A relação entre colite e alimentação da dieta é objeto de estudo há muitos anos. A colite ulcerosa, a par da doença de Crohn, constituem as duas principais formas de doença inflamatória intestinal (DII). Ambas são doenças relativamente raras, mas que resultam no recurso frequente aos cuidados de saúde.
A prevalência da doença inflamatória intestinal é maior nos países industrializados mas está a aumentar nos países em desenvolvimento, sugerindo uma ligação entre a dieta e a etiologia desta doença (1). Foram propostas duas teorias para explicar este crescimento a nível global:
- Hipótese higiénica: a exposição reduzida nos primeiros anos de vida a organismos entéricos pode resultar numa resposta imune anormal ao longo da vida (2).
- Hipótese da cadeia fria: a refrigeração prolongada dos alimentos afeta o conteúdo bacteriano dos alimentos, promovendo o crescimento de estirpes como a Listeria e a Yersinia, ambas identificadas em pessoas com doença inflamatória intestinal (3).
A doença de Crohn e a colite ulcerosa compartilham algumas características clínicas, incluindo diarreia, febre, perda de peso, anemia, intolerâncias alimentares, desnutrição, défice de crescimento e manifestações extraintestinais (artríticas, dermatológicas e hepáticas).
A principal forma de distinção entre as duas doenças é a gravidade da desnutrição e o grau de atingimento do intestino. Enquanto a doença de Crohn pode envolver qualquer parte do trato gastrointestinal (TGI), a colite ulcerosa está limitada ao cólon e reto, sendo um processo contínuo, limitado apenas à mucosa. No entanto, a hemorragia é mais comum na colite do que na doença de Crohn (1).
Colite e alimentação: dieta e o risco de doença inflamatória intestinal (DII)
A influencia da dieta enquanto fator de risco na doença inflamatória intestinal tem vindo a ser estudada, associando-se o risco aumentado ao consumo elevado de carne vermelha e gorduras animais (ricas em ómega 6) e risco baixo ao consumo de alimentos ricos em fibras, frutas e vegetais (1).
Colite e alimentação: gorduras
A relação causal entre a ingestão de gorduras e a incidência de doença inflamatória intestinal foi sugerida após a introdução das margarinas no início do século XVII (4). A ingestão de margarinas, ricas em ómega-6 foi associada ao aumento da incidência de colite ulcerosa em dois estudos (5, 6), mas não com a ingestão de carnes vermelhas e processadas (5).
O European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) associou o consumo de ácido linoleico (ómega-6 presente nas carnes vermelhas, margarinas e óleos de cozinha) ao risco aumentado de colite ulcerosa, enquanto o consumo de ómega-3 apresentava um efeito protetor (7).
De forma semelhante, um rácio superior de ómega-3: ómega-6 é um fator protetor para a colite ulcerosa no Nurse’s Health Study (NHS) (8). Uma vez que as dietas ocidentais são tipicamente mais ricas em ómega-6 do que em ómega-3 (principalmente devido à elevada ingestão de gorduras das carnes e baixa ingestão de peixe), o risco de incidência de doença inflamatória intestinal é maior.
Uma vez que os resultados das intervenções com suplementos de ómega-3 são mistos, com estudos a mostrar maiores taxas de remissão da colite ulcerosa (9,10), o papel da suplementação em óleo de peixe na relação entre colite e alimentação está ainda por determinar.
Proteínas
Como referido anteriormente, o consumo de carne tem vindo a ser associado de forma sistemática ao aumento do risco de colite ulcerosa (6,11,12,13), existindo um papel ativo das proteínas animais na relação entre colite e alimentação.
Embora o mecanismo por detrás desta associação esteja ainda por definir, pensa-se que os produtos do metabolismo das proteínas possam afetar o tipo de flora intestinal ou o tipo de ácidos gordos de cadeia curta produzidos, interferindo na função das células intestinais (13).
Outra hipótese é a carne vermelha é mais rica em compostos de enxofre e cistina, que após fermentação dão origem a sulfureto de hidrogénio, uma substância com efeito inflamatório (14). São necessários mais estudos sobre a influência da proteína animal na progressão da doença inflamatória intestinal.
Colite e alimentação: hidratos de carbono
O tipo de hidratos de carbono ingeridos tem efeitos benéficos ou deletérios na doença inflamatória intestinal. Na relação entre colite e alimentação, a ingestão de hidratos de carbono simples e facilmente fermentáveis (glicose, a frutose, a sacarose e a lactose) pode conduzir a disbiose (proliferação de bactérias patogénicas em vez das estirpes benéficas) e aumento da permeabilidade intestinal, piorando o prognóstico da doença inflamatória intestinal.
Desta forma foi proposto que uma dieta pobre em FODMAP (oligossacáridos, dissacáridos, monossacáridos, álcoois e polióis) pudesse ter um papel importante na gestão da doença inflamatória intestinal (15, 16). O consumo de fruta, no entanto, parece estar associado a um menor risco de desenvolver doença de Crohn mas não de colite ulcerosa (17), sendo esta associação superior naqueles que consomem fruta pelo menos quatro vezes ao dia (18).
O papel da fibra alimentar enquanto pré-biótico na relação entre colite e alimentação também é importante, uma vez que a sua fermentação no cólon vai promover a integridade das células e o crescimento de estirpes produtoras de ácidos gordos de cadeia curta (nomeadamente o butirato) (18), compostos associados à diminuição do risco de cancro coloretal.
Os flavonoides e antioxidantes contidos nas frutas, cereais e vegetais desempenham também papéis anti-inflamatórios, antioxidantes e promovem a integridade da barreira intestinal, estando a sua ingestão associada à diminuição dos marcadores de inflamação (19).
O estudo EPIC não encontrou relação protetora entre a ingestão de fibra alimentar e o risco de colite ulcerosa (11) e outros estudos sugerem que a fibra alimentar pode reduzir o número de crises na doença de Crohn mas não na colite ulcerosa (20).
Vitamina D
A maior incidência de doença inflamatória intestinal em países nórdicos sugere que a carência em vitamina D possa ter um papel na origem destas doenças (21). A forma ativa da vitamina D, obtida após a exposição solar, têm um efeito nas células do sistema imune e possivelmente na modulação da expressão de genes (21).
Verificou-se que esta carência piora a colite ulcerosa devido a alterações da flora intestinal (22). No Nurse’s Health Study (NHS), embora valores sérios mais elevados de 25-hidroxi Vitamina D tenha sido associados a um menor risco de incidência de doença de Crohn, o mesmo não se verificou nos casos de colite ulcerosa (23).
Curcumina e outros antioxidantes
A curcumina é um composto fenólico que é usado na medicina tradicional para tratamento de várias doenças inflamatórias e imuno-mediadas (24).
Um estudo randomizado demonstrou a eficácia na indução de remissão da suplementação de 1 g/dia de curcumina em associação com imunossupressores (25); outro estudo do mesmo tipo teve resultados semelhantes com a suplementação de 3 g/dia na indução da remissão da colite ulcerosa (26).
No entanto, foi utilizada curcumina na forma pura pelo que é difícil extrapolar os resultados de forma imediata para as preparações comerciais disponíveis no mercado.
Outros compostos fenólicos como os contidos nos mirtilos ou em chás de ervas podem ter efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios com potencial benefício na manutenção da taxa de remissão da colite ulcerosa. No entanto, uma vez que apenas foram realizados ensaios pré-clinicos em animais, não é possível ainda extrapolar estes resultados para humanos (27).
Colite e alimentação: o que não comer
A relação entre colite e alimentação, seja a última como fator de risco ou enquanto agente que pode despoletar crises, está bem estudada.
Neste sentido, preconiza-se uma dieta pobre em fibra e isenta de resíduos e sugere-se uma lista de alimentos a retirar no caso de estar na fase ativa desta doença, salientando que não se recomenda a restrição de fibra em doentes com doença inflamatória intestinal em remissão e na ausência de estenoses intestinais (1).
- Farinhas integrais utilizadas para fazer pão, em cereais ou massas integrais
- Arroz integral, aveia, quinoa, trigo-sarraceno, millet e espelta
- Frutas oleaginosas como cajus, avelã, nozes, amêndoas entre outros
- Sementes como sésamo, linhaça, girassol, abóbora e chia
- Leguminosas como feijão (todos incluindo o de soja), grão-de-bico, ervilha
- Frutas com casca, desidratadas ou com sementes que não possam ser retiradas (morango, amora, etc)
- Vegetais crus, com casca e com sementes
- Carnes vermelhas e processadas, e ovos (devido ao teor de ácido linoleico e de compostos de enxofre e cistina)
- Leite e produtos lácteos (devido à presença de compostos de enxofre e teor variável de resíduo, nomeadamente a lactose)
- Margarinas e óleos vegetais para cozinhar
Colite e alimentação: o que comer
Uma vez que uma dieta pobre em fibra e isenta de resíduos é mandatória no caso de agudização da doença, estes são os alimentos que deve incluir no seu dia-a-dia:
- Pães, cereais e biscoitos confecionados com farinhas refinadas e sem sementes
- Massas brancas e arroz branco
- Frutas enlatadas, cozidas, assadas, em puré ou em sumos, eliminando sempre a polpa
- Deve evitar a ameixa, devido ao seu conteúdo em polióis naturais
- Sopas passadas, purés de legumes sem casca nem sementes
- Carnes brancas sem pele e peixe, especialmente o gordo como salmão ou a cavala
- Manteiga de amendoim ou outras frutas oleaginosas
- Azeite
É importante relembrar que retirar as fibras da sua alimentação pode ter um impacto negativo no bem-estar geral. Após estabilizar a doença e de forma a aumentar as hipóteses de remissão da colite ulcerosa, introduza gradualmente os alimentos ricos em fibra na sua dieta.
Consulte-se com o seu médico ou nutricionista antes de iniciar qualquer dieta de eliminação ou introduzir algum suplemento alimentar.