O conceito da dieta Atlântica surgiu há uns anos, fruto de uma parceria entre o Instituto Politécnico de Viana do Castelo, a Universidade de Santiago de Compostela, a Fundação Espanhola de Nutrição e a Associação Galega para o estudo da dieta Atlântica.
O objetivo da parceria era o de tornar esta dieta numa referência mundial no que diz respeito a prática alimentar saudável.
Como resultado desta associação entre os pesquisadores das diferentes associações foi fundado em 2003, em Portugal, o Centro Europeu para a dieta Atlântica. Subsequentemente foi criada a “Fundação da dieta Atlântica” em 2007, na Galiza.
Caraterísticas da dieta Atlântica
As tentativas para estabelecer as características desta dieta datam do ano 2000 e no seu primeiro estudo, os autores escolheram países que fossem representativos de 3 regiões da Europa, com diferentes climas, ambientes geográficos e estilos de vida (1):
- Região do Atlântico: Portugal, Espanha, França, Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca, Noruega e Islândia
- Países do Mediterrâneo: Itália e Grécia
- Europa Central: Alemanha, República Checa, Polónia, Áustria e Suíça
Esta dieta é considerada pelos pesquisadores como o padrão alimentar tradicional de Portugal e da Galiza. Após pesquisa e compilação de informação histórica e antropológica acerca das caraterísticas nutricionais dos padrões alimentares seguidos no Noroeste e regiões do Mediterrâneo espanhol, os pesquisadores dos 2 países puderam estabelecer comparações que permitem defender a dieta Atlântica como uma alternativa saudável ao padrão ocidental.
De acordo com um livro publicado pela Universidade de Santiago de Compostela, as principais características nutricionais associadas à dieta tradicional Atlântica praticada na Galiza são:
- Elevada ingestão de alimentos sazonais, locais, frescos e minimamente processados.
- Elevada ingestão de vegetais, frutas, batata, cereais e pão, castanha, frutas oleaginosas, leguminosas e mel.
- Utilização de azeite para temperar e banha de porco para cozinhar.
- Elevado consume de peixe, moluscos e crustáceos.
- Consumo moderado de queijo e leite.
- Consumo moderado de carne (vaca e porco).
- Consumo moderado de ovos.
- Consumo moderado de vinho às refeições.
- Consumo de molhos com um perfil de gorduras saudável.
- Consumo moderado de açúcares simples e sobremesas à base de cereais, fruta desidratada e ovos.
- Elevada ingestão de água mineral.
- Consumo preferencial de cozidos, estufados, grelhados e assados com pouca gordura.
Os autores defendem que estes alimentos irão não só assegurar um bom aporte de fibra alimentar e hidratos de carbono complexos mas também ácidos gordos essenciais polinsaturados como o ómega-3.
Para além disso, o consumo de vitaminas e minerais deverá ser o suficiente para atingir as doses diárias recomendadas de ingestão. Por fim, o consumo de compostos alimentares bioativos (antioxidantes, polifenóis, carotenoides entre outros), presentes maioritariamente nas frutas e vegetais, deverá ser o adequado para promover as ações biológicas propostas associadas a cada um deles.
Embora bastante semelhante à dieta Mediterrânica, principalmente devido ao incentivo ao consumo de hortofrutícolas, azeite e frutas oleaginosas, a dieta Altântica diverge ligeiramente ao promover o consumo de mais pescado, tubérculos e caldos com carne, e o consumo moderado de carnes magras (1).
Estas particularidades são, no entanto, condenadas pelas entidades que representam a dieta Mediterrânica, que descrevem a dieta Altântica como “um conceito completamente artificial” e uma tentativa de “cunhar uma nova marca” devido à popularização da dieta supracitada (2).
Dieta Atlântica e saúde
O termo “dieta” refere-se ao padrão de ingestão de alimentos, sólidos ou líquidos, de uma pessoa. Este padrão pode ser influenciado por vários fatores, incluindo capacidade financeira, cultura, localização geográfica e estilo de vida.
Uma dieta equilibrada contém alimentos de todos os grupos alimentares e deve ser capaz de fornecer ao organismo todos os nutrientes necessários para o correto funcionamento e, no caso das crianças, crescimento e desenvolvimento.
Com isto em mente, são cada vez mais os dados epidemiológicos e experimentais que mostram a relação entre a ingestão excessiva ou deficitária de determinado nutriente e o outcome dessa prática para a saúde geral.
Um exemplo disso é a relação entre a alimentação e a doença cardiovascular. A redução do risco cardiovascular através da modulação alimentar é, neste momento, uma das áreas de maior interesse e estudo no seio da comunidade científica. Dados epidemiológicos e experimentais revelam sistematicamente que o consumo de ómega-3 pode ter um papel significativo na prevenção de doença das coronárias.
Apoiados nestes dados e sabendo de antemão que a dieta Atlântica é rica não só em ómega-3, mas também vitaminas do complexo B e minerais, os investigadores que desenvolveram o conceito da dieta Atlântica propuseram que esta dieta pode ter um valor preventivo não só nas doenças cardiovasculares mas também em certas doenças metabólicas – como a diabetes – e alguns tipos de cancro.
O que dizem os estudos?
Embora pareçam animadores, os dados apresentados pelos investigadores que desenvolveram o conceito de dieta Atlântica não são mais do que relatos de ingestão de nutrientes ou compostos bioativos sob a forma de suplementos ou no contexto de um padrão alimentar equilibrado, como é o caso da dieta Mediterrânica.
No caso da última, o seu possível efeito benéfico no controlo de doenças como diabetes, obesidade, doença cardiovascular, doença de Alzheimer, doenças autoimunes e cancros do trato gastrointestinal está já documentado e compilado (3–9).
Enquanto isso, os benefícios da dieta Atlântica parecem “ir à boleia” dos estudos realizados com o padrão mediterrânico, havendo apenas um punhado de trabalhos que a analisa (10, 11, 12).
Num estudo de caso controlo – no qual são analisadas as diferenças entre pessoas doentes e saudáveis que seguem ou não determinado padrão alimentar – verificou-se que adesão à dieta Atlântica estava associada a menor probabilidade de enfarte agudo do miocárdio não fatal (10).
Um outro estudo realizado em Espanha entre 2008 e 2010 analisou o consumo de certos componentes da dieta Atlântica – peixe fresco, bacalhau, carne vermelha e de porco, produtos lácteos, leguminosas, vegetais, sopa, batatas, pão integral e vinho – e concluiu que esta está associada a uma menor concentração de marcadores inflamatórios, triglicerídeos e insulina (11).
À luz da evidência atual, o conceito de dieta Atlântica parece estar tão fundamentado como o da dieta Mediterrânica, mas como uma diferença importante: os anos e os dados gerados da pesquisa da última são bastante superiores aos da primeira. Queremos dizer com isto que, embora o conceito seja interessante em papel, é necessário definir ainda se a dieta Atlântica é tão saudável como a Mediterrânica, quando consumida como parte de um estilo de vida saudável.
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