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A epidemia por COVID-19 será histórica por muitos motivos mas dois deles são de especial interesse para os nutricionistas, sobretudo quando o que está em causa é a alimentação saudável em tempo de quarentena.
Em primeiro lugar, esta será a primeira epidemia onde a escassez de alimentos não será um problema. Em segundo lugar, vivemos um período epidemiológico em que a grande maioria da população mundial vive em países em que o excesso de peso e a obesidade matam mais do que a desnutrição (1).
Importância da alimentação saudável em tempo de quarentena: o que está em causa?
Se pensarmos que durante a Peste Negra (1346-1353) se registou uma marcada taxa de mortalidade, exacerbada pela fome, mais especificamente pela carência crónica em proteínas, cálcio e as vitamina D e B 12 (2), em 2020 o cenário é muito diferente.
Neste momento, a “abundância” de géneros alimentares e o sedentarismo “forçado” irão fazer mais estragos na saúde das pessoas do que o contrário.
Para além disso, se tivermos em conta que a diabetes, a hipertensão e a obesidade, três doenças que estão intimamente ligadas na maior parte dos casos, aumentam a suscetibilidade individual de infeção, de complicação grave e morte pela COVID-19, temos neste momento a receita perfeita envolvendo as duas pandemias: a de coronavírus e a de obesidade (3).
Muito embora não se creia que os sistemas de fornecimento de alimentos possam sofrer quebras significativas, a procura por bens alimentares pouco perecíveis, isto é, altamente processados, ricos em sal, açúcar e gordura saturada, aumentou consideravelmente (4).
Para agravar o ponto anterior, está o facto de não ser seguro adquirir alimentos frescos diariamente, devido ao facto de não ser aconselhado sair regularmente de casa para ir ao supermercado, o que, por conseguinte, pode comprometer a qualidade e variedade da alimentação.
Este trio de condições – isolamento, sedentarismo e alteração dos padrões alimentares – parece criar as condições perfeitas para que o balanço energético seja bem mais positivo do que deveria ser, podendo contribuir para um excesso de peso e, consequentemente, para todas as doenças que a ele estão associadas.
Neste caso, a prática de uma alimentação saudável é importante por 4 pontos:
- Promover e manter um ótimo estado nutricional.
- Permitir o normal crescimento e desenvolvimento de crianças e jovens.
- Evitar o balanço energético positivo, contrariando o aumento de peso sob a forma de gordura corporal.
- Garantir o normal funcionamento do sistema imunitário.
Relativamente ao último ponto ressalva-se que nada na alimentação, nem alimentos nem suplementos, pode prevenir a infeção pela COVID-19. A nutrição tem um papel importante no sistema imune, mas apenas quando algum nutriente essencial ao ser normal funcionamento se encontra em falta.
Alimentação saudável em tempo de quarentena: o que privilegiar
Mais fruta e hortícolas
Vários estudos associam o consumo de frutas e vegetais a um melhor controlo do peso corporal (5, 6, 7).
Em primeiro lugar, no caso dos hortícolas, estes são pobres do ponto de vista energético, podendo ser adicionadas porções relativamente grandes ao prato sem que isso se traduza em muitas calorias.
Para além disso, o conteúdo em fibra, embora variável, é frequentemente elevado, aumentando a sensação de saciedade e automaticamente reduzindo o consumo energético durante o dia (8, 9, 10).
Numa altura em que o acesso diário a alimentos frescos pode ser problemático, os legumes ultracongelados são uma ótima forma de manter os bons hábitos alimentares.
Na verdade, os hortofrutícolas ultracongelados são tão nutritivos como os frescos e mesmo as perdas em vitaminas durante o processamento não parecem afetar essa qualidade (11, 12, 13). Por outro lado, aparecem apresentar maior teor de algumas vitaminas, como a vitamina C (14).
Para estes benefícios, certifique-se que inicia sempre as refeições principais com uma sopa de legumes e que inclui pelo menos uma porção de hortícolas variados, em cru ou cozinhados, no seu prato.
Mais líquidos sem açúcar ao longo do dia
Não é segredo para ninguém de que beber água é importante para a saúde.
De facto, cerca de 45-75% do peso corporal total corresponde a água, e a sua importância na saúde cardiovascular, manutenção do peso, performance desportiva e função cognitiva estão já documentada (15, 16).
Para além disso, beber água ou chás/infusões sem açúcar pode ajudar a consumir menos calorias neste período de quarentena. A ingestão de água, para além da contida nos alimentos e outras bebidas deverá rondar os 3 litros/dia e os 2,12 litros/dia para homens e mulheres respetivamente (17).
Paralelamente, beber água antes das refeições ajuda a atingir a sensação de saciedade mais cedo, e pode ajudar a reduzir a quantidade de calorias ingeridas ao longo do dia (18). Por outro lado, alguns autores afirmam que beber água também estimula o metabolismo, aumentando a quantidade de calorias gastas ao final do dia (19).
Mais leguminosas
Incluídas na sopa, servidas no prato ou como substituto dos produtos animais, as leguminosas são importantes fontes de fibra e proteína vegetal.
A sua riqueza em amido resistente e fibras solúveis aumenta a produção de ácidos gordos de cadeia curta que podem promover a saúde intestinal (incluindo o sistema imunitário) e reduzir o risco de determinadas doenças (20, 21).
Para além disso, as fibras ajudam a manter a saciedade e a controlar os níveis de açúcar no sangue, o que irá ter um impacto positivo no controlo das calorias ingeridas (22, 23, 24, 25).
Já que o acesso a alimentos pouco perecíveis é uma necessidade atual, certifique-se que tem versões secas, enlatadas ou ultracongeladas de leguminosas como o feijão, grão e ervilhas.
Menos “lixo” alimentar
Como referido anteriormente, a procura por bens alimentares pouco perecíveis, isto é, altamente processados, ricos em sal, açúcar e gordura saturada, aumentou consideravelmente (4).
Exemplos clássicos são os snacks (ou lixo alimentar) como batatas fritas de pacote, bolachas, bolos e biscoitos ultraprocessados e sobremesas instantâneas
Associado a isto, o tédio de passar mais tempo em casa faz com que as viagens ao frigorífico ou aos armários sejam mais frequentes.
Uma vez que instituir regras de consumo é mais difícil, nestes casos, a solução é simples: não os compre e tente substitui-los por outros mais saudáveis.
Existem diversas receitas de biscoitos, muffins, barras de cereais e panquecas que constituem snacks interessantes e contribuem para envolver as crianças e criar um momento de confraternização familiar à volta dos alimentos.
Mais refeições preparadas em família
Envolver as crianças na preparação dos alimentos é importante para a promoção de melhores hábitos alimentares.
Neste sentido, as atividades deverão ter como objetivo ensinar a cozinhar os géneros alimentares que habitualmente são rejeitados pelos mais jovens, como os hortícolas, as leguminosas e o pescado.
Ensinar as crianças a fazer snacks e sobremesas saudáveis poderá ser uma das formas de limitar o acesso aos géneros com menor interesse como bolachas, biscoitos e batatas fritas.
Vivemos dias muito diferentes de tudo o que estávamos habituados e preparados para enfrentar. A reestruturação das vidas para o “novo hoje” é difícil, mas se pensarmos em enfrentar o amanhã com melhores hábitos alimentares conseguimos encarar este período com mais saúde do que ontem. Isto é essencial para o futuro que nos espera.
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