O ritmo acelerado do dia-a-dia, em que nem sempre sobra muito tempo para cozinhar, promove o recurso a soluções de conveniência, como alimentos / refeições congeladas, conservas e enlatados.
No entanto, é frequente a ideia de que este tipo de alimentos apresenta menor valor nutricional do que as suas versões frescas, perdendo alguns dos seus nutrientes (1). Mas, será mesmo assim?
CONSERVAS E ENLATADOS: O QUE SÃO?
As conservas e enlatados correspondem a um método de conservação de alimentos através da esterilização, destinado a prolongar a validade de alimentos, por norma, perecíveis, como é o caso do peixe, carne, legumes, fruta ou leguminosas.
Neste método, os alimentos são cozinhados e esterilizados, sendo, posteriormente, inseridos em latas também esterilizadas e hermeticamente fechadas, o que permite que a sua validade se estenda até 5 anos, em alguns casos.
O processo de obtenção destes produtos pode variar ligeiramente de acordo com o alimento a conservar, mas, de uma forma geral, existem três passos principais: processamento, selagem e aquecimento das latas.
- Processamento: os alimentos, de acordo com a sua tipologia e forma final de consumo, são descascados, fatiados, picados, descaroçados ou cozidos.
- Selagem: os alimentos processados são selados em latas hermeticamente fechadas.
- Aquecimento: as latas com os alimentos processados são aquecidas a elevadas temperaturas, de modo a eliminar possíveis bactérias patogénicas presentes e evitar a sua multiplicação (1).
VALOR NUTRICIONAL DOS ALIMENTOS ENLATADOS
Como referido inicialmente, existe o preconceito de que os alimentos enlatados perdem grande parte do seu valor nutricional, em particular vitaminas, minerais e fibras, devido ao processamento a que são expostos. No entanto, a evidência mostra que isso não é verdade.
Com efeito, a esterilização preserva a maioria dos nutrientes presentes na composição do alimento original. Proteínas (incluindo o seu valor biológico), hidratos de carbono e lípidos não são afetados pelo processo, assim como a maioria dos minerais e vitaminas lipossolúveis, como as vitaminas A, D, E e K (2).
Contrariamente, as vitaminas hidrossolúveis, como as vitaminas C e do complexo B, que são afetadas pelo calor, correspondem a nutrientes que podem ser danificados ou perdidos durante este processo.
Contudo, como estas vitaminas são sensíveis ao calor e à exposição ao ar, podem também perder-se durante os métodos normais de processamento, confeção e armazenamento dos alimentos frescos usados em casa (3).
Por outro lado, embora o processo de esterilização possa danificar algumas vitaminas, há outros nutrientes que podem aumentar a sua biodisponibilidade. É o caso do licopeno presente no tomate, um composto com propriedades antioxidantes, que quando submetido a elevadas temperaturas, torna-se mais biodisponível para absorção pelo organismo (4).
Adição de açúcar, sal e gordura
Por fim, importa ainda referir que muitas conservas e enlatados, em particular de peixe e de fruta, sofrem adição de gordura (azeite ou óleo) ou calda de açúcar, o que pode aumentar significativamente o valor energético face à sua versão fresca.
Além disso, muitos enlatados sofrem ainda a adição de sal, sendo uma fonte relevante deste composto. Por esse motivo, o seu consumo deve ser limitado caso sofra de hipertensão arterial ou doenças cardiovasculares (5).
Por esse motivo, torna-se relevante a leitura dos rótulos e da lista de ingredientes para a escolha de uma conserva interessante do ponto de vista nutricional, devendo a preferência recair por conservas e enlatados ao natural ou conservados em água, sem adição de açúcar e com baixo teor de sal (1).
VANTAGENS DAS CONSERVAS E ENLATADOS
Tendo em conta o que foi referido anteriormente, as conservas e enlatados constituem uma forma prática e conveniente de incluir alimentos de elevada densidade nutricional na sua alimentação, em particular quando as versões frescas não estão disponíveis ou não são seguras para consumo (6).
Além disso, são alimentos seguros do ponto de vista microbiológico, com elevada validade e que requerem um tempo de preparação muito reduzido, o que os torna alimentos práticos e muito versáteis para as refeições diárias.
A questão do bisfenol-A
O bisfenol-A é um composto químico tóxico presente, frequentemente, em embalagens de alimentos, incluindo latas (7).
Pelo facto de alguns estudos terem mostrado que este composto pode migrar do revestimento da lata para os alimentos, levantou-se a questões de os alimentos seriam alimentos seguros para a saúde.
Efetivamente, embora a evidência não seja totalmente consistente, alguns estudos em humanos vincularam o bisfenol-A a problemas de saúde como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e disfunção sexual masculina.
No entanto, perante um padrão ocasional de consumo, não parece ser perigoso para a saúde humana (não se atinge o limite de toxicidade).
Neste sentido, e para minimizar a sua exposição a este composto, não faça dos enlatados a forma preferencial de consumo alimentar e opte pelos enlatados com maior valor nutricional, nomeadamente o peixe e as leguminosas, em detrimento de fruta em calda, molhos ou salsichas (8).
CUIDADOS NA COMPRA E ARMAZENAMENTO
- Evite comprar conservas que estejam expostas ao sol ou armazenadas em locais húmidos.
- No momento da compra e antes de abrir, certifique-se que a lata não tem nenhum furo/abertura, não esta amolgada/furada e não tem manchas estranhas.
- Armazene as embalagens em local fresco e seco. A humidade pode corroer a embalagem e o calor altera as propriedades organoléticas (sabor, cheiro…) do produto.
- Se após abrir não consumir o conteúdo na totalidade, coloque o resto no frigorífico num recipiente durante não mais do que um dia.
EM SUMa
- As conservas e enlatados são alimentos com valor nutricional preservado, exceto para algumas vitaminas, como a vitamina C, que são sensíveis ao calor
- Apesar da conveniência, segurança microbiológica e valor nutricional das conservas e enlatados, o seu consumo nunca deve substituir totalmente o consumo de alimentos frescos
- No momento da escolha, leia os rótulos e opte por versões com baixo teor de sal e sem açúcar ou gordura adicionados. Caso não seja possível, escorra bem o seu líquido, por forma a reduzir estes aditivos.
- Kayla McDonell, 2019; “Canned Food: Good or Bad?”. https://www.healthline.com/nutrition/canned-food-good-or-bad
- E. J. Cameron et al, 1949. “Nutrient Retention During Canned Food Production”. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1528152/
- Joy C Rickman et al, 2007. “Nutritional comparison of fresh, frozen and canned fruits and vegetables. Part 1. Vitamins C and B and phenolic compounds”. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jsfa.2825
- Dewanto V et al, 2002. “Thermal processing enhances the nutritional value of tomatoes by increasing total antioxidant activity.” https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11982434
- Organização Mundial da Saúde, 2016. “Salt Reduction”. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/salt-reduction
- Comerford KB, 2015. “Frequent Canned Food Use is Positively Associated with Nutrient-Dense Food Group Consumption and Higher Nutrient Intakes in US Children and Adults.” https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26184294
- Lorber M et al, 2015. “Exposure assessment of adult intake of bisphenol A (BPA) with emphasis on canned food dietary exposures.” https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25645382
- Lang IA et al, 2008. “Association of urinary bisphenol A concentration with medical disorders and laboratory abnormalities in adults.” https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18799442