Nutricionista Mafalda Serra
Nutricionista Mafalda Serra
20 Jul, 2023 - 10:31

Alimentação e doenças crónicas: cuidados a ter

Nutricionista Mafalda Serra

Um problema de saúde que dura há mais de um ano é crónico. Entenda o impacto da alimentação na prevenção e tratamento de doenças crónicas.

Alimentação e doenças crónicas

Neste artigo abordamos a relação entre alimentação e doenças crónicas. Quais os nutrientes e alimentos que deverá incluir na sua rotina alimentar para evitar adoecer?

Um dos principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis é a adoção de um estilo de vida pouco saudável. Seja por hábitos alimentares desadequados, falta de exercício físico ou tabagismo, o impacto a longo prazo da vida quotidiana no estado de saúde é claro e fortemente evidenciado.

O que são doenças crónicas?

As doenças crónicas são doenças de longa duração (normalmente superior a 1 ano), de progressão geralmente lenta e que requerem atenção médica contínua e/ou limitam as atividades quotidianas do indivíduo.

Podemos destacar como exemplos de doenças crónicas as doenças cardiovasculares (doença cardíaca ou enfarte), cancro, doenças crónicas respiratórias, diabetes, obesidade ou outras patologias ou condições (que poderão ser do foro mental, genético, ósseo…) (1, 2).

A prevenção e tratamento de doenças crónicas representa hoje em dia uma das principais prioridades da saúde pública. Para além de constituírem uma das principais causas de morte globalmente, representam também um dos principais custos associados aos sistemas de saúde (quer pela necessidade de cuidados continuados, quer pelas possíveis hospitalizações associadas).

Assim, torna-se essencial desenvolver estratégias de prevenção que permitam reduzir os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento destas patologias (1).

Fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crónicas

Variedade de alimentos processados

A evidência cientifica sugere que os principais fatores de risco associados a doenças crónicas são modificáveis e relacionados com um estilo de vida pouco saudável. É possível destacar o tabagismo, o sedentarismo e a falta de atividade física, o consumo excessivo de álcool e os hábitos alimentares desadequados (1, 2, 3).

Estes fatores de risco poderão estar envolvidos no consequente aumento da pressão arterial, aumento da glicémia (níveis de açúcar no sangue), alteração do perfil lipídico (com o aumento do colesterol sérico) e ainda aumento de peso ou obesidade (3).

A obesidade constitui um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento e agravamento de doenças crónicas não transmissíveis, como doença cardiovascular, diabetes Mellitus tipo 2 ou cancro (4).

Estudos relatam que indivíduos obesos apresentam 5 vezes maior risco de desenvolver hipertensão arterial e estão associados a um aumento do risco de Acidente Vascular Cerebral (5, 6).

A Diabetes Mellitus tipo 2 é outra patologia fortemente associada ao excesso de peso. A evidência refere que 90% dos indivíduos com diabetes tem um IMC superior a 23 kg/m2.7

Para além destes, o excesso de peso está ainda associado a um aumento do risco relativo de outras doenças crónicas como alguns tipos de cancro ou osteoartrite (4, 8).

Alimentação pode reduzir o risco de doenças crónicas?

Os hábitos alimentares desadequados surgem como um dos inquestionáveis e principais determinantes no desenvolvimento de doenças crónicas.

Seja pela ingestão calórica excessiva ou pela clara desadequação nutricional, torna-se essencial a promoção de um estilo de vida saudável, com rotinas alimentares adequadas e nutritivas.

Desta forma, é possível destacar algumas características-chave que a sua rotina alimentar deve possuir, de forma a reduzir o risco de desenvolvimento de doenças crónicas:

1

Promover uma rotina alimentar baseada em alimentos de origem vegetal

Na literatura cientifica, os padrões alimentares mais associados à prevenção e terapia nutricional de doenças crónicas partilham uma característica em comum: basearem-se em alimentos de origem vegetal em detrimento de alimentos de origem animal (9).

No âmbito dos alimentos de origem vegetal, é possível destacar a fruta, os vegetais e hortícolas, as leguminosas e os cereais integrais.

Algumas frutas e legumes são ricos em polifenóis bioativos que possuem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antitrombóticas que demonstraram possuir efeitos de saúde benéficos, especialmente em distúrbios metabólicos e cardiovasculares.

Estes compostos aliviam a resposta imunitária, aumentam as defesas antioxidantes, melhoram a reatividade vascular e reduzem a inflamação, promovendo a saúde cardiovascular e metabólica (10).

Relativamente às leguminosas e cereais integrais, o seu teor em fibra poderá estar associado à melhoria do perfil lipídico e redução da inflamação e da pressão arterial, reduzindo o risco de desenvolvimento de algumas doenças crónicas, nomeadamente de origem cardiovascular (11).

2

Privilegiar o consumo de gordura insaturada em detrimento de gordura saturada

Os efeitos de saúde benéficos associados à substituição de gordura saturada por gordura insaturada no dia a dia alimentar estão bem documentados na evidência científica.

A redução do consumo de alimentos ricos em gordura saturada (como produtos de pastelaria, biscoitos, bolachas, produtos de charcutaria, carnes vermelhas, lacticínios gordos, produtos fritos ou produtos processados) e a sua substituição por gorduras monoinsaturadas e polinsaturadas (como as presentes no azeite, nos frutos oleaginosos, nas sementes ou nos peixes gordos), está associada à redução do risco de desenvolvimento de algumas doenças crónicas, como eventos cardiovasculares, obesidade ou cancro (12, 13).

3

Seguir as bases alimentares características da Dieta Mediterrânica

A Dieta Mediterrânica é considerada um dos padrões alimentares mais saudáveis a nível mundial. Ao longo dos anos, tem sido evidenciado que a adesão à Dieta Mediterrânica tem um efeito preventivo e impacto favorável em várias doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares, diabetes ou obesidade (14, 15, 16).

Este regime alimentar é baseado no consumo diário de frutas e vegetais e na inclusão de cereais integrais (como flocos de aveia e pão integral) nas refeições intermédias. O consumo regular de leguminosas (como o grão ou feijão) e de frutos oleaginosos (como as nozes ou amêndoas) é aconselhado, e as sementes são vistas como um alimento de pequena dimensão, mas nutricionalmente denso.

Para além destas características, ao seguir uma alimentação de cariz mediterrânico, há uma baixa ingestão de carne vermelha ou processada e uma ingestão moderada de lacticínios, peixe e carnes brancas.

Assim, sendo de fácil adesão e de elevada riqueza nutricional, a Dieta Mediterrânica parece ser uma estratégia alimentar eficaz para fomentar hábitos alimentares adequados capazes de reduzir os fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças crónicas.

Impacto da dieta mediterrânica na COVID-19
Veja também O papel da dieta mediterrânica na COVID-19

Conclusão

Sendo a elevada prevalência e mortalidade associada a doenças crónicas um dos principais problemas de saúde pública, torna-se urgente a adoção de medidas de prevenção e combate a estas patologias.

Apesar de serem doenças de causa multifatorial, a cessação do tabaco, a limitação do consumo de álcool, o combate ao sedentarismo e a promoção de uma alimentação nutritiva e adequada parecem ser mudanças de estilo de vida simples, mas muito eficazes.

Assim, a promoção de estratégias de prevenção baseadas nestas quatro mudanças no dia a dia da população é essencial para o estado de saúde da mesma.

Fontes

  1. World Health Organization. Noncommunicable Diseases. Disponível em https://www.who.int/health-topics/noncommunicable-diseases#tab=tab_1. Consultado a 23 de Janeiro  de 2021.
  2. Centers for Disease Control and Prevention. National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion. About Chronic Diseases. Disponível em: https://www.cdc.gov/chronicdisease/about/index.htm. Consultado a 23 de Janeiro  de 2021.
  3. World Health Organization. Chronic diseases and their common risk factors. Disponível em: https://www.who.int/chp/chronic_disease_report/media/Factsheet1.pdf?ua=1. Consultado a 23 de Janeiro  de 2021.
  4. Kopelman P. Health risks associated with overweight and obesity. Obes Rev. 2007 Mar;8 Suppl 1:13-7.
  5. Ades PA, Savage PD. Obesity in coronary heart disease: An unaddressed behavioral risk factor. Prev Med. 2017 Nov;104:117-119.
  6. Kernan WN, Inzucchi SE, Sawan C, Macko RF, Furie KL. Obesity: a stubbornly obvious target for stroke prevention. Stroke. 2013 Jan;44(1):278-86.
  7. Twig G, Afek A, Derazne E, Tzur D, Cukierman-Yaffe T, Gerstein HC, Tirosh A. Diabetes risk among overweight and obese metabolically healthy young adults. Diabetes Care. 2014 Nov;37(11):2989-95.
  8. Blagojevic M, Jinks C, Jeffery A, Jordan KP. Risk factors for onset of osteoarthritis of the knee in older adults: a systematic review and meta-analysis. Osteoarthritis Cartilage. 2010 Jan;18(1):24-33.
  9. Widmer RJ, Flammer AJ, Lerman LO, Lerman A. The Mediterranean diet, its components, and cardiovascular disease. Am J Med. 2015 Mar;128(3):229-38.
  10. Mozaffarian D, Wu JHY. Flavonoids, Dairy Foods, and Cardiovascular and Metabolic Health: A Review of Emerging Biologic Pathways. Circ Res. 2018 Jan 19;122(2):369-384.
  11. Anderson J, Baird P, Davis RH Jr, et al. Health benefits of dietary fiber. Nutr Rev. 2009;67(4):188-205. 88. Anderson J, Hanna TJ, Peng X, Kryscio RJ. Whole grain foods and heart disease risk. J Am Coll Nutr. 2000;19(3 Suppl):291S-299S.
  12. Hooper L, Martin N, Jimoh OF, Kirk C, Foster E, Abdelhamid AS. Reduction in saturated fat intake for cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2020 May 19;5(5):CD011737.
  13. Brennan SF, Woodside JV, Lunny PM, Cardwell CR, Cantwell MM. Dietary fat and breast cancer mortality: A systematic review and meta-analysis. Crit Rev Food Sci Nutr. 2017 Jul 3;57(10):1999-2008.
  14. Rees K, Takeda A, Martin N, Ellis L, Wijesekara D, Vepa A, Das A, Hartley L, Stranges S. Mediterranean-style diet for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2019 Mar 13;3(3):CD009825.
  15. Esposito K, Maiorino MI, Bellastella G, Chiodini P, Panagiotakos D, Giugliano D. A journey into a Mediterranean diet and type 2 diabetes: a systematic review with meta-analyses. BMJ Open. 2015 Aug 10;5(8):e008222.
  16. D’Innocenzo S, Biagi C, Lanari M. Obesity and the Mediterranean Diet: A Review of Evidence of the Role and Sustainability of the Mediterranean Diet. Nutrients. 2019 Jun 9;11(6):1306.
Veja também

Artigos Relacionados