Share the post "Desperdício alimentar: qual o real impacto e como reduzi-lo"
Quando se fala em ter um estilo de vida mais sustentável e amigo do ambiente há sempre alguma relutância. Há a ideia (errada) que tudo isto envolve mudanças drásticas no modo como as pessoas vivem. Mas e se lhe disserem que algo tão simples como reduzir o desperdício alimentar pode fazer a diferença? Saiba tudo.
Os números do desperdício alimentar
Estima-se que, em todo o mundo, cerca de um terço de toda a produção alimentar seja desperdiçada. Em Portugal, não há dados oficiais sobre o desperdício, mas tudo aponta para o mesmo padrão: desperdiçamos demasiada comida em perfeito estado.
Mais do que uma questão ambiental também se torna, cada vez mais, uma questão de segurança e disponibilidade alimentar para os que mais necessitam – e, claro, de poupança.
O que é o desperdício alimentar?
O desperdício alimentar é muito mais do que deitar comida ao lixo. O desperdício de alimentos é a diminuição na quantidade ou qualidade dos alimentos que resulta de decisões e ações de todos os intervenientes da cadeia.
Na verdade, considerando toda a linha de produção, desde o campo até ao prato, existem diversas vias pelas quais um alimento pode ser desperdiçado.
O desperdício alimentar começa na colheita/abate, continua no armazenamento, no processamento e no transporte, chega até às superfícies comerciais e prossegue na casa do consumidor.
De facto, nesta longa história, ainda que o possa parecer, o papel do consumidor não se passa só no último capítulo. As atitudes enquanto consumidores têm o poder de influenciar toda a cadeia alimentar e a capacidade de diminuir o desperdício alimentar.
Porque reduzir o desperdício alimentar?
Numa altura de crise, em que a segurança alimentar de muito está em causa, há mais questões a destacar quando o assunto é reduzir o desperdício de alimentos.
De um ponto de vista ambiental, é geralmente assumido que reduzindo o desperdício alimentar também se reduz automaticamente a quantidade de alimentos que precisam de ser produzidos, processados e transportados.
Assim, como consequência, menos recursos naturais seriam usados e menos emissões de gases com efeito de estufa seriam produzidos.
Isto é completamente verdade, mas existem outras relações e possíveis efeitos secundários que devem ser cuidadosamente analisados.
Por exemplo, se uma redução nas perdas de alimentos resultar em custos de produção mais baixos, os produtores produzirão mais com a mesma quantidade de recursos o que seria excelente.
No entanto, se os custos de produção mais baixos se traduzirem em preços mais baixos para os consumidores, isso pode resultar num aumento da demanda e incentivar práticas de desperdício.
Quais as causas do desperdício alimentar?
Dependendo da etapa que estamos a falar, existem diferentes causas (naturalmente, a razão pela qual se desperdiça comida nas casas dos consumidores não será a mesma para o desperdício durante as colheitas).
Onde, quando e porque podem então ser desperdiçados alimentos?
Na colheita
Uma programação errada da colheita, danos nos alimentos causados quer pelos trabalhadores que os colhem quer pelas máquinas, podem ser alguns dos motivos pelos quais os alimentos são desperdiçados nesta fase.
Para além disso, indiretamente, os níveis de qualidade alimentar apertados ou quedas nos preços podem levar a que muitos alimentos nunca cheguem a ser colhidos.
Durante o armazenamento ou transporte
Durante estas fases, as causas mais comuns são:
- a falta de condições de armazenamento (sem controlo de temperatura ou humidade) que pode potencializar a degradação de alguns géneros alimentícios;
- o armazenamento prolongado por falta de transporte disponível;
- a falta de transporte adequado como camiões refrigerados e ventilados;
- por fim, questões logísticas como a falta de cuidado com produtos frágeis durante o transporte.
Ao nível do retalho
A eliminação de alimentos com má aparência (feios, deformados) e o excesso de stock são as razões pelas quais a quantidade ou qualidade dos alimentos pode diminuir originando desperdício.
Consumidor (incluindo domicílios e serviços de restaruração)
A confusão entre datas de validade e datas de consumo aconselhado, as más condições de armazenamento nas casas/restaurantes, a falta de gestão dos produtos armazenados e as porções excessivas de alimentos são as principais vias pelas quais o consumidor desperdiça os alimentos.
Esta última fase representa apenas 22% do desperdício total de alimentos, no entanto, é a que corresponde à maior pegada de carbono do desperdício alimentar.
Isto acontece porque ao longo da cadeia de abastecimento a pegada de carbono do alimento e, consequentemente, a pegada do seu desperdício vai aumentando, uma vez que acumula as várias etapas como a colheita e o transporte.
Assim, entende-se que em fases mais tardias da cadeia o gasto de recursos e a quantidade de emissões de gases com efeito de estufa será superior devido a este efeito cumulativo.
É importante que se percebam as causas para que sejam tomadas medidas adequadas em cada setor.
Existem ainda outras razões que podem justificar algumas perdas alimentares como marketing fraco ou a não adesão do consumidor ao produto (seja pela embalagem pouco apelativa ou pelas preferências de sabores).
O que pode fazer enquanto consumidor?
De facto, será muito difícil alterar aquilo que são as práticas nas primeiras fases da cadeia alimentar pelo que a ação do consumidor fica reduzida aos seus hábitos e práticas comuns.
Seguem-se algumas dicas que poderá adotar para reduzir o desperdício de alimentos:
Peça porções mais pequenas
Esta dica nada tem a ver com questões nutricionais. Muitas vezes, nos restaurantes ou cafés, são servidas porções extremamente grandes e que muitas vezes acabam por ficar no prato. Se conseguir, peça porções mais pequenas ou, então, leve as sobras para outras refeições.
Guarde as sobras das refeições
Em casa, ou fora, guarde as sobras das refeições que possam ser consumidas nas próximas refeições. Reinvente e experimente na cozinha!
Faça uma lista antes de ir ao supermercado
Saber o que comprar e aquilo que é realmente essencial é um passo na direção certa. Ao fazer uma lista daquilo que está em falta, não comprará alimentos desnecessários.
Isto é particularmente importante em produtos com prazos de validade reduzidos como os frescos.
Evite comprar grandes quantidades de fruta e vegetais frescos. Estes podem-se estragar rapidamente, por isso é importante ver o que tem e não repor em grandes quantidades
Compre fruta e vegetais “feios” ou fora dos cachos
Aquela cenoura mais torta ou aquela maçã menos brilhante são opções cheias de sabor e nutrientes. Ao escolher estes alimentos “mais feios” está a evitar que estes vão para o lixo.
No entanto, convém referir que esta poderá ser uma atitude difícil de pôr em prática, uma vez que as grandes superfícies comerciais já fazem uma pré-seleção das frutas e vegetais com melhor aspeto. Uma das maneiras de contornar este problema é tentar comprar a produtores mais pequenos e locais.
Faça visitas regulares ao seu frigorífico e dispensa
Ver os produtos alimentares que estão próximos dos prazos de validade ou aqueles que estão a começar a ficar em pior estado é essencial. Isto permite que saiba aquilo que deve consumir primeiro e evita que alimentos vão desnecessariamente para o lixo.
Aplicar a regra “os primeiros a chegar são também os primeiros a serem consumidos” pode ser muito útil principalmente para os frescos.
Saiba interpretar as datas de validade dos alimentos
Nem todas as datas significam o mesmo e distingui-las pode evitar que descarte alimentos em perfeito estado.
Se no produto estiver indicado “consumir até” isto quer dizer que o alimento deve ser consumido no máximo até à data indicada (comum nos iogurtes, carne fresca ou queijo fresco). Assim, não se deve consumir estes produtos após a data indicada pois podem representar um risco para a saúde.
Se a data estiver sob a forma de “consumir de preferência antes de” (geralmente com dia, mês e ano indicados) significa que é a data até à qual o alimento conserva as suas propriedades características.
Este tipo de datas é mais comum em alimentos como azeite ou bolachas e o consumo destes, após a data indicada, não representa um perigo para a saúde, desde que tenham sido respeitadas as regras de conservação indicadas no produto em questão.
Também o “consumir de preferência antes do fim de” (geralmente apenas identificada pelo mês/ano) é uma data indicativa e aplicada a produtos que, pelas suas características de conservação, têm uma durabilidade mais alargada (como os congelados e as conservas).
Novamente, também podem ser consumidos após esta data, mas desde que tenham sido conversados devidamente.
Dê uma nova vida aos alimentos
Se a fruta estiver demasiado madura para o seu gosto, tente fazer compotas ou geleias.
Se os vegetais estiverem a perder a vida dentro do frigorífico faça uma sopa cheia de nutrientes.
Há ainda a hipótese de doar os alimentos em excesso a instituições de caridade.
As alternativas são imensas. Estas são algumas das formas de reduzir o desperdício alimentar que não exigem alterações drásticas das rotinas ou hábitos, mas que podem representar um papel significativo na mudança de paradigma (4).
Mensagem final
É possível reduzir o desperdício alimentar alterando alguns comportamentos e atitudes simples do dia a dia. Apoiar a sustentabilidade não tem de ser uma tarefa penosa!
Como foi visto ao longo deste artigo, existem pequenos pormenores que não envolvem esforços significativos ou alterações drásticas dos hábitos alimentares e que podem fazer a diferença.
Artigo originalmente publicado em Dezembro de 2020. Atualizado em Novembro de 2022.