A diabetes é uma doença metabólica crónica que se caracteriza por estados de hiperglicemia (níveis elevados de açúcar no sangue) constantes, os quais resultam de uma deficiência na produção / secreção de insulina (hormona que atua na regulação da glicemia), de uma alteração na sua ação ou de ambas. Isto resulta num metabolismo anormal dos macronutrientes ingeridos através da alimentação (1).
A prevalência da diabetes tipo 2
Considerando o envelhecimento da população entre os 20 e os 79 anos, estima-se que em 2015 a prevalência da diabetes no território nacional tenha sido de 13,3%, sendo que cerca de 44% da população portuguesa ainda não estará diagnosticada. Estima-se que a diabetes afete mais de 1 milhão de portugueses enquanto a pré-diabetes afetará cerca de 2 milhões (2).
Outros estudos apontam para prevalências inferiores mas não menos preocupantes (3). Relativamente às crianças, a taxa de prevalência é mais baixa que na dos adultos situando-se Portugal nos 0,9/1000 em 2015 sendo a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 1,2/1000 (4).
Embora em Portugal a mortalidade por esta causa tenha vindo a diminuir, a diabetes tem um contributo significativo nas causas de morte, sendo correntemente responsável por mais de 4% das mortes das mulheres e mais de 3% das mortes nos homens. Ou seja, atualmente por ano morrem cerca de 2.200-2.500 mulheres e cerca de 1.600-1.900 homens por diabetes (5).
Esta doença pode provocar complicações crónicas em vários orgãos do organismo nomeadamente no pé, no rim e no olho (complicações microvasculares) assim como causar complicações macrovasculares, que podem conduzir ao enfarte agudo do miocárdio (EAM) e ao acidente vascular cerebral (AVC) (5).
Quais são os fatores de risco da diabetes tipo 2?
A diabetes tipo 2 corresponde a mais de 90% de todos os casos diagnosticados de diabetes. A hiperglicemia desenvolve-se gradualmente, não sendo grave o suficiente, na fase inicial, para se perceber qualquer um dos sintomas clássicos da doença.
De entre os fatores de risco para diabetes tipo 2 estão:
- Fatores genéticos e ambientais, incluindo história familiar de diabetes;
- Idade;
- Obesidade – especialmente obesidade visceral;
- Sedentarismo;
- História de diabetes gestacional;
- Pré-diabetes;
- Etnia.
A adiposidade e a obesidade crónica são fatores de risco muito fortes para a diabetes tipo 2 e mesmo pequenas reduções no peso corporal podem significar a normalização da glicemia em indivíduos com pré-diabetes.
Apesar disso, diabetes tipo 2 pode ser diagnosticada em pessoas não obesas, levando a crer que o excesso ponderal em associação com uma maior predisposição genética pode ser a base da etiologia desta doença.
Outros casos como alcoolismo, doenças no pâncreas e outras doenças endócrinas, hipertensão e alguns medicamentos e substâncias tóxicas que possam interferir com a produção ou ação da insulina, podem estar na génese desta doença (12).
Sintomas da diabetes tipo 2
Quando a glicemia está fora dos valores de referência, o organismo não consegue transformar o açúcar em energia, logo, vai sentir-se mais cansado e sem forças. Há sete sintomas a que deve estar atento, nomeadamente:
- Cansaço;
- Comichão no corpo (especialmente nos órgãos genitais);
- Dormência nos pés;
- Feridas que não cicatrizam com facilidade;
- Fome constante e difícil de saciar;
- Infeções frequentes (bexiga, rins, pele, etc.);
- Sede constante e intensa;
- Sensação de boca seca;
- Visão turva;
- Urinar muitas vezes e em grande quantidade (12).
Terapêutica Nutricional na diabetes
A terapêutica nutricional (TN) é parte fundamental do tratamento e do cuidado na diabetes.
A integração da TN ao tratamento medicamentoso desta doença requer um esforço coordenado da equipa, que deve incluir um nutricionista credenciado, que é quem possui o conhecimento e a habilidade para implementação dos princípios e recomendações mais atuais.
A TN requer uma abordagem individualizada e educação nutricional para um autocontrole nutricional. O acompanhamento dos níveis de glicemia, A1C e lipídios sanguíneos, pressão arterial, peso e aspetos da qualidade de vida é essencial para a avaliação do sucesso das intervenções.
Necessidades nutricionais e diabetes
Embora vários estudos tenham sido conduzidos no sentido de identificar as proporções de macronutrientes ótimas para o tratamento nutricional (TN) da diabetes, uma revisão sistemática (6) concluiu que esta mistura deve ser individualizada a cada caso particular.
Observou-se que os diabéticos apresentam um padrão alimentar muito próximo da restante população, com cerca de 45% das calorias diárias provenientes dos hidratos de carbono, 36-40% das gorduras e 16 a 18% das proteínas (7).
Independentemente do rácio de macronutrientes, a ingestão energética total deve ser a adequada para manter um peso apropriado, sendo a individualização da composição da dieta dependente das metas metabólicas (glicemia, perfil lipídico, etc.), grau de atividade física, disponibilidade de alimentos e preferências alimentares.
As principais metas da TN na diabetes são (7) promover hábitos alimentares saudáveis, dando ênfase a alimentos com densidade nutricional equilibrada, nas porções adequadas de forma a promover melhorias na saúde como:
- Melhorias da hemoglobina glicosilada (Hb A1C), tensão arterial e perfil lipídico. Estes parâmetros variam de acordo com a idade, duração da doença e história clínica do doente;
- Atingir/manter um peso adequado;
- Atrasar o aparecimento das complicações da diabetes;
- Abordar as necessidades nutricionais tendo em consideração as preferências individuais e culturais, grau de literacia, capacidade de acesso a escolhas alimentares mais saudáveis assim como a capacidade para realizar as mudanças comportamentais preconizadas pelo profissional de saúde;
- Manter o prazer na alimentação diária através de mensagem positivas acerca do conceito de alimentação saudável para a doença, limitando o acesso a determinados alimentos apenas quando há evidência científica para tal;
- Fornecer ferramentas de planeamento de refeições que sejam práticas para o dia-a-dia (7).
Hidratos de carbono e diabetes
Os hidratos de carbono são nutrientes primariamente energéticos, influenciando diretamente a glicemia após as refeições.
Os alimentos contêm hidratos de carbono com diferentes proporções de açúcares, amidos e fibras apresentando, por isso, diferentes efeitos na resposta glicémica.
A escolha dos alimentos ricos em hidratos de carbono deve cair sobre aqueles com maior quantidade de fibra alimentar, vitaminas e minerais e ao mesmo tempo pobres em açúcares, gordura e sódio (8).
A quantidade de hidratos de carbono necessários para otimização da saúde em humanos é incerta devido às proporções utilizadas para o valor energético calculado. O que se sabe é que valores inferiores a 45%, de uma forma crónica, aumentam o risco de mortalidade da mesma forma que valores superiores a 70% (9).
As RDA (Recomended Dietary Allowance) estipulam um mínimo de 130 g/dia para adultos saudáveis com base nas necessidades dos tecidos glicodependentes (como o cérebro e o miocárdio). No entanto, esta demanda energética pode ser atingida através dos processos metabólicos normais como a glicogenólise, a gliconeogénese (através de proteínas e gorduras) e a cetogénese (quando no contexto de uma dieta muito pobre em hidratos de carbono) (10).
Ingestão de fibras e diabetes
A ingestão regular de fibra alimentar está associada à diminuição da mortalidade por todas as causas em diabéticos (7). Desta forma, estes doentes devem consumir, pelo menos, as quantidades recomendadas pela DGA 2015-2020 (Dietary Guidelines for Americans), ou seja, um mínimo de 14 g por cada 1000 Kcal ingeridas (11) ou, de acordo com as recomendações da ADA (American Diabetes Association), 25 a 38 g de fibra por dia (12).
Alimentos ricos em fibra incluem os cereais pouco processados, vegetais não amiláceos, frutas e leguminosas por exemplo. Não se recomendam ingestões acima de 50 g de fibra por dia, uma vez que da sua fermentação excessiva podem resultar sintomas como inchaço abdominal, flatulência e diarreia (12).
Índice glicémico (IG), carga glicémica (CG) e diabetes
O IG e a CG são utilizados para “classificar” os alimentos de acordo com o seu impacto na glicemia, e podem apresentar interesse terapêutico no TN da diabetes, uma vez que representam uma previsão aproximada do pico de resposta e o máximo de flutuação da glicose plasmática (13).
No entanto, duas revisões sistemáticas não relataram qualquer efeito do IG ou da CG nos níveis de A1C de diabéticos e pré-diabéticos, apresentando ainda resultados discordantes em relação à glicemia em jejum (8, 13).
Ingestão proteica e diabetes
A quantidade de estudos existentes que avalia a ingestão proteica em diabéticos sem doença renal é limitada. Um estudo de 12 semanas que compara a ingestão de 30% e 15% de proteína reportou melhorias no peso corporal, glicose plasmática e sensibilidade à insulina no grupo com maior consumo proteico (15).
Uma meta-análise reporta que ingestões proteicas superiores (25-32% vs 15-20%) resultaram em maiores perdas de peso (- 2kg) e melhorias na A1C (-0.5%) mas sem alterações estatisticamente significativas dos níveis de glicose em jejum, lípidos plasmáticos e pressão arterial (16). Outros autores não encontraram diferenças significativas entre maior ou menor ingestão de proteínas e outcome metabólico em doentes diabéticos (7).
Ingestão de gorduras, colesterol e diabetes
A National Academy of Medicine (NAM) define que a ingestão de gorduras para adultos deve rondar os 25-30% do valor energético total (7). No entanto, no caso da diabetes, alguns padrões nos quais há substituição dos alimentos ricos em hidratos de carbono por alimentos ricos em gorduras, verificou-se melhorias na glicemia e alguns marcadores de risco cardiovascular (CV) como o colesterol HDL e triglicerídeos.
O tipo ou qualidade das gorduras alimentares influencia diretamente o outcome da DCV, independentemente da quantidade de gordura total do plano pelo que alimentos ricos em gorduras trans (batatas fritas de pacote, bolachas, bolos e chocolates, por exemplo) devem ser evitados a todo o custo.
As gorduras trans naturalmente ocorrentes (presentes nas carnes vermelhas e laticínios) não necessitam de ser eliminadas uma vez que estão presentes em baixas quantidades (17). Embora a relação entre o consumo de alimentos ricos em colesterol e o risco CV seja ainda controversa, à luz das pesquisas mais recentes, a ingestão de 300 mg adicionais de colesterol alimentar por dia está significativamente associada ao aumento do risco de incidência de DCV e mortalidade por todas as causas (18).
Estes resultados colocam em causa as conclusões da DGA, ou seja, de que não há evidência científica suficiente para limitar o consumo deste composto por pessoas saudáveis. São necessários estudos em diabéticos de forma a avaliar a relação entre o colesterol alimentar e o risco de CDV.
Por outro lado, está descrito que consumo de gorduras polinsaturadas está associada à diminuição do risco de diabetes tipo 2 (7). Um ensaio clínico revela que a suplementação diária de 1800 mg/dia de ácido eicosapentanóico (EPA) melhorou os níveis de triglicerídeos, glicemia, secreção de insulina e função endotelial em diabéticos com doença coronária (19).
Um estudo de intervenção designado PREDIMED (PREvencíon com DIeta MEDiterránea) concluiu que a suplementação do padrão mediterrâneo com azeite virgem extra ou frutas oleaginosas – fontes de gordura mono e polinsaturada – resultou numa diminuição da incidência de diabetes tipo 2 em indivíduos com risco CV aumentado (20).
A diabetes tipo 2 é uma doença que, apesar de não ter cura, deve ser controlada e monitorizada de forma apertada como forma de evitar complicações macro e microvasculares. Para além de ser um importante farto na economia portuguesa, o mau controlo pode originar cegueira e amputações, limitando a qualidade de vida dos doentes.
Consulte o seu médico e/ou nutricionista de forma a saber qual a melhor forma de controlar os seus níveis de açúcar no sangue sem comprometer a qualidade nutricional da dieta.