Nutricionista Hugo Canelas
Nutricionista Hugo Canelas
08 Jan, 2018 - 17:01

Terá a curcuma na saúde humana um papel sobrevalorizado?

Nutricionista Hugo Canelas

Talvez mais conhecida em Portugal como açafrão, esta especiaria tem vindo a despertar muito interesse no seio da comunidade científica.

Curcuma em raíz e em pó em cima de mesa

A fitoterapia tem ganho cada vez mais proeminência no tratamento de doenças. A curcuma ou açafrão (Curcuma longa L.) é um agente corante/especiaria que é usada na medicina tradicional há muitos séculos.

A curcumina é o agente bioativo mais importante de todos os curcuminoides presentes no açafrão, sendo responsável por mediar os benefícios nutricionais e farmacológicos da especiaria.

Como resultado da sua atividade farmacológica única, foram gerados mais de 9 mil estudos até à data, os quais revelam possíveis papéis da curcuma no tratamento de doenças como cancro, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes, doença de Alzheimer e artrite entre outras (1).

Mas serão esses benefícios transponíveis para humanos? Descubra abaixo.

CURCUMA: PROBLEMAS INERENTES QUE INVIABILIZAM O SEU USO TERAPÊUTICO GENERALIZADO

Taça com curcuma em pó

Independentemente dos resultados dos estudos, na verdade, a curcuma nativa apresenta uma grande instabilidade química e pobre farmacocinética, dois fatores que inviabilizam o seu uso terapêutico.

Em primeiro lugar, o teor de curcumina no açafrão é muito baixo, correspondendo a apenas 3% (2). Mesmo que esse teor fosse mais elevado, a taxa de absorção sanguínea é muito baixa e muito embora o consumo de pimenta preta aumente a absorção da curcumina em cerca de 2000%, a quantidade presente no açafrão continua a ser baixa demais para desempenhar um efeito tangível na saúde humana (3).

Isto significa que qualquer benefício para a saúde apenas seria conseguido com a suplementação de curcumina o que nos traz outro problema: a qualidade dos suplementos. Na verdade, quase todos os estudos usam suplementos de curcumina, com dosagens médias de 1000 mg, o que é complicado de conseguir no mercado.

Contratempos aparte, os investigadores têm focado as suas atenções na biodisponibilidade da curcumina, desenvolvendo formulações que permitam resolver este problema. No entanto, independentemente do sucesso obtido em estudos in vitro e em animais, estes esforços devem ser direcionados para a implementação de mais ensaios clínicos em humanos.

Embora a instabilidade metabólica da curcumina nativa seja um contratempo grave em termos de distribuição do composto no corpo humano, os efeitos demonstrados em modelos animais de um dos seus metabolitos, a tetrahidrocurcumina (THC), aumentaram a curiosidade dos investigadores e agora o desafio é outro: clarificar se a ação terapêutica da curcumina advém da sua forma pura ou dos seus produtos do metabolismo (4).

CURCUMA: POSSÍVEIS EFEITOS TERAPÊUTICOS

Suplementos de curcuma

Curcuma e inflamação

Os processos inflamatórios ajudam o organismo a combater agentes agressores e a promover a reparação dos danos causados. Como sabemos, embora a inflamação aguda seja benéfica, a crónica está na origem de grande parte das doenças que neste momento assolam a sociedade moderna (567).

Com efeito, a atividade anti-inflamatória parece ser um dos pontos fortes da curcumina, havendo estudos que inclusive referem que essa atividade é superior à de muitos medicamentos anti-inflamatórios, sem efeitos secundários indesejados (891011).

Curcuma e doença cardiovascular

A curcumina pode dar uma ajuda na reversão do processo que conduz às doenças cardiovasculares, com principal enfoque na melhoria da função do endotélio, a camada de tecido que reveste o interior dos vasos sanguíneos (12).

Alguns estudos em humanos sugerem que a curcumina seja tão eficaz como o exercício físico e como alguns medicamentos, como a atorvastatina, na melhoria da função endotelial e da função antioxidante (1314).

Outro estudo mostrou que a ingestão de 4000 mg de curcumina por dia diminuía em 65% o risco de enfarte após cirurgia de bypass às coronárias (15).

Salientamos, no entanto, que os estudos citados foram realizados num pequeno número de pessoas, com condições médicas específicas, sendo impossível concluir se o efeito na população geral e saudável é o mesmo.

Curcuma e cancro

Embora os modelos teóricos mostrem que a curcumina contribua para a destruição das células cancerígenas e metastização (16), o efeito deste composto no tratamento do cancro em humanos tem que ser mais estudado.

No entanto, há alguns dados relativamente ao cancro coloretal em que 4 g de curcumina por dia parecem ter reduzido em 40% o número de lesões cancerosas em 44 homens (17). No entanto, as doses usadas e tempo de intervenção estão longe demais da realidade para concluir que a curcumina tem um efeito protetor contra o surgimento de cancro.

Curcuma e artrite

A artrite é uma doença inflamatória debilitante que afeta as articulações. Neste sentido, o efeito anti-inflamatório da curcumina pode dar uma ajuda na redução dos sintomas da doença.

Um estudo realizado em pessoas com artrite reumatóide concluiu que 500 mg de curcumina eram mais eficazes que 50 mg de diclofenaco sódico no tratamento da doença. Outro estudo refere resultados semelhantes (18).

No entanto, dado ao desenho dos estudos, são necessários mais ensaios clínicos para confirmar este efeito numa amostra populacional mais significativa.

Curcuma e depressão

A depressão está ligada à redução de um fator neurotrófico e à hipotrofia do hipocampo, uma área do cérebro com papel na aprendizagem e memória. Estudos mostram que a curcumina aumenta os níveis do fator neurotrófico em modelos animais, mas são necessários ensaios clínicos que confirmem o mesmo efeito em humanos (19).

Porém, um estudo realizado em 60 pessoas com depressão concluiu que a toma associada de fluoxetina e curcumina (1 g/dia) durante 6 semanas levou à melhoria dos sintomas da doença (20).

CURCUMA: EFEITOS SECUNDÁRIOS

mulher no sofá com dores de barriga

Há registos de estudos que utilizam cerca de 8 g/dia de curcumina, por curtos espaços de tempo, sem qualquer efeito tóxico. No entanto, foram notados alguns efeitos secundários associados ao consumo excessivo desta especiaria.

Os mais comuns incluem reações alérgicas, dores de estômago, diarreia, obstipação, náuseas e vómitos (2122). Serão necessários mais estudos para determinar os possíveis efeitos adversos associados ao consumo a longo prazo de curcuma.

CONCLUSÃO

O papel da curcumina na saúde humana é alvo de estudo há vários anos. No entanto, devido às suas características químicas, este composto é pouco absorvido pelo homem, o que torna difícil avaliar o seu real efeito.

Embora os investigadores estejam já a estudar formas de aumentar a absorção da curcumina, à medida que a investigação evolui, surgem também novas perguntas. Na verdade, está ainda por definir qual a melhor formulação, qual a dose terapêutica e qual ou quais os componentes da curcuma que têm efeito na saúde humana.

O que sabemos no momento é que a curcumina tem um efeito anti-inflamatório, demonstrado em células e em modelos humanos, e que esse efeito pode ser bastante útil no combate a um grande espetro de doenças, incluindo artrite e doenças cardiovasculares.

Antes de iniciar a toma de qualquer suplemento, aconselhe-se com o seu médico assistente.

Fontes

  1. Olotu F, Agoni C, Soremekun O, Soliman MES. (2020). An Update on the Pharmacological Usage of Curcumin: Has it Failed in the Drug Discovery Pipeline? Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32504356/
  2. Tayyem RF, Heath DD, Al-Delaimy WK, Rock CL. (2006). Curcumin content of turmeric and curry powders. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17044766/
  3. Shoba G, Joy D, Joseph T, Majeed M, Rajendran R, Srinivas PS. (1998). Influence of piperine on the pharmacokinetics of curcumin in animals and human volunteers. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9619120/
  4. Majeed, M., et.al. (2019). Subchronic and Reproductive/Developmental Toxicity Studies of Tetrahydrocurcumin in Rats. Disponível em: http://www.toxicolres.org/journal/view.html?doi=10.5487/TR.2019.35.1.065
  5. Libby P. (2002). Inflammation in atherosclerosis. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12490960/
  6. Coussens LM, Werb Z. (2002). Inflammation and cancer. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12490959/
  7. Lumeng CN, Saltiel AR. (2011). Inflammatory links between obesity and metabolic disease. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21633179/
  8. Jurenka JS. (2009). Anti-inflammatory properties of curcumin, a major constituent of Curcuma longa: a review of preclinical and clinical research. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19594223/
  9. Lal B, Kapoor AK, Asthana OP, et al. (1999). Efficacy of curcumin in the management of chronic anterior uveitis. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10404539/
  10. Takada Y, Bhardwaj A, Potdar P, Aggarwal BB. (2004). Nonsteroidal anti-inflammatory agents differ in their ability to suppress NF-kappaB activation, inhibition of expression of cyclooxygenase-2 and cyclin D1, and abrogation of tumor cell proliferation. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15489888/
  11. Menon VP, Sudheer AR. (2007). Antioxidant and anti-inflammatory properties of curcumin. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17569207/
  12. Wongcharoen W, Phrommintikul A. (2009). The protective role of curcumin in cardiovascular diseases. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19233493/
  13. Akazawa N, Choi Y, Miyaki A, et al. (2012). Curcumin ingestion and exercise training improve vascular endothelial function in postmenopausal women. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23146777/
  14. Usharani P, Mateen AA, Naidu MU, Raju YS, Chandra N. (2008). Effect of NCB-02, atorvastatin and placebo on endothelial function, oxidative stress and inflammatory markers in patients with type 2 diabetes mellitus: a randomized, parallel-group, placebo-controlled, 8-week study. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18588355/
  15. Wongcharoen W, Jai-Aue S, Phrommintikul A, et al. (2012). Effects of curcuminoids on frequency of acute myocardial infarction after coronary artery bypass grafting. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22481014/
  16. Ravindran, J., et.al. Curcumin and Cancer Cells: How Many Ways Can Curry Kill Tumor Cells Selectively? (2009). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2758121/
  17. Carroll RE, Benya RV, Turgeon DK, et al. (2012). Phase IIa clinical trial of curcumin for the prevention of colorectal neoplasia. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21372035/
  18. Belcaro G, Cesarone MR, Dugall M, et al. (2010). Product-evaluation registry of Meriva®, a curcumin-phosphatidylcholine complex, for the complementary management of osteoarthritis. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20657536/
  19. Kulkarni, S.K., et.al (2009). Potentials of Curcumin as an Antidepressant. Disponível em: https://www.hindawi.com/journals/tswj/2009/624894/
  20. Sanmukhani J, Satodia V, Trivedi J, et al. (2014). Efficacy and safety of curcumin in major depressive disorder: a randomized controlled trial. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23832433/
  21. Lao CD, Ruffin MT 4th, Normolle D, et al. (2006). Dose escalation of a curcuminoid formulation. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16545122/
  22. Burgos-Morón E, Calderón-Montaño JM, Salvador J, Robles A, López-Lázaro M. (2010). The dark side of curcumin. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19830693/
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