A terapia dietética com recurso à dieta cetogénica na epilepsia está bem estabelecida quando os tratamentos farmacológicos usados para crianças e adultos com epilepsia refratária não funcionam. Esta terapêutica é usada desde 1921 e tem-se mostrado altamente eficaz na diminuição das convulsões, principalmente em crianças com epilepsia de difícil controlo (1).
Dieta cetogénica na epilepsia
A dieta cetogénica é uma dieta que tem como finalidade o aumento da produção de corpos cetónicos assim como a otimização da sua utilização, induzindo uma condição metabólica designada de “cetose fisiológica” (aumento dos corpos cetónicos no sangue), distinta de uma cetose patológica grave (cetoacidose) encontrada frequentemente na diabetes não controlada (5, 6).
Os corpos cetónicos são derivados do metabolismo dos ácidos gordos e são produzidos essencialmente em períodos de jejum, em dietas com restrição de hidratos de carbono, e em algumas situações patológicas como a diabetes.
Esta dieta é caracterizada pelo seu baixo teor de hidratos de carbono (10% do valor energético diário ou 10g a 20g por dia) (4), e pelo seu elevado valor de gordura, sendo o valor proteico adequado e ajustado às necessidades. No caso de crianças, o teor proteico deverá ser suficiente para não comprometer o crescimento e o desenvolvimento adequado do indivíduo (1).
Esta dieta faz com que o cérebro passe a usar os corpos cetónicos como fonte de energia, em detrimento da glicose.
O mecanismo de ação exato ainda não é conhecido, existindo várias hipóteses sobre o efeito dos corpos cetónicos na redução das crises epiléticas. As revisões científicas apontam como mecanismos potenciais do efeito dos corpos cetónicos na produção de neurotransmissores, no metabolismo energético do cérebro, no stress oxidativo e nos canais iónicos (1, 4).
Alimentos característicos
Os alimentos característicos deste tipo de dietas podem variar consoante a variante da mesma. No entanto, existe uma tendência para a não utilização de alimentos processados e para a utilização dos seguintes alimentos:
- Frutos oleaginosos (nozes, cajus, amêndoas, avelãs)
- Sementes
- Peixe, carne e ovos
- Vegetais folhosos
- Gorduras derivadas do abacate, coco e azeitonas
O consumo de água deverá ser uma prioridade para diminuição dos efeitos colaterais da adesão a esta dieta.
Carência de micronutrientes
A dieta cetogénica apresenta deficiência em micronutrientes, assim como alguns antiepiléticos apresentam interação com vitaminas e minerais, como por exemplo com a absorção de ácido fólico e o metabolismo do cálcio e da vitamina D.
Devido a estes dois fatores, é necessário realizar suplementação vitamínica e mineral adequada às necessidades da fase do ciclo de vida que o indivíduo se encontre e às carências demonstradas (7, 8).
Implementação da dieta cetogénica na epilepsia
A forma mais clássica de iniciar a dieta cetogénica na epilepsia é em ambiente hospitalar com jejum de 12 a 48 horas, ou quando surgir cetonas no doseamento urinário, para impedir a hipoglicemia e a desidratação. Após o desenvolvimento de cetose, as refeições oferecidas progressivamente são calculadas de forma a garantir a manutenção da cetose (9).
Durante o internamento são realizados exames laboratoriais, como a dosagem dos níveis séricos dos fármacos, dosagem da glicemia e cetonúria (presença de corpos cetónicos na urina (9).
Dieta cetogénica na epilepsia: Efeitos adversos
A dieta cetogénica é uma estratégia segura no tratamento de várias doenças, no entanto foram descritos alguns efeitos adversos:
- Disfunções gastrointestinais (10)
- Dor de cabeça, desidratação e fadiga muscular
- Possibilidade de ocorrência de dislipidemia (7, 11)
- Alterações no crescimento em crianças e jovens (7, 12)
- Litíase renal (“pedras nos rins”) em idade pediátrica (7, 13)
- Desnutrição e perda de peso, nomeadamente em idosos com doenças neurodegenerativas (14)
Epilepsia
A epilepsia é uma doença cerebral crónica caracterizada por convulsões recorrentes, com episódios curtos de movimentos involuntários que podem afetar uma parte ou todo o corpo, podendo ser acompanhados por perda de consciência e controle da função urinária ou do intestino (1).
O diagnóstico desta doença é feito quando ocorrem duas ou mais crises, podendo ser idiopática, quando a causa não é identificada, ou sintomática, quando é secundária a outro problema como tumores cerebrais, acidente vascular cerebral (AVC), infeção cerebral, anomalias congênitas cerebrais, algumas síndromes genéticas ou danos cerebrais resultantes do estado pré-natal ou perinatal (2).
O tratamento da epilepsia, de forma a controlar as convulsões, pode passar pelo uso de fármacos antiepiléticos, cirurgia ou com a implementação da dieta cetogénica (1).
Cerca de 30% dos indivíduos não respondem ao tratamento farmacológico para a diminuição da ocorrência de convulsões, sendo a dieta cetogénica na epilepsia uma forma de controlar a patologia (3), melhorando a qualidade de vida dos doentes e dos seus cuidadores (1, 4).
Nota final
Nos últimos anos, variantes da dieta citogénica foram desenvolvidas para tornar a terapia mais fácil e saborosa, reduzindo os efeitos colaterais e tornando-os disponíveis para um grupo maior de pacientes com epilepsia refratária (1, 4).
A escolha da dieta deve ser feita individualmente, considerando a idade do paciente, as circunstâncias familiares, e a gravidade e o tipo de epilepsia.
A implementação desta dieta deverá ser avaliada e monitorizada por uma equipa multidisciplinar de forma rigorosa de modo a atingir a cetose, cumprir as restrições e diminuir os efeitos colaterais.