Mónica Carvalho
Mónica Carvalho
20 Mai, 2020 - 10:05

Alimentação em tempo de pandemia: que cuidados deve ter?

Mónica Carvalho

Segurança alimentar, alimentação sustentável e gestão de intolerâncias alimentares em tempo de pandemia foram os temas da conversa com a nutricionista Helena Trigueiro.

Alimentação em tempos de pandemia: mulher a organizar marmitas para a semana de trabalho

O tempo passado em casa durante a quarentena pode levantar muitas dúvidas e questões sobre hábitos alimentares. A pensar nisso, o Vida Ativa conversou com a nutricionista Helena Trigueiro, membro do NNedPro Global Centre of Nutrition and Health, sobre a alimentação em tempo de pandemia e o resultado é uma série de dicas e conselhos que vão tornar os seus dias mais simples.

Segurança alimentar: as idas ao supermercado não têm de ser difíceis

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A necessidade de garantir o cumprimento de inúmeros cuidados nas idas ao supermercado, bem como saber o que se deve comprar leva a que um ato tão simples possa ser entendido como complicado e até espoletar estados de ansiedade.

Além disso, coloca-se a questão da potencial contaminação por COVID-19. “O que se percebe é que não é pelo facto de um determinado alimento ser importado de um determinado país que pode conter o vírus”, afirma Helena Trigueiro. Todavia, no caso das embalagens, frutas e hortícolas “deve haver um cuidado acrescido na limpeza e higienização”, ainda que não existam certezas sobre a presença do vírus neste tipo de superfícies.

Na opinião da nutricionista, “não há motivo para alarme”, desde que sejam mantidas as práticas de higiene, que é, aliás, o que nos têm transmitido as entidades de saúde. Além disso, deve ser tido em conta que “não há uma contaminação do domicílio depois de ir às compras”, pelo que o calçado e casacos devem ficar na entrada. Sem esquecer, claro a lavagem das mãos após retirar a máscara.

No fundo, deve haver uma “reeducação do consumidor”, no sentido de adotar comportamentos seguros.

Cuidados a ter com frescos e legumes

Higienizar e congelar alimentos frescos: mulher a lavar alimentos

Assim, qual a correta higienização e conservação dos produtos perecíveis, como fruta e legumes, visto que vamos às compras menos vezes e há alimentos com um curto prazo de validade?

A nutricionista refere que se deve desinfetar preferencialmente com álcool a zona do bocal das embalagens de bebidas, assim como “todas as restantes embalagens que vão estar em contacto com outros alimentos, seja no frigorífico, seja na zona de armazenamento.”

“Em relação à fruta e hortícolas não parece haver nenhuma norma de desinfeção nem nenhum produto standard. O que temos visto pelas entidades de saúde e forças de segurança alimentar tem sido um reforço na higienização, no tempo de lavagem das hortícolas”, que deve ser maior, ou seja, lavar durante mais tempo, para assegurar uma maior eficácia do processo de limpeza.

De igual modo, deve-se “optar por lavar a uma temperatura superior. Nas hortícolas há determinadas partículas que também se dissipam com a confeção e cozedura.”

Por sua vez, no caso da fruta, há que ter o mesmo cuidado com as hortícolas, nomeadamente aumentando o tempo de lavagem.

Água e sabão e um pouco de lixívia são os produtos corretos para higienizar?

“A lixívia não é aconselhada e não é o seu uso que vai desinfetar melhor. Já a água e o sabão podem ser usados, desde que, depois, as hortícolas sejam passadas abundantemente por água”, sendo este último passo importante. Por outro lado, no que à limpeza diz respeito, a combinação de “água e vinagre pode ser uma opção, que até era usada antes da pandemia e pode ser uma forma de evitar os desinfetantes típicos que vemos no supermercado, para a limpeza de frutas e hortícolas”.

Mas há ainda algo a ter em conta: é preciso verificar a validade destes produtos, visto que “os valores de desperdício alimentar são muito grandes“.

Como tal, o conselho de Helena Trigueiro é que “verifique bem o que tem em casa antes de ir às compras. Não compre de forma a açambarcar, portanto em grande quantidade”. Estas são, aliás, ideias que devem ser implementadas sempre em todos os lares e não apenas nesta altura de pandemia.

Outro excelente conselho partilhado pela nutricionista é seguir o princípio de “first thing, first out: o que compramos há mais tempo deve ser o utilizado primeiro”, fazendo, assim uma boa gestão e planeamento da ida às compras.

Pensar mais e melhor as idas às compras

Lista de compras para a quarentena: homem no supermercado

Visto que a ida às compras pode ser um momento de stress para muitas pessoas, então, que se aproveite esta altura para implementar medidas de alimentação sustentável nas nossas rotinas diárias.

Tal passa pela redução do consumo de carne, o que não implica a eliminação total do consumo de produtos de origem animal, mas sim reduzir, até porque neste âmbito “estamos a consumir até dez vezes mais da quantidade diária do que precisamos, de acordo com o último conjunto de artigos delineadores de medidas para uma alimentação mais sustentável”.

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Assim, existe a necessidade de comprar localmente, ainda que não estejamos “muito programados para pensar dessa forma”, até porque existe algum desconhecimento sobre onde o poderemos fazer. Para tal, o Ministério da Agricultura criou a plataforma “Alimentar quem o alimenta”, onde é possível consultar os produtores locais perto da nossa área de residência.

Helena Trigueiro assume uma postura neutra neste tema: “não podemos olhar para a alimentação sustentável como uma alimentação simplesmente vegan ou vegetariana”, porque o importante é mesmo a redução dos produtos de origem animal, como “laticínios, carne, peixe e ovos” e, por que não, “dar mais atenção às leguminosas”.

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Agricultura biológica: encontrar o equilíbrio certo

Variedade de alimentos biológicos

O consumo de produtos biológicos “tem sido associado à sustentabilidade, por ser uma produção que tem características de uma utilização muito diminuída de pesticidas, mas que são, muitas vezes, necessários para o controlo das pragas.”

Mas também neste campo deve haver equilíbrio. Como tal, é preciso ter em conta “que não haveria forma de alimentar toda a gente apenas com agricultura biológica. Claro que “são alimentos com características sensoriais mais interessantes e cujo consumo pode ser privilegiado, mas a sua exclusividade não é necessária. Até porque, para a maioria das pessoas não é economicamente sustentável consumir apenas produtos biológicos, porque são muito mais caros”, destaca a especialista em nutrição.

“Quanto mais simples formos na mensagem, mais facilmente essas ideias vão passando para o público em geral e mais facilmente afastamos esta ideia de que comer bem, por nós e pelo meio ambiente, é algo que nos vai custar muito dinheiro”.

Nesse sentido, Helena Trigueiro considera importante “incentivar a agricultura e produção nacional, mais do que incentivar a agricultura biológica, até porque é preferível eu comer uma maçã não bio, mas que seja de Alcobaça, do que ser uma maçã bio espanhola“.

O conselho vai, então, para “apostar no consumo português: é mais sustentável do ponto de vista ambiental, do ponto de vista económico, do ponto de vista de sistema agroalimentar”.

Intolerâncias alimentares durante a pandemia: como gerir

Tanto a alergia como a intolerância, “devem ser diagnosticadas pelo médico”, sendo este o caminho para perceber melhor se existe intolerância, “em que não temos efeitos tão exacerbados”, ou uma alergia “que implica uma reação inflamatória muito superior, um conjunto de sintomas que em muitos casos pode ser fatal”.

“Existe uma grande confusão entre testes que avaliam a quantidade de imunoglobulina G produzida e testes que avaliam uma intolerância a uma lactose. Uma coisa é a minha resposta imune a determinado alimento, que, muitas vezes, até está relacionado com a frequência com que eu consumo determinado alimento. Outra coisa são verdadeiras alergias ou intolerâncias alimentares. Acho que as pessoas devem ter cuidado”, destaca a nutricionista.

As compras em excesso no início da pandemia em Portugal, por exemplo, fizeram com que o consumo deste tipo de produtos, para quem realmente precisa deles, ficasse comprometido, principalmente em zonas onde os recursos são menores e onde não existe uma reposição tão rápida dos alimentos.

Por isso, nesta altura “se a pessoa não tem problemas com o glúten, se não tem sensibilidade ao glúten, se não tem doença celíaca, aconselho a que deixasse esses alimentos para quem precisa de facto deles, porque o que as pessoas têm reportado é que tem sido mais difícil de encontrar e de gerir os produtos.”

Problemas do comportamento alimentar e o impacto da pandemia

Mulher no supermercado com máscara e luvas

Quem tem este tipo de problemas ou pode vir a desenvolvê-los, “o período de isolamento apresenta muitos riscos”, porque “se por um lado tens comportamentos alimentares que não consegues esconder, pelo efeito direto que tem no peso”, “existem outras perturbações de comportamento alimentar, seja picking, sejam binge eatings, seja bulimia, em que a pessoa pode não ter o corpo padrão de perturbação alimentar que a sociedade associa”, o que significa que nem sempre a doença é visível. E é nesses casos que é mais fácil esconder a perturbação ou o distúrbio existente.

A perda de rotina pode também ser um fator que acentua os problemas, porque se pode perder o “convívio com a comida natural e saudável” que acaba por ser mais comum no dia a dia. Helena Trigueiro aconselha a que neste período de reforcem “as medidas de vigilância.”

Ainda que os serviços de saúde estejam, aos poucos, a retomar as suas atividades normais, na opinião da especialista seria importante apostar no acompanhamento virtual. “Aquilo que me têm reportado é que a teleconsulta tem sido positiva e interessante para partilhar algumas dessas inquietações e preocupações”.

A nutricionista deixa um último conselho: quem precisa “que procure ajuda”, quem já era acompanhado antes da pandemia “que mantenha o acompanhamento” e, assim, “tentar fazer uma progressão e melhoria contínua.”

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