Pais e cuidadores são as pessoas a quem as crianças recorrem para se sentirem em segurança. Contudo nem sempre assim é – basta observar o número crescente de casos de violência doméstica, aos quais as crianças são expostas.
Estes conflitos têm impacto negativo na criança que pode, em consequência, manifestar diferentes tipos de comportamento e ações. Nesse sentido, a Ordem dos Psicólogos (OP) alerta para a importância de a família ser sempre um lugar de respeito, segurança e proteção.
Alguns mitos e factos relacionados com a violência interparental
Para esclarecer sobre o tema, a OP reuniu uma série de questões para funcionar como guias/ orientações sobre a violência a que as crianças são expostas e de que forma isso as afeta.
Mito: os maus tratos infantis são necessariamente físicos.
Facto: o abuso físico é apenas uma das muitas formas de maus tratos. Por sua vez, a negligência, o abuso emocional e o testemunho de situações violentas podem ser muito prejudiciais e até mais difíceis de detetar.
Mito: as crianças não são afetadas pela violência interparental, desde que não presenciem o acontecimento violento.
Facto: enquanto observadoras cuidadosas do comportamento e reações dos pais, as crianças apercebem-se de problemas no ambiente familiar e são afetadas pelos menos.
Mito: quanto mais nova for a criança, menos será afetada pela exposição à violência interparental.
Facto: as crianças, independentemente da idade, são sempre profundamente afetadas, especialmente se os agentes de violência são membros da família. As crianças em idades precoces encontram-se especialmente vulneráveis. Segundo a OP, diversos estudos revelam que a violência interparental é mais prevalente em lares com crianças em idades mais precoces do que em lares com crianças e jovens de idades mais avançadas.
Mito: as crianças esquecem a violência que testemunham.
Facto: as crianças recordam eventos traumáticos e, mesmo que não recordem, as experiências traumáticas têm impacto no seu desenvolvimento.
Mito: a violência é um problema urbano.
Facto: a violência pode ocorrer em qualquer lugar, em áreas urbanas e rurais, e ocorre em taxas semelhantes entre todos os tipos de famílias, independentemente da região, nível educacional e socioeconómico ou pertença comunitária.
O impacto da violência interparental nas crianças
A violência entre um casal afeta e impacta, de forma profunda, as crianças que vivem nesse ambiente, a nível físico e psicológico, emocional e comportamental. E isto acontece mesmo que os pais acreditem que a criança nunca viu uma discussão, por exemplo.
Viver numa casa onde existe violência interparental é assustador para as crianças e gera-lhes sofrimento e mal-estar.
É certo que cada criança reage de forma diferente, porém quase sempre se registam dificuldades de um desenvolvimento saudável e na realização de ações no dia a dia.
Exemplos disso mesmo são problemas de internalização (ansiedade, depressão, medo) e de externalização (raiva, agressividade, fugas de casa), que se refletem em dificuldades de sociabilização, em estabelecer relações, em resolver problemas e ao nível do desenvolvimento de competências.
O guia da OP refere ainda que existe alguma evidência de que os rapazes tendem a identificar-se mais com os pais e as raparigas com as mães, dando relevo às abordagens sobre a transmissão intergeracional da violência.
Nesse sentido, os rapazes são descritos como mais disruptivos, agressivos para com pessoas e objetos, enquanto que as raparigas estão mais predispostas a exibir queixas somáticas e mais propensas ao isolamento e comportamentos de passividade e dependência.
Sinais de alerta a que deve prestar atenção
As situações de violência interparental afetam as crianças de todas as idades, ainda que as repercussões sejam diferentes de acordo com o escalão etário.
Crianças até aos 6 anos
Podem apresentar queixas físicas como, por exemplo, dor de barriga ou dor de cabeça, reações de medo, alterações do sono ou do comportamento alimentar. Poderá ainda verificar-se um regredir no desenvolvimento, como voltar a chuchar no dedo.
Além disso, as crianças podem acreditar que a violência se deve a algo que fizeram e sentirem-se culpadas por isso mesmo, pelo que se mostram mais irritáveis, com dificuldade em acalmar-se e mais dependentes do adulto.
Crianças entre os 6 e os 12 anos
Nestas idades, as crianças podem mostrar-se mais distraídas e menos interessadas nas aprendizagens escolares, revelando episódios de agitação e dificuldade em concentrarem-se ou até mesmo apatia e falta de energia.
Existe dificuldade de relação com outras crianças e uma baixa autoestima. Podem ainda mostrar-se tristes e aborrecidas, isolar-se, chorar ou falar sobre ideias e sentimentos assustadores, ou adotar comportamentos agressivos com os pares ou com adultos.
Jovens a partir dos 12 anos
Podem revelar constrangimento relativamente à situação familiar que vivem e existe a tendência de negar isso mesmo, sendo ainda visível dificuldades em comunicar e negociar com respeito. Assim, começam a aparecer os primeiros traços de comportamentos mais agressivos e de desobediência, recusando-se a cumprir regras.
Os jovens poderão ainda começar a passar mais tempo fora de casa e começar a consumir substâncias ilícitas ou adquirir outros comportamentos de risco.
É também comum manifestarem dificuldade em estabelecer relações saudáveis com os outros e correm maior risco de violência no namoro.
Por último, os níveis de ansiedade e ideação suicida são mais elevados, comparando com outros jovens do mesmo grupo etário que não sejam expostos a ambientes de violência familiar.
- Ordem dos Psicólogos: “Exposição das crianças à violência interparental”. Disponível em: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid19_doc_violencia_interparental.pdf