Nutricionista Hugo Canelas
Nutricionista Hugo Canelas
13 Fev, 2020 - 10:24

Diarreia e alimentação: indicações nutricionais para melhorar o trânsito intestinal

Nutricionista Hugo Canelas

A diarreia é um sintoma de alguns problemas de saúde. Resulta na diminuição da consistência das fezes, aumento do volume e do número de evacuações.

Diarreia e alimentação: indicações nutricionais para melhorar o trânsito intestinal

A diarreia grave e crónica é acompanhada de desidratação e perda de sais e eletrólitos essenciais às funções vitais. Assim, torna-se fundamental adequar a alimentação aquando de um quadro de diarreia e fazer um tratamento nutricional adequado.

Quando acompanhada de doenças infeciosas, imunodeficiência ou doença inflamatória, a diarreia pode ser um dos pilares de desnutrição que pode ser moderada ou severa de acordo com a extensão das perdas.

Em casos mais graves, como nas doenças infeciosas, a perda de ferro pode conduzir a anemia; noutros, em que há insuficiência pancreática ou hepática, pode conduzir a distúrbios do metabolismo ósseo (1).

Por outro lado, as carências nutricionais, por si só, causam alterações da mucosa intestinal, com diminuição da altura das vilosidades e distúrbios na absorção de nutrientes e expressão de enzimas, contribuindo ainda mais para a má absorção (1).

Diarreia: o que é?

A diarreia é caracterizada pela evacuação frequente de fezes líquidas, geralmente superiores a 300 mL, acompanhadas por uma perda excessiva de líquidos e eletrólitos, especialmente sódio e potássio (1).

A diarreia, enquanto sintoma de outras doenças, pode ocorrer por várias razões, nomeadamente:

  • Quando há trânsito acelerado do conteúdo intestinal pelo intestino delgado
  • Quando há diminuição da digestão enzimática dos nutrientes
  • Quando há diminuição da absorção de líquidos e nutrientes
  • Quando há aumento da secreção de fluidos para o trato gastrointestinal (TGI)
  • Quando existem perdas exsudativas, como nos casos de lesão ou inflamação do intestino (1)

Uma vez que a diarreia é um sintoma e não uma doença em si, o primeiro passo no tratamento, quer nutricional quer médico, é a correta identificação da causa subjacente a este problema.

Certas bactérias (por exemplo, Campylobacter) e parasitas (como Cryptosporidium) podem estimular as secreções. Outras substâncias que causam a secreção de água e sais incluem determinados laxantes, como o óleo de rícino e os ácidos biliares (que podem se acumular no cólon após cirurgia de remoção de parte do intestino delgado). Certos tumores raros como, por exemplo, o carcinoide, o gastrinoma e o vipoma também podem causar diarreia secretória, assim como alguns pólipos.

Diarreia e alimentação: tratamento nutricional

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Todas as intervenções nutricionais relacionadas à diarreia devem ser analisadas dentro do contexto da doença subjacente, uma vez que a diarreia é quase sempre um sintoma e não a doença em si.

1. Reposição de líquidos e eletrólitos

Este deverá ser o primeiro passo a tomar na gestão deste sintoma. Através do uso de soluções comerciais de reidratação oral, sopas e caldos, sumos de frutas e vegetais sem fibras e bebidas isotónicas.

Estão desaconselhadas, no entanto, a toma de bebidas desportivas devido ao seu alto teor em açúcares simples que podem agravar o quadro de diarreia (3).

2. Dieta BRAT

Algumas dietas têm vindo a ser recomendadas para o controlo deste sintoma, como é o caso da dieta BRAT (“banana, rice, apple, toast”), composta por bananas, arroz, maçãs e tostas. No entanto, para além de serem claramente pobres em nutrientes, não há evidência científica que sejam úteis durante a diarreia aguda (3).

3. Açúcares simples

Os polióis (álcoois de açúcar), a lactose, a frutose e grandes quantidades de sacarose podem piorar as diarreias osmóticas. Uma vez que a atividade das enzimas responsáveis pela quebra dos açúcares e os mecanismos de transporte diminuem durante as doenças intestinais inflamatórias e infeciosas. Assim, a restrição de açúcares pode ser necessária, especialmente em crianças e doentes críticos (5).

5. Dieta pobre em fibra e resíduos

As recomendações vão para uma dieta pobre em fibra e resíduos, com o objetivo de limitar grandes quantidades de hidratos de carbono que possam ser mal digeridos ou mal absorvidos, e que por essa razão, estimulam a secreção de fluidos (1).

O metabolismo das fibras e amido resistente pelas bactérias do cólon conduz à produção de compostos sulfurosos (com enxofre) que, em quantidades fisiológicas, servem de substrato para as células dessa parte do intestino, facilitando a absorção de líquidos e sais, tendo um impacto positivo na regularização da motilidade intestinal (4).

Por fim, a fibra tende a atrasar o esvaziamento gástrico, desacelerando o trânsito gastrointestinal, já que atrai água para o lúmen intestinal.

Fornecer fibra aos pacientes com diarreia aumenta o volume das fezes mas, em alguns casos, pode ter efeitos negativos como estimular o crescimento bacteriano do intestino delgado, aumentar a formação de gases e potenciar a distensão abdominal (1).

6. Prébióticos, probióticos e fibras solúveis

A ingestão moderada de componentes prébióticos e fibras solúveis, como a pectina, diminuem o trânsito intestinal. Os produtos que combinam microrganismos vivos (os probióticos) com uma fonte de fibras prebióticas, têm sido descritos como simbióticos devido aos seus efeitos sinérgicos.

No entanto, não há estudos controlados que tenham investigado a eficácia dos probióticos isoladamente em comparação com os simbióticos.

São necessários estudos controlados para compreender quais estirpes de probióticos devem ser suplementadas, bem como o tipo e a quantidade de fibras prébióticas.

Embora a segurança do uso de muitas estirpes de probióticos em humanos saudáveis esteja já bem documentada, existe uma escassez de dados em relação ao uso de grandes doses de suplementos concentrados de probióticos, especialmente de estirpes específicas que apresentam maior resistência ao ácido gástrico ou que tenham maior capacidade de proliferar no trato gastrointestinal (1,8).

Diarreia e alimentação: o que comer e beber

As recomendações alimentares em caso de diarreia passam pela prescrição de os hidratos complexos (como cereais e pão), sumos coados de fruta bem como carnes e peixes com baixos teores de gordura. Numa fase seguinte, podem ser introduzidos os legumes e as hortaliças e, por fim, as gorduras de adição.

De forma mais simples, para o tratamento caseiro da diarreia, são recomendados os seguintes alimentos:

1. Água, chás e sumos de fruta naturais coados sem adição de açúcar

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Os fluídos perdidos na evacuação podem ser substituídos pela ingestão de mais fluídos. É fundamental beber-se líquidos pelo menos na mesma proporção de água perdida nas fezes.

O ideal é que as bebidas sejam claras (sumos de fruta de maçã, pera, uva, etc) para que se possa despistar qualquer tipo de problema mais sério nas fezes (sangue, por exemplo).

2. Arroz branco

É um alimento ricos em fibras solúveis o que ajuda a tornar as fezes mais consistentes.

3. Batatas (sem pele)

14 alimentos ricos em potássio

Por terem potássio na constituição, vão ajudar a aumentar o nível deste mineral no sangue, uma vez que a diarreia é um dos principais motivos de deficiência de potássio.

4. Sopas e caldos

Ajudam a aumentar o nível de sódio, que também sofre uma alteração aquando da perda de fluidos típicos da diarreia.

5. Peixes e carnes magras

Diarreia e alimentação: comer carnes magras

São ótimas fontes de proteína de alto valor biológico, com pouca gordura (especialmente quando bem preparadas) que ajudam a melhorar os sintomas.

Devem ser preparados apenas com um pouco de sal e os métodos preferíveis são cozidos ou grelhados. Alguns exemplos são o peru e frango sem peles, a pescada e o carapau.

6. Iogurtes naturais sem açúcar

São alimentos sem gordura, relativamente ricos em proteína e próbióticos das estirpes Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus, para além de conterem quantidades reduzidas de resíduo, sem açúcares simples.

Da mesma forma, em caso de diarreia deverá evitar os seguintes alimentos:

  • Alimentos com muitas fibras, como cereais integrais, vegetais de folhas verdes e frutas com casca
  • Alimentos de difícil digestão como fritos, leite e derivados, chocolates e bolos
  • Alimentos que provocam gases e desconforto abdominal, como leguminosas e alguns vegetais
  • Bebidas alcoólicas, bebidas com cafeína e refrigerantes

Conclusão

Na maioria das vezes, a diarreia é causada por um agente tóxico ou bacteriano, sendo resolvida numa questão de dias, se esse agente for retirado da dieta. Assim, uma alimentação adequada em caso de diarreia é fundamental e deverá incluir a ingestão de fluidos para repor as perdas tanto de líquidos como de eletrólitos, bem como uma dieta relativamente pobre em fibra e sem resíduos.

Tenha consciência dos sintomas da desidratação (boca seca, sonolência e cansaço, sede e diminuição na produção de urina entre outros), especialmente em bebés e crianças pequenas que não têm capacidade de comunicar.

Se por algum acaso a diarreia persistir e for acompanhada de perda de peso, consulte o seu médico assistente ou gastroenterologista para despistar qualquer doença inflamatória ou infeciosa, bem como o seu nutricionista, de forma a obter um plano alimentar que se adeque ao seu estado atual.

Fontes

1. Mahan, L.K., et al. (2017). Krause’s Food and Nutrition Care Process. 14th Edition. St Louis, Missouri.
2. O’Keefe, S.J.D. (2010). Tube feeding, the microbiota, and Clostridium difficile infection. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20066732
3. Shapiro, S.D. et al. (2010). Rehydration and refeeding after diarrheal illness. Say no to sports drinks and BRAT. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21291142
4. Binder, H.J. (2010). Role of colonic short-chain fatty acid transport in diarrhea. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20148677
5. Robayo-Torres, C.C. et al. (2006). Disaccharide digestion: clinical and molecular aspects. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16527688
6. Whelan, K. et al. (2010). Safety of probiotics in patients receiving nutritional support: a systematic review of case reports, randomized controlled trials, and nonrandomized trials. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20089732
7. Besselink, M.G.H. et al. (2008). Probiotic prophylaxis in predicted severe acute pancreatitis: a randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18279948
8. Quigley, E. M. M. (2018). Prebiotics and Probiotics in Digestive Health. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30267869

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