As plantas ou os seus extratos são utilizados há milhares de anos como agentes promotores de saúde. Um desses exemplos é o chá de boldo (Peumus boldus), obtido de uma árvore de origem Chilena, e que é utilizado na medicina tradicional local há vários séculos.
Apresenta várias alegadas propriedades fitoterapêuticas, incluindo o tratamento de dores de cabeça, reumatismo, dispepsia, dores menstruais, inflamação do trato urinário e distúrbios de ansiedade, associado aos supostos efeitos sedativos e hipnóticos.
A descoberta dos processos oxidativos como potenciadores de certas doenças, como a doença cardiovascular, cancro e doenças neurodegenerativas e inflamatórias deu origem ao estudo de novas moléculas com propriedades antioxidantes.
Foram descobertos vários textos farmagnósticos, farmacopneias e livros que listam os usos terapêuticos do boldo enquanto agente colagogo (contrator da vesícula biliar) e colerético (ajuda na produção de bílis) e, portanto, uma das maiores propriedades que lhe é atribuída é o auxílio na função digestiva.
No entanto, as indicações para o uso do chá de boldo são tão extremamente abrangentes como insustentadas pela ciência, podendo esta planta apresentar sérios riscos para a saúde, especialmente por interação com certos medicamentos.
Características do boldo
As folhas do boldo contêm entre 0,4 e 0,5% de pelo menos 17 alcalóides diferentes, sendo a boldina o mais abundante (correspondendo a 12-19% do conteúdo total de alcalóides). Para além disso, o seu conteúdo em taninos, óleos essenciais, flavenóides – como as catequinas – e os ácidos gálico e tânico contribui para o poder antioxidante do boldo.
Chá de boldo: uso médico
O uso da folha do boldo na medicina tradicional, seja na forma de chá ou de extrato etanólico, está bem documentado e é aceite para o tratamento de distúrbios digestivos ligeiros. No entanto, devido à possível presença de um composto tóxico – o ascaridol – apenas são recomendados os chás ou extratos aquosos para consumo humano.
Para o alívio dos sintomas de dispepsia e espasmos gastrointestinais são recomentadas as seguintes preparações:
- Sob a forma de chá / 1 a 2 gramas de boldo, 2 a 3 vezes ao dia;
- Extrato seco, para toma oral / 200 a 400 mg, 2 vezes ao dia.
Chá de boldo: dados não clínicos
Efeitos coleréticos (extrato da folha de boldo)
Vários estudos, bastante antigos e em modelos animais, referem efeitos positivos do extrato de folha de boldo na produção de bile. No entanto, experiências subsequentes refutam estes resultados, após a administração oral, intraduodenal ou intravenosa de quantidades variáveis de extrato na sua forma seca ou em solução.
Efeitos coleréticos (boldina)
Mais recentemente, o efeito colerético foi investigado em modelos animais após administração endovenosa de boldina durante 28 dias, tendo-se verificado um aumento de 40% no fluxo biliar, tanto em animais saudáveis como naqueles em que a colestase havia sido induzida.
A administração de 50 mg/kg/dia por via gástrica, durante o mesmo período de tempo, produziu também um aumento na produção de bílis, mas não de forma tão acentuada.
Num outro estudo foi avaliada a eficácia da boldina enquanto preventor da colestase em ratos submetidos a uma dieta rica em hidratos de carbono refinados. Aqui foi demonstrado que, para além de potenciar a excreção de bílis, a boldina promove a excreção biliar de glutationa, um importante antioxidante, essencial no sistema imune.
Chá de boldo: farmacodinamia secundária
A boldina é o alcalóide major da folha de bolbo, sendo responsável pelos efeitos anti-inflamatórios, antipiréticos, antiaterogénicos, antiagregantes, antitumorais e citoprotetores frequentemente descritos.
Estudos recentes também demonstraram o efeito antiproliferativo da boldina em células da bexiga em humanos e propriedades antitumorais em modelos animais.
Mais recentemente foi demonstrado que a boldina tinha a capacidade de estimular a apoptose (morte celular programada) in vitro, tendo um potencial papel antitumoral em modelos animais com cancro da mama.
Efeito laxante (extrato da folha de boldo)
O efeito laxante do boldo foi demonstrado em modelos animais após a ingestão oral de 400 a 800 mg/dia, durante 8 semanas.
Efeito relaxante muscular (boldina)
A boldina apresentou-se como potencial agente relaxante muscular, com efeito dose-dependente, na musculatura lisa do íleo de modelos animais; para além disso, a boldina parece potenciar o efeito relaxante da acetilcolina nessa zona do intestino.
Efeito antioxidante (extrato de folha de boldo e boldina)
Vários estudos demonstram o potencial antioxidante tanto do extrato de boldo como do isolado de boldina. Entre eles, alguns demonstram o efeito hepatoprotetor em células isoladas do fígado e a redução do dano oxidativo nas mitocôndrias do fígado de ratos.
Neste caso, os autores concluíram que o efeito antioxidante é atribuído aos compostos polifenólicos presentes no boldo e na boldina. Vários outros estudos confirmam a atividade antioxidante do extrato de boldina na prevenção da peroxidação lipídica em fígados de ratos doentes bem como nas células cerebrais, o que sugere que estes compostos possam ter um papel importante no combate às doenças neurodegenerativas e hepáticas.
Efeito anti-inflamatório (extrato de folha de boldo e boldina)
O extrato de folha de boldo, administrado intraperitonealmente em ratos com edema induzido pela carragenina – um extrato de alga vermelha com potencial pró-inflamatório e carcinogénico -, mostrou-se capaz de reduzir a inflamação. O mesmo não se verificou com a boldina. No entanto, quando administrada oralmente e para o mesmo fim, a boldina demonstrou o mesmo efeito anti-inflamatório.
A administração intraretal de boldina mostrou-se ainda eficaz na redução da inflamação no caso de colite aguda em modelos animais.
Efeito anti-pirético (boldina)
Em modelos animais, a boldina reduziu a hipertermia induzida por bactérias pirogénicas.
Por todos estes efeitos comprovados em modelos animais, tanto o extrato de boldo como a boldina têm vindo a ser usados no tratamento de doenças como pedras na vesícula, reumatismo, infeções urinárias, doenças do fígado, ansiedade, obstipação e distúrbios digestivos ligeiros. No entanto, o seu papel em humanos está apenas confirmado no combate aos distúrbios digestivos.
De acordo com a forma de apresentação, como já foi referido, pode ocorrer intoxicação por ascaridol, bem como algumas interações medicamentosas graves. Muitos autores não concordam com o efeito hepatoprotetor do boldo.
Chá de boldo: riscos e interações
Chá de boldo, gravidez e aleitamento
O boldo pode não ser indicado para grávidas e lactantes devido ao ascaridol.
Chá de boldo e problemas de vesícula
O papel do boldo na produção de bílis e contração da vesícula biliar são factos conhecidos e já referidos.
A bílis sai da vesícula através dos ductos biliares, tendo um papel importante na digestão das gorduras no intestino. No entanto, em caso de bloqueio destes ductos – como acontece no caso da presença de pedras na vesícula – o papel do boldo pode ser mais deletério do que benéfico.
De salientar que a doença biliar é precursora da doença hepática crónica pelo que o boldo, quando mal prescrito, pode ter um papel negativo na saúde do fígado.
Chá de boldo e doença hepática
Quando pré-existente, não se recomenda a utilização de boldo em caso de doença do fígado.
Embora vários estudos refiram que as propriedades antioxidantes do boldo se manifestam e mais saúde hepática a verdade é que foram reportados casos de hepatotoxicidade induzida pelo boldo, incluindo o de uma mulher de 72 anos que desenvolveu uma hepatite após a toma do extrato e o de um homem com esteatose hepática (fígado gordo) que entrou em falência hepática aguda após usar uma mistura de ervas – contendo boldo – como laxante durante alguns anos.
Chá de boldo e interação com o lítio
Devido ao possível efeito diurético do boldo, a toma concomitante com lítio – uma substância utilizada como estabilizadora de humor – pode diminuir a excreção deste medicamento.
As principais manifestações clínicas da intoxicação por lítio são as gastrointestinais (náuseas, vómitos, diarreia) e as neurológicas (lenti-ficação, fala arrastada, ataxia, confusão, agitação, irritabilidade neuromuscular, tremores, fasciculações, mio-clonias; em casos graves, convulsões, estado de mal não convulsivo, encefalopatia).
O tratamento passa por hidratação endovenosa e hemodiálise.
Chá de boldo e interação com medicamentos hepatotóxicos
Tal como não se recomenda a toma de boldo na doença hepática pré-existente, também se acautela a sua toma com medicamentos com efeitos negativos no fígado já bem estabeledidos.
Alguns exemplos incluem o acetaminofeno, amiodarona, carbamazapina, isoniazida, metotrexato, metildopa, fluconazole, itraconazole, eritromicina, fenitoina, lovastatina, pravastatina e sinvastatina.
Chá de boldo, anti-coagulantes e anti-agregantes plaquetários
O boldo pode alterar o processo de coagulação sanguínea, potenciando a perda excessiva de sangue. Pela mesma razão que se recomenda a suspensão da sua toma pelo menos 2 semanas antes de uma cirurgia programada, também se aconselha cautela quando há toma de anti-coagulantes orais (ACO) como a aspirina, clopidogrel, diclofenac, ibuprofeno, naproxeno, dalparinam enoxaparina, heparina, varfarina entre outros.
Dosagem de chá de boldo
Ao contrário de quase todos os suplementos à base de plantas, o boldo está aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de distúrbios digestivos leves e de distúrbios hepatobiliares. Para o alívio dos sintomas de dispepsia e espasmos gastrointestinais são recomendadas preparações sob a forma de chá ou toma de extrato seco, 2 a 3 vezes ao dia.
A quantidade apropriada de boldo depende de vários fatores, incluindo a idade, estado de saúde e presença de patologias específicas que possam vir a piorar com a toma deste suplemento.
Uma vez que não há muitos estudos sobre a segurança do boldo em humanos, também não há dose standard definida, salvo nos casos já referidos.
Certifique-se que segue as instruções de utilização do produto, aconselhando-se com o seu farmacêutico, médico ou nutricionista antes de iniciar a toma de qualquer suplemento.
Conclusão
Da análise extensa da literatura disponível, ainda é impossível apontar benefícios reais à toma de boldo.
O chá de boldo parece estar associado ao tratamento de distúrbios digestivos leves e de distúrbios hepatobiliares, embora, pela presença de ascariol, apenas sejam recomendados como seguros os chás ou extratos aquosos para consumo humano.
A sua toma não é aconselhada em grávidas e aleitantes, bem como a pessoas com problemas de fígado. É possível que haja interação com medicamentos com efeito hepatotóxico e ACO pelo que a sua toma deve ser sempre do conhecimento do médico, farmacêutico ou nutricionista.
Devido à maior parte dos estudos analisados serem em modelos animais, não podemos transportor de forma direta os efeitos anti-inflamatórios, antipiréticos, antiaterogénicos, antiagregantes, antitumorais e citoprotetores frequentemente citados para humanos.
Artigo originalmente publicado em Janeiro de 2020. Atualizado em Outubro de 2022.