Raquel Gomes
Raquel Gomes
24 Mai, 2023 - 08:39

Dieta vegetariana Vs dieta mediterrânica: qual vence?

Raquel Gomes

Se é adepto de uma dieta vegetariana, fique a par de algumas considerações nutricionais que deverá ter em consideração.

Dieta vegetariana

A dieta vegetariana popularizou-se nos últimos anos por questões não só relacionadas com a sustentabilidade, mas também por questões éticas e de saúde. Indiscutivelmente, o número de apoiantes deste padrão alimentar tem vindo a aumentar, assim como as opções alimentares no mercado.

A par deste crescimento, existe igualmente uma preocupação para que os consumidores façam escolhas que lhes permitam manter um bom estado de saúde.

Fique a saber mais sobre as dietas vegetarianas neste artigo, incluindo as principais considerações nutricionais que deverá ter em linha de conta.

Dieta vegetariana: o que é e como pode ser classificada?

De forma geral, a dieta vegetariana é um termo para descrever padrões de consumo alimentar que utilizam exclusivamente, ou predominantemente, produtos de origem vegetal.

Devido às diferentes variantes dentro da dieta vegetariana, existem alguns subgrupos. Todos eles têm em comum a exclusão da carne e do pescado, mas podem incluir ovos ou laticínios.

Assim, podem ser descritos quatro subgrupos (1):

  1. Ovolactovegetariana: exclui carne e pescado. Laticínios (queijo, iogurte, leite) e ovos são permitidos.
  2. Lactovegetariana: exclui carne, pescado e ovos, mas permite laticínios.
  3. Ovovegetariana: como o nome indica e contrariamente à anterior, permite ovos, mas exclui lacticínios. A carne e o pescado são igualmente excluídos.
  4. Vegetariana estrita e vegana: é o subgrupo mais radical, exclui todos os alimentos de origem animal.

Existe, ainda, um grupo de pessoas que segue um regime “semivegetariano”. Considera-se que é uma categoria para todos os que excluem apenas a carne e/ou o pescado ou então para aqueles que apenas consomem estes produtos esporadicamente.

Contudo, pelas definições atuais, esta subcategoria não é considerada como pertencente ao grande grupo de dietas vegetarianas pelo que não será considerada ao longo deste artigo.

Alimentos permitidos na dieta vegetariana

Dieta vegetariana é mais sustentável

Como foi visto anteriormente os alimentos permitidos ou proibidos dependem da subcategoria da dieta vegetariana seguida.

A ovolactovegetariana a mais flexível e, por oposição, a vegan é a mais limitante.

Nas dietas vegan, para além da exclusão óbvia de carne, pescado, ovos (e seus derivados) e laticínios, outros produtos menos óbvios também não fazem parte de alimentos permitidos. São eles: o mel, a gelatina (exceto a de origem vegetal), banha, ovas, insetos, moluscos, crustáceos e todos os produtos que os contenham.

Para além disso, alguns produtos processados (como bolachas, por exemplo) podem conter ingredientes de origem animal como a albumina, caseína e alguns corantes. Assim, também nestes casos, alguns produtos processados poderão ser aptos para uma dieta ovolactovegetariana e não para a vegana.

Vale ainda sublinhar que um vegano, quando comparado a um vegetariano estrito, também exclui do seu dia a dia todos os produtos (não alimentares) de origem animal (incluindo, vestuário, assessórios, produtos de higiene e maquilhagem que sejam testados em animais).

Segue-se uma lista dos alimentos que estão geralmente presentes num regime alimentar vegetariano:

  • Frutas
  • Hortícolas
  • Leguminosas (lentilhas, ervilhas, feijão, grão) e derivados de leguminosas (tofu)
  • Cereais e tubérculos
  • Frutos gordos e sementes (incluindo as pastas)
  • Gorduras (azeite, óleos e cremes vegetais)
  • Laticínios ou alternativas vegetais (dependendo do padrão seguido)
  • Ovos (em dietas ovolactovegetarianas e ovovegetarianas)

Cuidados a ter numa dieta vegetariana

De maneira geral, a dieta vegetariana, desde que bem concretizada, é perfeitamente apropriada a qualquer fase da vida incluindo a gravidez, a infância ou até mesmo a adolescência (2).

Contudo, o acompanhamento de um nutricionista é indispensável quando se tenciona fazer uma transição para uma dieta vegetariana. Falamos de seguida de algumas considerações nutricionais que devem ser tidas em conta aquando da adoção de um padrão alimentar vegetariano:

1

Proteína

As proteínas vegetais apresentam uma menor digestibilidade e um menor conteúdo em aminoácidos essenciais relativamente às proteínas animais (3).

Apesar destes dados, as proteínas de origem vegetal podem preencher todas as recomendações quando é ingerida uma variedade de alimentos.

A evidência indica que se uma variedade de alimentos de origem vegetal for consumida durante o decurso do dia, poderá fornecer todos os aminoácidos essenciais em adultos saudáveis, sendo que a complementaridade proteica não precisa de ser feita em todas as refeições (4, 5)

O que é a complementaridade proteica?

O exemplo mais comum dado é a combinação do arroz com o feijão: a lisina que está deficiente no arroz está em excesso no feijão e os aminoácidos sulfurados que estão em défice no feijão estão em excesso no arroz. Assim, quando se juntam, complementam-se. Este princípio pode ser aplicado a todas as restantes fontes proteicas vegetais!

Por todos os motivos mencionados acima, existe uma evidência crescente de que as recomendações proteicas devam ser adequadas para indivíduos vegetarianos.

Crê-se que nestes indivíduos deva haver um acréscimo de um grama de proteína por quilograma de peso corporal (1,0g/kg) face às recomendações base.

Neste parâmetro é ainda muito importante referir que os lactentes e crianças têm, relativamente aos adultos, maiores exigências relativamente a aminoácidos nutricionalmente essenciais e a alguns aminoácidos condicionalmente essenciais (6).

2

Ácidos gordos da série n-3

Os ácidos gordos polinsaturados incluem os ómega-3 e os ómega-6 e são necessários para o bom funcionamento fisiológico, estando envolvidos numa diversidade de funções.

Estes são ácidos gordos essenciais porque o ser humano não consegue sintetizá-los, dependendo da sua ingestão. O organismo consegue converter o ácido alfa-linolénico (ALA) em ácido eicosapentaeníco (EPA).

E, apesar da ingestão de ALA em vegetarianos e veganos ser semelhante à verificada em não vegetarianos, a ingestão de EPA e DHA parece estar comprometida em vegetarianos e praticamente ausente em veganos (1).

Existem, contudo, algumas formas de maximizar o aporte de ómega-3 em vegetarianos e veganos. Os alimentos fortificados são uma opção, mas ainda muito escassos em Portugal.

As algas e microalgas são fontes de EPA e DHA. As sementes de linhaça, chia e cânhamo são excelentes fontes de ALA pelo que também deverão ser incluídas numa alimentação vegetariana.

Em vegetarianos com necessidades aumentadas, (gravidez e lactação), ou com uma capacidade de conversão reduzida (hipertensão ou diabetes), a suplementação é recomendada (7).

3

Micronutrientes: ferro, zinco, cálcio, iodo e vitamina B12.

Ferro

Relativamente ao ferro, os vegetarianos apresentam uma ingestão semelhante à dos não vegetarianos.

No entanto, apresentam reservas de ferro mais baixas, mas ainda assim dentro dos níveis considerados normais (2, 8). Por este motivo, a suplementação de ferro só é recomendada mediante o estado nutricional de ferro que deve ser individualmente avaliado.

Para maximizar a absorção de ferro os vegetarianos devem acompanhar o consumo das fontes de ferro com alimentos ricos em vitamina C. Devem também usar técnicas que permitam reduzir o conteúdo em ácido fítico- que está presente em leguminosas, cereais, psdeudocereais como o amaranto ou a quinoa e em sementes.

Uma vez que os fitatos impedem a absorção de ferro é importante reduzi-los. Por exemplo, as leguminosas devem ser demolhadas e fervidas. Os alimentos fortificados também podem ser uma opção.

Zinco

A ingestão de zinco em vegetarianos é geralmente inferior à dos não-vegetarianos. Tal como acontece para o ferro, também os níveis plasmáticos de zinco são mais baixos mas dentro dos parâmetros normais.

Uma vez que a absorção de zinco também pode ser afetada pelos fitatos presentes em alimentos amplamente consumidos pelos vegetarianos, deve-se recomendar uma ingestão de zinco superior às recomendações para tentar compensar (2).

Cálcio

No que toca ao cálcio, os ovolactovegetarianos parecem ter uma ingestão próxima aquela que se verifica em indivíduos que não seguem um padrão vegetariano. P

or sua vez, os vegetarianos estritos e veganos tendem a ingerir menos cálcio e, frequentemente, abaixo das doses recomendadas.

Como fator agravante à baixa ingestão, os fitatos, oxalatos e a própria fibra podem reduzir a absorção de cálcio. Por este motivo, o consumo de bebidas vegetais fortificadas pode ser vantajoso.

Iodo

O conteúdo de iodo nas plantas é variável, mas baixo de forma geral. Efetivamente, existe um risco acrescido de défice em iodo em vegetarianos. Por esta razão, a inclusão de algas ou sal iodado pode ser recomendada.

Durante a preconceção, gravidez e amamentação, este mineral é especialmente importante, dado o seu papel fulcral no desenvolvimento do feto. A suplementação em iodo pode ser uma opção, especialmente nestas fases tão importantes.

Vitamina B12

A vitamina B12 (cobalamina) é uma vitamina essencial para a síntese de ADN e para a manutenção da integridade da mielina presente nas células nervosas.

De facto, os produtos de origem vegetal raramente contêm esta vitamina, motivo pelo qual deve ser das maiores preocupações nutricionais quando se adere a um padrão vegetariano.

A forma ativa desta vitamina só se encontra em alimentos de origem animal ou fortificados: o padrão ovolactovegetariano poderá fornecê-la através os ovos e lacticínios mas, ainda assim, em quantidades potencialmente insuficientes. Os vegetarianos estritos e vegan não têm qualquer fonte de vitamina B12 e por este motivo, só através de alimentos fortificados ou suplementos é possível assegurar o seu aporte.

Assim, seja qual for o regime vegetariano seguido, a cobalamina deve ser suplementada desde o momento da adoção dos mesmos. Uma vez que nem sempre é fácil adquirir alimentos fortificados ou calcular as concentrações ingeridas, os suplementos podem ser uma alternativa mais cómoda.

O suplemento pode ser tomado diariamente ou três vezes por semana dependendo da dose e da preferência do indivÍduo. Como é claro, deverá ser prescrito pelo seu médico e acompanhado pelo seu nutricionista.

Sublinha-se ainda que as consequências de uma deficiência prolongada em vitamina B12 são irreversíveis e que a sua suplementação não só as previne como ainda mantém as reservas corporais da mesma em níveis normais (1).

Dieta vegetariana vs. Dieta mediterrânica

A dieta mediterrânica é possivelmente a mais estudada. Já vários artigos comprovaram os benefícios da adoção deste padrão alimentar (9).

Entre os benefícios já estabelecidos, destacam-se a diminuição da incidência e mortalidade por cancro bem como a diminuição do aparecimento de doenças neurodegenerativas e ainda a diminuição do desenvolvimento de diabetes tipo 2, do número de AVCs e enfartes do miocárdio.

Este padrão alimentar baseia-se no consumo elevado de alimentos de origem vegetal (frutas, vegetais, leguminosas, cereais, frutos oleaginosos), produtos pouco processados e, de preferência, locais e sazonais.

O peixe é consumido frequentemente e, por oposição, o consumo de carnes vermelhas e processadas é raro.

Os lacticínios podem ser moderadamente consumidos. Por fim, a utilização do azeite é provavelmente a sua característica mais conhecida.

Por ser mais flexível e inclusiva, a dieta mediterrânica é mais facilmente seguida. Dependendo da motivação, a adesão a um padrão alimentar mediterrânico poderá ser maior quando comparado a um padrão alimentar vegetariano.

No entanto, em última análise, são ambas opções que poderão ser adotadas em qualquer fase da vida.

De um ponto de vista nutricional, a dieta vegetariana poderá correr um risco acrescido de carências nutricionais, mas como foi referido, se existir um acompanhamento nutricional adequado, não haverá qualquer problema.

Conclusão

As dietas vegetarianas, que se popularizaram nos últimos anos, são excelentes opções desde que bem concretizadas.

Sublinha-se, mais uma vez, o papel fundamental do nutricionista em momentos de transição entre dietas e em fases importantes como a gravidez ou infância.

Fontes

  1. Silva SC, Pinho JP, Borges C et al. (2015) Linhas de orientação para uma alimentação vegetariana saudável. Disponível em: https://nutrimento.pt/manuais-pnpas/linhas-de-orientacao-para-uma-alimentacao-vegetariana-saudavel/
  2. Melina V, Craig W, Levin S (2016) Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics 116, 1970-1980. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27886704/
  3. van Vliet S, Burd Nicholas, van Loon (2015) The skeletal muscle anabolic response to plant-versus animal-based protein consumption.  145, 1981-1991. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26224750/
  4. Craig WJ, Mangels Ann Reed (2009) Position of the American Dietetic Association: vegetarian diets.  109, 1266-1282. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19562864/
  5. Young VR, Pellett Peter (1994) Plant proteins in relation to human protein and amino acid nutrition.  59, 1203S-1212S. Disponível: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8172124/
  6. Marsh Kate, Munn Elizabeth, Baines SKJMJA (2013) Protein and vegetarian diets.  199, S7-S10. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25369930/
  7. Craddock J, Neale E, Probst Y et al. (2017) Algal supplementation of vegetarian eating patterns improves plasma and serum docosahexaenoic acid concentrations and omega‐3 indices: a systematic literature review.  30, 693-699. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28417511/
  8. Haider LM, Schwingshackl L, Hoffmann G et al. (2018) The effect of vegetarian diets on iron status in adults: A systematic review and meta-analysis.  58, 1359-1374. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27880062/
  9. Dinu M, Pagliai G, Casini A et al. (2018) Mediterranean diet and multiple health outcomes: an umbrella review of meta-analyses of observational studies and randomised trials. European journal of clinical nutrition 72, 30-43. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28488692/
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