Tem-se assistido a um aumento crescente na promoção da saúde humana através do consumo dos ditos alimentos funcionais. O suposto benefício do ácido linoléico conjugado (CLA) como um composto com funções e benefícios específicos na saúde foi proposto há mais de de 30 anos, após a descoberta de um fator anti-carcinogénico que consistia em conjugados isoméricos do ácido linoléico (1).
Com o aumento do número de estudos biomédicos em modelos animais, tornou-se aparente que o CLA apresentava uma série de efeitos benéficos.
Tais efeitos incluíam a supressão do processo de carcinogénese, redução da gordura corporal, tal como benefícios no controlo da diabetes, aterosclerose e modulação do sistema imune.
Mas serão estes resultados transponíveis para modelos humanos?
CLA: o que é?
O CLA inclui um grupo de isómeros posicionais e geométricos dos ácidos octadecanoicos (18:2) – ácidos gordos polinsaturados (PUFA) naturalmente presentes nos alimentos ou sintetizados por biotransformação microbiológica dos ácidos gordos, nomeadamente o ácido oléico, linoleico e α-linolénico entre outros (2).
A maioria dos suplementos de CLA existentes são obtidos através do processo de isomeração do ácido linoléico, sendo os mais comunmente utilizados o cis-9, trans-11 e o cis-10, trans-12; o CLA puro a 100% não se encontra disponível no mercado.
Como atua o CLA?
O mecanismo de ação do CLA resulta da inibição da enzima lipoproteína lipase, responsável por metabolizar a gordura e armazená-la nas células. Uma vez que inibe a acumulação da gordura, esta é reencaminhada para as células musculares e utilizada para produzir energia (2).
Além deste mecanismo, o CLA parece também estimular a enzima carnitina-palmitoil-transferase que degrada a gordura corporal acumulada, promovendo, desta forma, a diminuição da massa gorda.
Efeito no excesso de peso
Embora os resultados iniciais tenham sido apenas verificados em modelos animais, estudos mais recentes sugerem que o CLA pode ter um papel na redução da adiposidade em humanos através de mecanismos de regulação do metabolismo lipídico.
No entanto, no grosso dos estudos, permanecem as dúvidas quanto aos mecanismo de ação do CLA no adipócito e redução da massa gordo, e, principalmente, quanto á sua segurança do seu consumo humano sob a forma de suplementos (3).
Estudos demonstraram que os isómeros cis-10, trans-12 aumentam significativamente a lipólise no adipócito humano e diminuem a síntese de ácidos gordos, em contraste com os isómeros cis-9, trans-11. Este efeito parece explicar, em parte, o possível efeito do CLA na composição corporal.
Muito embora estes resultados pareçam aparentes, a capacidade do CLA para alterar a composição corporal tanto em modelos animais como em humanos, poucos deles avaliaram estes resultados quando em combinação com a prática de atividade física.
Blackson et al. demonstraram o efeito positivo da suplementação com CLA, em doses acima dos 3.4 gramas por dia, durante 12 meses, mas visto que o grupo de intervenção praticava atividade física, não foi possível concluir se as alterações na composição corporal se deveram à suplementação, à atividade física ou à combinação dos dois (4).
Efeito no músculo
A massa muscular e força estão diretamente relacionados com a performance atlética, estado de saúde geral e mortalidade. Faz sentido que o aumento – ou pelo menos a prevenção da sua redução – seja importante não só para atletas mas também para indíviduos sedentários e mais velhos.
O músculo esquelético é um tecido dinâmico, cuja regulação consiste num equilíbrio entre a síntese (MPS) e degradação (MPB) de proteína muscular. O estímulos anabólicos, como é o caso do treino de resistência são importantes na MPS, embora possam desempenhar o efeito oposto – MPB – quando realizados em jejum.
A suplementação com CLA tem sido proposta como benéfica na modulação da composição corporal, através da redução da quantidade de massa gorda e aumento da massa muscular através da ação biológica dos isómeros cis-9, trans-11 e cis-10, trans-12 (5).
Estudos em jovens adultos demonstraram que a suplementação com CLA em doses de 5 gramas por dia, em conjunto com o treino de resistência foram mais eficientes no aumento da MPS e força, e reduziram os marcadores de catabolismo muscular, mais do que o treino de resistência isoladamente (6).
O mesmo efeito foi reportado em indivíduos mais velhos, mas como a toma de CLA estava associada á de creatina monoidrato (CM), estes benefícios não podem ser atribuídos apenas à toma de CLA.
Em contraste, outros autores não conseguiram encontrar relação entre os supostos benefícios oferecidos pela toma de CLA em termos de composição corporal ou melhoria dos marcadores de inflamação e destruição muscular, mesmo associando a toma do suplemento em doses de 6 gramas por dia ao treino de resistência (6).
Em suma, serão necessários mais estudos, com metodologias mais uniformes, para se concluir se o efeito do CLA na massa muscular é real ou devido à sua associação com outras variáveis, essas sim comprovadamente influentes no dinamismo do músculo esquelético.
Efeito na imunidade e inflamação
O processo inflamatório é uma resposta biológica complexa a estímulos negativos que conduzem a dano celular. É induzido por mediados químicos produzidos pelas células danificadas, servindo como um mecanismo de proteção natural do corpo.
Este processo está na base de patologias como a doença inflamatória intestinal, artrite reumatóide, osteoarterite, aterosclerose, obesidade, diabetes, asma e cancro.
Os efeitos benéficos do CLA na modulação da imunidade e resposta inflamatória foram demonstrados em vários modelos animais e humanos parecendo estar ligados, precisamente, à modulação da expressão de fatores pro-inflamatórios.
Com o aumento dos estudos na área das doenças auto-imunes e do foro inflamatório, o interesse em estratégias nutricionais com efeito comprovado nos fatores de risco tem crescido bastante.
Embora os resultados pré-clínicos – em modelos animais – possam apontar para o possível benefício na modulação da resposta imune e inflamação, os mesmos resultados parecem não ser reprodutíveis em modelos humanos, em parte devido à interação com outros fatores de estilos de vida – hábitos tabágicos, prática de atividade física, qualidade da alimentação em geral (7).
Neste sentido não há, até à data, resultados conclusivos no papel efetivo do CLA neste tipo de doenças.
Por outro lado, e embora a maioria dos estudos refiram que a suplementação com CLA seja segura para humanos, foram reportados alguns distúrbios a nível gastrointestinal e aumento ligeiro da restistência à insulina – em que os níveis de insulina são insuficientes para uma resposta eficiente após a ingestão de hidratos de carbono – quando a toma é a longo prazo. No entanto, nem estes supostos efeitos adversos foram completamente confirmados.
No fundo, são ainda necessários mais estudos para comprovar tanto os benefícios no perfil inflamatórios como os efeitos adversos deste suplemento na saúde humana, bem como as dose seguras e com ação comprovada, população alvo ótima e a gestão da toma a longo termo.
Efeito na aterosclerose
A doença cardiovascular (DCV) é uma das principais causas de mortalidade nos países desenvolvidos e a maior parte dos eventos cardiovasculares – como enfarte do miocárdio o acidente vascular – são secundários à aterosclerose.
As placas de ateroma são caracterizadas pela acumulação de gordura associada ao processo inflamatório nas paredes das artérias que se tornam progressivamente menos estáveis levando à rotura e subsequente diminuição do fluxo sanguíneo.
Os primeiros ensaios sobre o papel do CLA na aterosclerose foram realizados em modelos animais (4, 8). No caso dos coelhos, um modelo cujo desenvolvimento de aterosclerose é semelhante ao dos humanos quando a alimentação é rica em colesterol, mostraram que o CLA poderia reduzir a deposição de lípidos na aorta, provocar regressão do evento e controlar das lesões, melhorando o perfil lipídico no processo.
Nos outros modelos animais comunmente usados – hamsters e ratos – o efeito na regressão do processo aterosclerótico não foi evidente. No caso dos ratos – cujo metabolismo do colesterol é significativamente diferente dos humanos e que, para este tipo de estudos, devem ser geneticamente modificados – houve inclusive pioria do processo aterosclerótico.
Os supostos efeitos deletérios (redução do colesterol HDL e pioria do perfil inflamatório) e benéficos (diminuição dos valores de triglicerídios, colesterol total, LDL e VLDL) do CLA na saúde cardiovascular são provenientes das metodologias usadas serem muito distintas. Diferenças na composição, duração e dose de suplemento utilizada tornam difícil a interpretação dos resultados.
Efeito no cancro
Como dito anteriormente, o interesse no CLA enquanto composto bioativo com possível impacto benéfico na saúde começou nas supostas propriedades anti-carcinogénese.
No entanto, apenas alguns estudos parecem explicar o efeito de isómeros específicos na saúde humana.
Com efeito não foi, até à data, realizado nenhum ensaio clínico em humanos com o intuito de associar o consumo de CLA com a incidência de cancro, muito menos usando CLA 100% puro e não os seus isómeros químicos.
Todos os resultados obtidos são provenientes de estudos epidemiológicos, ou seja, o estudo da possível associação entre a ingestão de CLA e o risco ou não de cancro, visto em retrospetiva e com base no auto-report da alimentação, incluindo doses (1, 2, 4, 8).
Uma grande limitação dos estudos epidemiológicos nestes casos é a dificuldade em estimar de forma precisa a ingestão de CLA.
Num estudo epidemiológico realizado durante mais de 6 anos, não formam confirmadas as propriedades anti-carcinogénicas do CLA em humanos com a incidência de cancro da mama. Relativamente aos outros estudos, não foram encontradas associações benéficas entre o risco de cancro da mama e o consumo de CLA.
Num follow-up de quase 15 anos, verificou-se que mulheres que consumiam 4 ou mais porções de lácteos gordos (leite, queijo gordos e manteiga entre outros) apresentavam 50% menos probabilidade de desenvolver cancro colo-retal comparativamente às que consumiam 1 ou menos porções deste tipo de produtos por dia. Em relação ao CLA, a diferença de risco foi de 30% para aquelas suplementadas.
Mais uma vez, diferenças de população, duração, estilos de vida e tipo de estudo usado não permitem tirar conclusões sobre o efeito do CLA na carcinogénese.
Conclusão
A bibliografia mais recente acerca dos possíveis efeitos gira em torno de estudos in vitro ou em modelos animais e, essa sim, aponta para mais benefícios do que efeitos deletérios da suplementação com CLA, principalmente quando utilizados os isómeros cis-9, trans-11 e cis-10, trans 12.
Comparativamente, a quantidade de ensaios clínicos em modelos humanos é ainda bastante limitada. Para além disso, vários dos benefícios descritos nos modelos animais não foram comprovados em humanos, fruto das diferentes metodologias usadas nos ensaios em animais, o que inclui tipo e proveniência do CLA usado (se da dieta ou de suplementos).
Diferenças de composição corporal, estilo de vida e idade entre as populações estudadas, sem contar com as quantidades de ingestão e duração do estudo realizado, não permitem ainda tirar conclusões quanto à eficácia deste suplemento na perda de massa gorda, aumento de massa muscular e efeito protetor nas doenças crónicas e inflamatórias.
Fontes
1. Kim, J. H. et al. (2016). Conjugated Linoleic Acid: Potential Health Benefits as a Functional Food Ingredient. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26735796
2. Fuke, G. et al. (2016). Systematic evaluation on the effectiveness of conjugated linoleic acid in human health. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27636835
3. Lehnen, T. E. et al (2015). A review on effects of conjugated linoleic fatty acid (CLA) upon body composition and energetic metabolism. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26388708
4. Den Hartigh, L. J. (2019). Conjugated Linoleic Acid Effects on Cancer, Obesity, and Atherosclerosis: A Review of Pre-Clinical and Human Trials with Current Perspectives. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30754681
5. Kim, Y. et al. (2016). Impact of Conjugated Linoleic Acid (CLA) on Skeletal Muscle Metabolism Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26729488
6. Valenzuela, P. L. et al. (2019). Supplements with purported effects on muscle mass and strength. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30604177
7. Viladomiu M, et al. (2016), Modulation of inflamation and immunity by dietary conjugated linoleic acid. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25987426
8. Benjamin, S. et al. (2015). Pros and cons of CLA consumption: an insight from clinical evidences. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25972911