Share the post "A alimentação na doença de Crohn: quais as evidências existentes?"
A dieta e a nutrição são preocupações quase sempre presentes em indivíduos com doença de Crohn. Com o objetivo de incentivar a adoção de um padrão alimentar que auxilie no controlo da doença, bem como aumentar a qualidade de vida de quem sofre de doença de Crohn, seguem algumas recomendações práticas sobre a alimentação na doença de Crohn, baseadas na evidência científica disponível.
Em que consiste a doença de Crohn?
A doença de Crohn pertence à família das doenças inflamatórias intestinais, doenças crónicas que afetam o trato gastrointestinal, como é também exemplo a Colite Ulcerosa (1).
A doença de Crohn pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal mas, na maioria dos casos, afeta principalmente o íleo e o cólon, podendo levar a défices de ingestão oral (consumo insuficiente de alimentos através da boca), à malabsorção (défices de absorção dos nutrientes no trato gastrointestinal), ao hipercatabolismo (aumento do gasto energético devido ao metabolismo aumentado pela inflamação do trato gastrointestinal) e, consequentemente, à desnutrição (2).
Alimentação na doença de Crohn: importância de uma boa dieta
Em primeiro lugar é necessário clarificar que a alimentação/dieta, não é a causa, nem será a cura da doença de Crohn. O que se sabe é que a alimentação de quem tem doença de Crohn afeta os sintomas da doença e tem um papel relevante nos mecanismos subjacentes aos processos inflamatórios característicos da doença de Crohn.
Uma boa dieta é fundamental na doença de Crohn por 3 principais ordens de razão:
1. Necessidades nutricionais do organismo aumentadas
Sendo a doença de Crohn uma doença inflamatória crónica, tende a aumentar as necessidades nutricionais do organismo, principalmente nas fases mais ativas da doença. Assim, a dieta de um indivíduo com doença de Crohn deverá ser ainda mais rica a nível nutricional do que a de um indivíduo saudável (3).
2. Existência de défices digestivos e na absorção de nutrientes
A doença de Crohn leva, usualmente, a défices digestivos e de absorção dos nutrientes, não só das vitaminas e minerais, mas também das proteínas, hidratos de carbono, gorduras e até de líquidos.
Um indivíduo com doença de Crohn pode ingerir uma dieta saudável com a mesma quantidade e qualidade de um indivíduo sem doença de Crohn mas, mesmo assim, não poderá não digerir e absorver todos os nutrientes de que necessita, simplesmente por possuir doença (4).
3. Sintomas que promovem falta de apetite
Quem tem doença de Crohn, frequentemente tem sintomas como falta de apetite, náuseas, dores abdominais, diarreias, alterações de paladar e até “medo de comer”, por receio de que esses alimentos causem mais sintomas ou agravem os mesmos.
Todos estes fatores promovem a chamada falta de apetite, que contribui para uma diminuída ingestão de alimentos, que aumenta o risco de perda de peso e desnutrição (5).
Para além do referido anteriormente, fazer uma boa alimentação na doença de Crohn irá fazer com que o organismo reaja de forma mais eficiente aos medicamentos. Em crianças e adolescentes vai ainda evitar que existam défices no crescimento e desenvolvimento por causa da doença de Crohn. Em mulheres evitará um impacto grande nas alterações hormonais que podem, inclusivamente, levar à ausência de menstruação.
Como deverá ser a alimentação na doença de Crohn?
A dieta de um indivíduo com doença de Crohn dependerá de diversos fatores: se há ou não estenoses intestinais, que partes do intestino estão mais afetadas e se a doença está ativa ou inativa.
1. Fase inativa da doença de Crohn
Os princípios nutricionais de um indivíduo com doença de Crohn inativa têm como base os princípios gerais de alimentação saudável, com vista à garantia da manutenção de um bom estado nutricional:
- Proteínas como carnes magras (mesmo se forem carnes vermelhas que sejam as partes mais magras), aves (ex: frango e peru), peixes, ovos ou soja;
- Hidratos de Carbono com fibra solúvel (ex: aveia e cevada);
- Frutas (mas preferencialmente sem pele e grainhas);
- Legumes cozidos;
- Suplementos vitamínicos e minerais se aconselhados pelos profissionais de saúde que o acompanham;
- Ingerir cerca de 2l de líquidos por dia (preferencialmente água ou infusões), para prevenir a desidratação. Por exemplo, se houver diarreia (o que pode acontecer recorrentemente) a ingestão de líquidos deverá ser superior.
2. Fase ativa da doença de Crohn
Durante a fase ativa da doença, relembrando que não será a alimentação que vai “estagnar”/curar a fase ativa da doença de Crohn, deverão ser evitados (5):
- Alimentos que por experiências anteriores já identificou que lhe trazem desconforto ou agravam os sintomas;
- Alimentos com teores de fibra alimentar elevados (ex: leguminosas, cereais integrais, ameixas secas);
- Oleaginosas e sementes (ex: nozes, chia, linhaça);
- Alimentos ou bebidas com álcool, cafeína ou picantes;
- Frutas e vegetais crus;
- Produtos lácteos (dentro das doses que sabe que poderá não tolerar);
- Comer grandes quantidades de alimentos de uma vez.
No sentido contrário, durante as fases ativas da doença de Crohn é aconselhado:
- Fazer refeições pequenas mas frequentes;
- Tomar suplementos vitamínicos e minerais se aconselhados pelos profissionais de saúde que o acompanham;
- Consumir como principais fontes de proteína carnes magras como aves, peixe e soja;
- Vegetais ou fruta bem cozidos e sem pele, se for o caso (e.g. batata bem cozida e sem pele);
- Cereais refinados e simples (e.g. arroz branco);
- Refeições simples e pouco condimentadas.
É também de salientar que se aconselha um estilo de vida ativo, com a prática de exercício físico, e uma exposição diária de, pelo menos, 15 a 20 minutos de sol diariamente para evitar défices de vitamina D, usualmente encontrados nesta população (6).
Em conclusão…
Ressalta-se a importância da alimentação saudável na promoção da qualidade de vida do indivíduo com doença de Crohn, alertando para que cada indivíduo aprenda a conhecer a sua doença, que alimentos o fazem melhorar ou piorar os sintomas, e para que varie, dentro do possível, os alimentos e métodos de confeção que tem disponíveis.
O prazer da alimentação tem que continuar a estar presente no quotidiano alimentar de quem tem doença de Crohn, sob pena de tornar a alimentação numa prática repetitiva, sem sabor, penosa e que induz sofrimento e receio constante.
A informação presente neste artigo, não invalida a necessidade de um acompanhamento personalizado com o seu médico e nutricionista, sobre os princípios alimentares a seguir na sua situação específica.
Veja também:
- O que é a colite? Quais as causas, sintomas e tratamento?
- Síndrome do Intestino Irritável: o que é e como controlar?
- Colite nervosa: o que precisa saber
- Conheça as implicações da colite ulcerosa no doente
Fontes
1. Yamamoto-Furusho, J.K. et al. (2016). Diagnóstico y tratamiento de la enfermedad inflamatoria intestinal: Primer Consenso Latinoamericano de la Pan American Crohn’s and Colitis Organisation. Disponível em:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0375090616300829
2. Donnellan, C. et al. (2013): Nutritional management of Crohn’s disease. Therap Adv Gastroenterol. 6(3):231–42. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23634187
3. Diestel, C. et al. (2012). Tratamento Nutricional nas Doenças Inflamatórias Intestinais. Rev do Hosp Univ Pedro Ernesto, UERJ. 52–8. Disponível em:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistahupe/article/view/9008
4. Mahan, L.K. et al. (2017). Krause´s Food & The Nutrition Care Process. 14a. Disponível em:
https://evolve.elsevier.com/cs/product/9780323340755?role=student
5. Mowat, C. et al. (2011). Guidelines for the management of inflammatory bowel disease in adults. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21464096
6. Nair, R. et al. (2012). Vitamin D: The “sunshine” vitamin. J Pharmacol Pharmacother. 3(2):118-26. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22629085