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Nos últimos meses as nossas vidas sofreram mudanças e transformações inimagináveis. Uma crise com tamanho impacto no mundo em geral, e nas nossas vidas em particular, tende a deixar as suas marcas no futuro da sociedade e na forma como cada um de nós vive. Agora que, aos poucos, se inicia o desconfinamento, importa saber como ultrapassar o medo de voltar a ver a família e amigos.
Desconfinamento: o regressar à rotina
Após um extenso período de confinamento, é pedido que regressemos, de forma gradual e faseada, a algumas das nossas rotinas habituais. O objetivo é que, com este desconfinamento progressivo, seja possível alcançar um equilíbrio entre o nível de exposição ao vírus e sua consequente transmissão, com o levantamento das restrições que permite melhorias sociais e económicas.
É natural que, na maioria das pessoas, predominem os sentimentos de incerteza e medo relativos à exposição ao vírus, bem como é comum que algumas pessoas tenham dificuldades na adaptação às novas rotinas, hábitos e comportamentos (distanciamento social; etiqueta respiratória; higienização das mãos e espaços; utilização de máscaras) (1).
Neste período de desconfinamento, as reações emocionais experienciadas podem ser várias e podem incluir:
- Emoções mistas, incluindo alívio após o confinamento
- Medo e preocupação com sua própria saúde e com a saúde de seus entes queridos e amigos
- Stress e ansiedade face à necessidade de monitorização da presença de sinais e sintomas da doença
- Tristeza, raiva ou frustração devido ao facto de amigos ou familiares não se sentirem ainda seguros para conviver, com receio de contrair a doença
- Medo e preocupação com a possibilidade de infetar amigos, familiares e/ou colegas de trabalho
- Culpa por não ser capaz de executar determinadas tarefas (domésticas; de trabalho; no cuidado dos filhos) como era habitual (2)
Como enfrentar o trauma psicológico?
Como vimos, parece certo que tão cedo não voltaremos totalmente às nossas rotinas e hábitos anteriores. O “novo normal” requer cuidados na proximidade física com colegas, amigos e familiares, e requer descobrir como ultrapassar o medo de voltar a ver a família e amigos.
Muitos de nós enfrentarão o desconfinamento de forma positiva e recuperaremos do trauma psicológico de ter vivido sob a incerteza, o isolamento, a insegurança financeira, a perda de emprego e, para alguns, o falecimento de amigos e familiares. No entanto, para outras pessoas, esta pandemia pode deixar sequelas psicológicas.
Até que exista uma vacina, ou tratamento eficaz, serão muitas as pessoas que se sentirão profundamente inseguras no processo de desconfinamento. Apesar de ser necessário recuperar alguma normalidade, até por questões de ordem económica, o regresso à vida em comunidade pode ser extremamente difícil.
O contacto e a interação social são fundamentais para a saúde psicológica e para recuperar deste período de isolamento difícil e desgastante. Viver o desconfinamento de forma solitária e isolada pode agravar o mal-estar psicológico, causando sintomas de luto, de depressão e de retraimento social, que se podem prolongar no tempo (3).
É, portanto, fundamental, descobrir como ultrapassar o medo de voltar a ver a família e amigos, ainda que com a adoção de novos hábitos e comportamentos fundamentais para nos protegermos a nós mesmos e protegermos aqueles de quem mais gostamos.
Como ultrapassar o medo de voltar a ver a família e amigos?
Apesar de parecer certo que o desconfinamento traz mais consequência positivas do que negativas a nível psicológico, muitas pessoas vão sentir-se mais ansiosas face à possibilidade de andar na rua, de utilizar elevadas medidas de proteção e perante a possibilidade de retomar o contacto presencial com família e amigos.
Não é possível prever quando é que esta crise de saúde pública vai terminar, nem quando será possível reaver as nossas vidas, tal como eram. O que podemos sim controlar é a forma como reagimos a esta pandemia e ao período de desconfinamento.
Eis algumas dicas que podem ajudar a dominar o medo e a enfrentar a situação atual, com calma e maior clareza:
Não baixar a guarda
As medidas de desconfinamento não são sinónimo de fim da pandemia, ou seja, enquanto houver risco de infeção pelo novo coronavírus, continuaremos a ter de manter cuidados especiais. Assim sendo, sempre que possível, devemos permanecer parte do nosso tempo em casa, praticar o distanciamento social, realizar e promover o teletrabalho.
Apesar de as interações sociais não poderem acontecer nos mesmos moldes que aconteciam no passado, aos poucos, têm vindo a ser retomadas, embora a sua pertinência divida os especialistas.
No contacto presencial com familiares e amigos devem ser respeitadas todas as medidas de precaução necessárias e cumpridas as regras de boas práticas (por exemplo, medidas de distanciamento físico e lavagem das mãos). Adotar e cumprir conscienciosamente estes novos hábitos vai ajudar a que, de forma gradual, nos sintamos menos inseguros e receosos.
Aceitar o medo e a incerteza
É importante reconhecer e identificar a presença do medo e dos sentimentos de ansiedade que a retoma do contacto presencial e da rotina possível podem causar.
Aceitar e reconhecer que estes sentimentos são naturais face às circunstâncias é o primeiro passo para aprender a lidar com eles de forma saudável.
Antecipar os aspetos positivos
Não há uma fórmula mágica que indique como ultrapassar o medo de voltar a ver família e amigos. Os receios e as hesitações são naturais, até porque o risco de infeção pelo novo coronavírus continua presente.
Antecipar os aspetos da retoma do contacto com aqueles de quem mais gostamos pode ser uma boa estratégia. Assim, quando a retoma desse contacto for segura e pertinente, antes de a iniciar, e como forma de combater o medo, há que antecipar os seus aspetos positivos (por exemplo, imaginar como vai ser bom rever aquela pessoa de quem tanto gostamos).
Sentir confiança
Para ultrapassar o medo é necessário ganhar confiança. A confiança é alcançada, nomeadamente, através do cumprimento de todas as medidas e ações de segurança possíveis.
Aceitar as diferentes perspetivas
Se para algumas pessoas a retoma do contacto presencial com familiares e amigos não inspira maiores medos, para outras pessoas não é bem assim. É necessário compreender e reconhecer que todos precisam de tempo para processar o período de isolamento e o regresso à “normalidade possível”.
É importante partilhar emoções, livre de julgamentos, e não esquecer que as interações através da internet e do telemóvel continuam a ser uma opção. Mais do que tudo, importa não viver este momento em solidão.
Planear em conjunto, de forma criativa
Famílias e amigos podem definir e planear em conjunto esta nova fase. Podem e devem definir quais as regras e boas práticas de convivência saudável a cumprir e pensar sobre formas criativas de conviver e expressar afetos, mantendo os comportamentos de proteção, de forma que todos se sintam seguros e capazes de cuidar uns dos outros (1).
- Ordem dos Psicólogos Portugueses. (2020). COVID-19 Desconfinamento – regressar a (algumas) rotinas habituais – recomendações para pais e professores. Disponível em: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_desconfinamento_pais.pdf
- Centers for Disease Control and Prevention. (2020). Coping with Stress. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/daily-life-coping/managing-stress-anxiety.html#quarantine
- Robinson, B. (2020). What Will It Be Like When the Lockdown Lifts? Disponível em: https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-right-mindset/202004/what-will-it-be-when-the-lockdown-lifts