A função do intestino corresponde à absorção de água e nutrientes, sendo que o tipo e/ou qualidade dessa absorção vai alterar a frequência e a consistência das fezes.
O padrão intestinal varia de indivíduo para indivíduo. Para algumas pessoas o normal pode ser três dejeções por dia, enquanto que para outras pessoas pode variar de duas a três dejeções por semana. As fezes devem ser sólidas, mas moldadas o suficiente para não oferecer resistência no momento da evacuação.
Cerca de 60% a 90% das fezes são água e a diarreia ocorre quando não é removida água suficiente das fezes, fazendo com que estas fiquem pouco consistentes e malformadas. Mas vamos esclarecer o assunto por partes.
O que é diarreia?
Segundo a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, diarreia é definida pelo aumento do número de dejeções e/ou diminuição da consistência das fezes (fezes líquidas e/ou pastosas) (1).
Pode estar também combinada com dor abdominal tipo cólica, distensão abdominal, náuseas e/ou vómitos, falta de apetite e sensação de urgência em defecar.
Quais são os tipos de diarreia?
A história clínica e o exame físico são essenciais na avaliação e definição do tipo de diarreia presente. É importante que o médico despiste também a relação entre a diarreia e o stress, a alimentação e a altura do dia em que ocorre, bem como se existem outros sintomas associados como perda de peso, distensão/dor abdominal ou flatulência.
A incontinência fecal pode ser confundida com diarreia, pelo que deve ser realizado um diagnóstico diferencial.
A duração da diarreia permite definir a sua tipologia. Se a diarreia persistir por um período inferior a duas semanas é classificada como aguda, se o período de tempo ultrapassar as quatro semanas é classificada como crónica.
1. Diarreia aguda
A diarreia aguda é a situação mais frequente e, normalmente, é causada por infeções gastrointestinais, com duração breve e que desaparece espontaneamente ou com tratamento fácil.
É necessário perceber qual o padrão intestinal habitual, avaliar as características das fezes, a sua consistência e a presença de sangue, pus ou muco. É também importante determinar se foi feita uma viagem recente ou se a dieta alimentar foi alterada; se houve contacto com pessoas doentes ou se foi tomada medicação que pudesse alterar o padrão intestinal habitual.
A avaliação inicial é importante para determinar a gravidade da diarreia e permitir a exclusão de patologias cuja manifestação possa incluir diarreia.
2. Diarreia crónica
A diarreia crónica, segundo a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, tem que persistir num período superior de 3 a 4 semanas e pode ser classificada em três tipos: inflamatória, esteatorreia e osmótica (1).
Diarreia inflamatória: quando há presença de sangue ou pus nas fezes, com a presença de dor abdominal ou febre. Pode ser confirmada com análises fecais (presença de leucócitos ou proteínas) ou com a observação direta de inflamação da mucosa por endoscopia e histologia compatíveis.
Diarreia esteatorreia: apresenta-se com fezes oleosas, que flutuam e normalmente com mau odor. Há perda de peso associada. É confirmada com análises fecais e diário alimentar, avaliando a quantidade de gordura presente na dieta. Ocorre em pacientes com má digestão de gordura e/ou disfunção pancreática ou biliar.
Diarreia osmótica: resulta na retenção de água no intestino, para manter o equilíbrio osmótico com o plasma. É essencialmente pós-prandial e melhora após a evacuação. Estão incluídos os indivíduos que ingerem laxantes e possuem disfunções enzimáticas.
O que causa a diarreia?
A diarreia pode estar relacionada com inúmeros fatores, sendo as causas mais frequentes as infeções causadas por vírus e bactérias, por alergias alimentares, distúrbios intestinais ou por uso prolongado de medicamentos.
Possíveis causas da diarreia crónica
Quando a diarreia ocorre por um tempo superior a 4 semanas, a causa mais provável é o intestino irritável (colite). É uma doença funcional, uma vez que não se identifica nenhuma alteração intestinal em exames diagnósticos complementares.
No entanto, existem outros fatores, apesar de menos frequentes, que estão associados ao aparecimento da diarreia, sendo eles:
- Doenças intestinais (doença de Crohn, colite ulcerosa, cancro do intestino e, mais raramente, terapêutica prévia com radiações)
- Deficiência na absorção de nutrientes (doença inflamatória do pâncreas ou doença celíaca)
- Alterações hormonais
- Uso de alguns medicamentos (antibióticos, antiácidos, alguns laxantes que contenham na sua composição determinadas substâncias, por exemplo magnésio)
Possíveis causas da diarreia aguda
Se a diarreia persistir por um período inferior a duas semanas, as causas mais prováveis são:
- Síndrome do intestino irritável, habitualmente associado a ansiedade
- Intoxicação alimentar, causada pela ingestão de alimentos/ água contaminada
- Gastroenterite aguda, causada por vírus
- Intolerância alimentar
- Uso de antibióticos
- Ingestão de álcool em excesso
Em algumas situações, caso os sintomas desapareçam espontaneamente e de forma rápida, não é possível identificar a causa da diarreia, o que não justifica exames de diagnóstico complementares.
Viagens ao estrageiro podem causar episódios de diarreia a certos indivíduos, denominando-se nesta situação como diarreia do viajante, onde geralmente são causados pela ingestão de água ou alimentos contaminados.
Quando consultar um médico?
Quando a diarreia desaparece de forma espontânea, sem a presença de outros sintomas, não se trata de um problema grave. No entanto, se persistir, deve contactar o médico caso seja combinado com os seguintes sinais (2):
- Presença de dor aguda abdominal ou no ânus
- Presença de febre alta
Presença de sangue ou muco nas fezes - Presença de sintomas de desidratação (boca, pele e mucosas secas, diminuição do volume da micção, apatia, letargia, tonturas, vertigens)
- Persistência de náuseas e vómitos
Como tratar a diarreia?
O tratamento da diarreia está intimamente relacionado com as suas causas, por esse motivo, o tratamento é individualizado. No entanto, independentemente das causas é importante garantir que os fluidos e eletrólitos sejam repostos. Por isso a pessoa com diarreia deve:
- Aumentar o aporte de líquidos (água e chá) de forma a compensar as perdas intestinais e evitar desidratação
- Aumentar a ingestão de banana, de forma a compensar as perdas de potássio
- Realizar dieta alimentar, pobre em gorduras e de forma a evitar leite e derivados, alimentos com muita fibra e doces
- Redobrar os cuidados de higiene em casos de diarreia infeciosa de forma a evitar transmitir a outras pessoas (lavagem das mãos)
- Realizar toma de medicação, prescrita pelo médico
Exames mais comuns
Na presença de diarreia, o médico inicia o exame com a avaliação física. É realizado um exame completo ao abdómen e avaliado o estado de hidratação do indivíduo.
A necessidade da realização de exames diagnóstico complementares, depende da avaliação médica, do histórico do paciente e do exame físico (3).
Na diarreia aguda, quando o período é inferior a 3 a 4 semanas, na ausência de sinais de alerta e quando o indivíduo, aparentemente se encontra bem, sem alterações hemodinâmicas, não há a necessidade da realização de exames invasivos.
Indivíduos com sinais de alerta de desidratação, sangue nas fezes, febre ou dor abdominal grave geralmente são submetidos a exames de diagnósticos complementares, especialmente se são muito jovens ou idosos. Nessas pessoas, o médico realiza exames ao sangue, para detetar alterações no sangue e nos eletrólitos e as fezes, para detetar presença de sangue, leucócitos e de organismos infeciosos ou presença de enzimas.
Em caso de a diarreia persistir num período de tempo superior a 4 semanas, o médico, para além da realização do exame físico, exame ao sangue e às fezes, pode também ser solicitada a colonoscopia, podendo ser necessário realizar biopsia durante o exame, rectosigmoidoscopia, a sigmoidoscopia, a TAC e a ecografia abdominal para esclarecimento das causas, bem como realização do diagnóstico.
1. Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Disponível em: https://www.spg.pt/publico/gastrenterologia-saiba-mais/
2. Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (2009). “Guia pratico de saúde”. Disponível em: http://www.labtondela.com/Guia_Pratico_de_Saude.pdf
3. Norton J. Greenberger, MD, Brigham and Women’s Hospital. “Manual MSD versão para profissionais de saúde”. Disponível em:
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-gastrointestinais/sintomas-dosdist%C3%BArbios-gi/diarreia