Mitos e crenças são parte integral das ciências da nutrição, muitos deles enraizados na nossa cultura e outros perpetuados pelo medo de algumas interações entre alimentos que podem ser potencialmente danosas para a nossa saúde. Um dos mitos mais comuns é o que diz respeito a beber água depois de comer melão ou melancia.
A verdade é que embora muitas pessoas não refiram quaisquer sintomas após associar estes dois alimentos, o “medo” continua a existir para muitos, especialmente os mais velhos. Mas haverá fundamento para este mito?
Beber água depois de comer melão e melancia faz mal?
Características nutricionais do melão e da melancia
Estes dois frutos são muito semelhantes entre si. Em primeiro lugar, são ambos relacionados com o pepino, a curgete e a abóbora. Em segundo lugar, são extremamente ricos em água e pobres em calorias.
Na verdade, 100 g de melão ou melancia oferece, em média, entre 26 e 30 calorias, 5,6 g de hidratos de carbono e 93 g de água. São ainda boas fontes de licopeno e vitamina A, em especial o melão.
Estas características fazem com que estes frutos sejam bastante procurados no verão, sendo predominantemente consumidos frescos, em sumos ou em smoothies.
Por que é que se diz que beber água depois de comer melão ou melancia faz mal?
Na verdade, embora grande parte dos profissionais de saúde já tenha confirmado que este mito é falso, alguns afirmam que a riqueza em água destes frutos faz com que o pH do estômago – que geralmente se situa entre 1 e 4 – aumente.
Este aumento estará relacionado com a suposta “diluição” do ácido do estômago, que irá impossibilitar a ativação de algumas enzimas e tornar a digestão menos eficiente, potenciando sintomas com desconforto gástrico e enfartamento. No entanto, este não é um argumento válido.
A diminuição do pH do estômago não é um argumento válido
Quando falamos em diluição de ácidos orgânicos e alteração do pH, temos que ter presente que, no caso de um ácido forte, o pH esperado é em torno de 1, ou seja, muito ácido. Nestes casos, o pH trabalha numa função logarítmica de base 10, o que significa que para o pH subir de 1 para 2, o ácido deve ser diluído 10 vezes.
Em condições controladas, como em laboratório, a concentração do ácido apenas é alterada pela diluição em água destilada, mas quando falamos em suco gástrico, vários fatores, ambientais ou mesmo doenças, podem contribuir para alterar este parâmetro.
Quando se dá a ingestão de alimentos, é ativada uma hormona (gastrina) que faz com que seja libertado ácido clorídrico, enzimas e água para fazer a digestão. Em média, 2000 a 2500 mL de suco gástrico são libertados diariamente.
Embora o ácido do suco gástrico seja variável, a pepsina (a enzima responsável pela quebra das proteínas) tem um pH ótimo de 2 e só a partir dos 3,6 este processo começa a ser comprometido. A enzima só consegue ser inativada com um pH de 6.
Para potenciar uma alteração tão grande de pH gástrico, seriam necessários mais litros de água e quilos de melancia do que o estômago humano suporta.
Além disso, tanto a melancia como o melão não têm proteínas para desnaturar, pelo que se trata de um alimento de fácil digestão pelo seu teor quase exclusivo em água e açúcar.
Então, beber água após comer melão ou melancia faz mal? Não existe evidência de que estes alimentos, quando consumidos com água, tragam algum prejuízo para a saúde, nomeadamente dificuldade de digestão. Relatos de indigestão ou enfartamento após a ingestão destes alimentos deve ser avaliada caso a caso.