diagnóstico de doença de Lyme seja considerado, um indivíduo deve ter sido exposto ao risco de mordedura por uma carraça vetor.
Os principais reservatórios de carraças em Portugal são aves, lagartos, veados e pequenos mamíferos (roedores, lebres, esquilos).
Critérios clínicos da doença
- Eritema migrans (exantema migratório, concêntrico com uma zona clara central) com pelo menos 5 cm de diâmetro.
É a manifestação clínica mais precoce da doença. Inicialmente, surge como uma picadela, uma mancha ou papo avermelhado. Com o passar dos dias, vai tomando a forma de um alvo, com uma zona central mais clara.
Os locais mais frequentemente atingidos são o dorso, as axilas, a região inguinal, os joelhos e as pernas. Nas crianças a cabeça e o pescoço são frequentemente envolvidos.
Os sintomas mais conhecidos são:
- Febre
- Mal-estar geral
- Fadiga
- Cefaleias
- Rigidez da nuca
- Mialgias
- Artralgias migratórias
- Linfadenopatia
Manifestações tardias
- Poliartrite com preferência pelas grandes articulações
- Artrite crónica
- Meningite asséptica
- Nevrite craniana
- Encefalomielite
- Meningoencefalite
- Radiculopatias (radiculoneuropatia)
- Bloqueio auriculoventricular
- Miocardite
O estádio tardio desenvolve-se semanas a meses após a ocorrência da mordedura, resultando em 50% dos casos de uma progressão do estádio inicial e caracteriza-se por: fadiga e letargia constantes e sintomas sistémicos severos como neurológicas (neuroborreliose); complicações cardíacas (cardite de Lyme); complicações dermatológicas (eritema múltiplo e linfocitoma borreliano) e ainda complicações oculares , apesar de menos frequentes (2, 3).
Prevenção da doença de Lyme
Perante uma potencial exposição, devem ser utilizadas estratégias preventivas com o recurso a calçado protetor e a vestuário de cor clara, que cubra toda a superfície corporal, e à utilização de repelentes de carraças, aplicados na pele e vestuário.
Ao final do dia, deve ser analisada toda a superfície corporal, sem esquecer o couro cabeludo, e efetuada rápida remoção de carraças identificadas.
Outras precauções a ter
- Use camisas de manga comprida e calças compridas, proteja as pernas com botas
- Use roupas de cores claras, elas podem ajudá-lo a detetar quaisquer carraças antes que atinjam a sua pele
- Fique na parte central dos trilhos quando estiver numa área bastante arborizada
- Use repelentes contra insetos
- Lave a pele com água e sabão após voltar de uma área de risco
Para que a transmissão da espiroqueta ( bactéria) que transmite a doença ocorra, a carraça deve alimentar-se na superfície corporal por um período mínimo de 24 horas, estando demonstrado que 96% dos indivíduos que identificam e removem precocemente a carraça da superfície corporal não são infetados pela doença de Lyme, mesmo em áreas de elevada ocorrência da doença (1).
O que deve fazer se encontrar uma carraça no seu corpo, no seu filho ou no seu animal de estimação?
- Remova quaisquer carrapatos utilizando, para tal, uma pinça de ponta fina
- A carraça não deve ser espremida ou torcida. Segure-A perto da pele e puxe com pressão constante. Outros métodos como a utilização de um fósforo, vaselina ou querosene não são recomendados
- Limpe a pele em volta da picada com água e sabão ou desinfetante
- Marque a data e o local da picada para referência futura
- Se houver uma erupção cutânea, consulte o seu médico
Diagnóstico da doença de Lyme
O diagnóstico do eritema migrans é clínico, dispensando a realização de estudos laboratoriais, testes serológicos ou de eletrocardiograma. A história de mordedura prévia por carraça é altamente sugestiva (2).
Tratamento
Em indivíduos com história de mordedura de carraça, a terapêutica antibiótica profilática com doxiciclina é recomendada.
O esquema posológico recomendado é doxiciclina na posologia de 100 mg, bid, durante 14 dias, em adultos ou 4 mg/kg por dia, dividido em duas doses, até ao máximo de 100 mg por dose, durante 14 dias, em crianças com idade superior a 8 anos.
Na presença de contraindicações, nomeadamente gravidez, amamentação ou idade inferior a 8 anos, o antibiótico recomendado é a amoxicilina. Neste caso, os esquemas posológicos recomendados são 500 mg, tid, durante 14 dias, em adultos e 50 mg/kg por dia, dividido em três doses, até ao máximo de 500 mg por dose, durante 14 dias, em crianças com idade inferior a 8 anos (1)
Linfocitoma Borreliano
O linfoctioma borreliano é uma manifestação cutânea rara da doença de Lyme, observada quase exclusivamente na Europa, em relação com a distribuição geográfica da genoespécie envolvida com maior frequência, B. afzelii.
Esta forma de apresentação clínica é mais frequente em idade pediátrica, sendo observada em 7% das crianças e em 2% dos adultos com doença de Lyme. Pode desenvolver-se em simultâneo ou após um episódio de eritema migrans, geralmente próximo do local de mordedura.
Em crianças, a localização mais frequente é o pavilhão auricular e nos adultos é o mamilo e o escroto (1).
- GARRIDO, Pedro Miguel et al. Doença de Lyme: Epidemiologia e Manifestações Clínicas Cutâneas. Revista SPD. 2018. Sociedade Portuguesa de dermatologia e venereologia. Disponível em: https://revista.spdv.com.pt/index.php/spdv/article/download/907/566/
- Instituto de higiene e medicina tropical. Universidade de Lisboa. Disponível em: https://www.ihmt.unl.pt/glossary/borreliose-de-lyme/
- MARTA, Filipa. 2009. Borreliose de Lyme em Portugal: (novos) aspectos clínico-laboratoriais do diagnóstico da infecção humana. Universidade de Lisboa. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/1aaf/fd88087cc5564b35a217d682d7cfb96890e9.pdf.