Share the post "Alimentação do bebé: as mais recentes recomendações para a diversificação alimentar"
Quando o tema é a alimentação do bebé, nomeadamente o que deve ou não deve comer em cada mês durante o primeiro ano de vida, apesar de existirem recomendações, deverá, acima de tudo, existir flexibilidade, visto que os bebés são todos diferentes e, por isso, não há verdades científicas absolutas.
No que diz respeito à elaboração das recomendações relativas à alimentação do bebé, a ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) são os principais organismos responsáveis.
Alimentação do bebé: 0 a 4 meses
Até aos 4 meses de idade (podendo ir até aos 6 meses), a alimentação do bebé deverá ser exclusivamente à base de leite materno, visto que este alimento assegura um crescimento, desenvolvimento e saúde ótimos do bebé.
De acordo com a ESPGHAN não se encontram diferenças significativas na evolução ponderal nem na probabilidade de doença celíaca ou alergias alimentares entre crianças amamentadas em exclusivo até aos 4 meses e aquelas amamentadas até aos 6 meses (recomendação da OMS), apenas um pequeno aumento da probabilidade de infeções respiratórias (1).
De facto, verifica-se uma associação entre aleitamento materno e menor risco de infeções, asma, obesidade, diabetes, leucemia, síndrome da morte súbita no lactente, entre outras situações clínicas.
Quando o bebé é amamentado com leite materno, não há necessidade de oferecer água, chás ou qualquer outro alimento, visto que o leite materno tem tudo o que o bebé precisa para crescer de forma saudável e adequada.
É ainda importante salientar que o leite materno sofre alterações na composição ao longo do tempo e durante a mesma mamada, daí ser muito importante que o bebé esvazie a mama a cada mamada.
É ainda desejável que o aleitamento materno acompanhe todo o programa de diversificação alimentar (introdução de novos alimentos) até aos 2 anos de idade.
Alimentação do bebé dos 4 – 12: diversificação alimentar
Após os 4 meses, o leite materno ou artificial poderá ser insuficiente para suprir as necessidades energético-proteicas e em micronutrientes, em particular de ferro, do bebé.
Neste sentido, inicia-se uma nova etapa no desenvolvimento infantil com a introdução da alimentação complementar ou alimentação diversificada.
Este processo consiste, portanto, na introdução de outros alimentos que não o leite materno, de textura progressivamente menos homogénea, até à inserção na alimentação da família, que ocorrerá a partir dos 12 meses.
Esta etapa é fundamental para o desenvolvimento infantil. Além das questões nutricionais, mastigar, pegar na colher e estabelecer novos horários para as refeições, altera a dinâmica do dia-a-dia do bebé, preparando-o para novos comportamentos, mais próximos e integrados nas rotinas da família.
Diversificação alimentar: as últimas atualizações
Como já foi sendo percetível ao longo do artigo, as recomendações para a diversificação alimentar têm vindo a ser alteradas de acordo com as evidências mais atuais apontadas pela ESPGHAN, que defende o início mais precoce da diversificação alimentar e que não há uma ordem nem mês de vida preferencial para a introdução dos alimentos. De facto, até os alimentos alergénicos podem ser introduzidos a partir dos 4 meses.
Introdução da sopa de legumes
Neste contexto, o primeiro alimento a ser introduzido deverá ser o creme / sopa de legumes com carne ou com peixe (cerca de 10 a 15 gramas /por sopa, inicialmente e vai gradualmente aumentando) para assegurar a ingestão de ferro, o primeiro nutriente a ficar em risco de deficiência.
Inicialmente o creme deverá ser básico e conter poucos legumes, sendo, posteriormente e de forma gradual, introduzidos mais legumes para verificar possíveis situações de alergia alimentar.
A esta sopa não deve ser adicionado sal, mas deve ser adicionado 2.5 a 5 ml de azeite em cru, na medida em que a gordura insaturada é de extrema importância para a estruturação das membranas celulares e maturação do sistema nervoso central e imunológico.
A consistência deste creme deve ser cada vez menos líquida, para que o bebé se vá adaptando a diferentes texturas, fundamentais para o desenvolvimento dentário.
Papas de Cereais
Além da sopa, a papa de cereais era, tradicionalmente, dos primeiros alimentos a ser introduzido na alimentação do bebé, visto que oferece hidratos de carbono, proteínas de origem vegetal, vitaminas e minerais e têm elevado valor energético (cerca de 400 kcal/100g).
Estas papas podem ser de dois tipos: papas lácteas, que deverão ser reconstituídas com água, visto que já contêm leite na sua composição, e papas não lácteas, que podem ser reconstituídas com leite materno ou adaptado.
Até aqui, se a sua introdução de papa fosse feita antes dos 6 meses, defendia-se que a papa deveria ser sem glúten, visto que esta proteína é alergénica, podendo aumentar a possibilidade da criança desenvolver doença celíaca.
No entanto, as revisões sistemáticas mais atuais concluíram que os alimentos alergénicos, incluindo também o ovo e o amendoim, podem ser introduzidos nesta fase, diminuindo inclusive o risco alérgico comparativamente à sua introdução posterior.
No caso particular do glúten, a única ressalva é que a quantidade consumida deverá ser reduzida ao longo dos primeiros anos de vida de modo a prevenir ocorrência de doença celíaca.
O que não oferecer?
Leite de vaca
O leite de vaca não deve ser oferecido como bebida principal à criança antes dos 12 meses de idade, embora pequenos volumes possam ser adicionados aos alimentos complementares como as papas.
O consumo de grandes quantidades de leite de vaca é um dos fatores que predispõe a anemia, provavelmente porque este não é rico em ferro, pode diminuir a absorção de ferro presente nos alimentos de origem vegetal, que, por si só, já é menos disponível, e porque substitui os alimentos ricos em ferro, como a carne, nas refeições principais da criança.
Além disso, um consumo superior a 600mL de leite de vaca nos primeiros meses de vida foi associado também a um maior risco de obesidade aos 10 anos. O consumo de leite de outros animais (cabra ou ovelha) segue os mesmos princípios.
Mel
O consumo de mel é desaconselhado até aos 12 meses por dois motivos: ser basicamente pelo açúcar e pelo risco de botulismo associado (por não ser pasteurizado).
Chá de funcho
Usado para o tratamento de cólicas, não há segurança do seu uso em crianças, devido à presença de compostos carcinogénicos (em adultos um consumo esporádico não atingirá valores preocupantes).
Bebidas de arroz
Devido ao teor em arsénico, um metal pesado com consequências nocivas para o organismo – as outras bebidas vegetais podem ser introduzidas em pequenas quantidades, mas nunca como bebida principal.
Açúcar e alimentos ricos em açúcar
A adição de açúcar à alimentação do bebé, assim como a de sal, está amplamente desaconselhada para não potenciar hábitos alimentares menos saudáveis ao longo da infância (2).
Alimentação do bebé a partir dos 12 meses
A partir desta idade, a criança deve fazer uma ingestão alimentar regular, fracionada ao longo do dia por 5 a 6 refeições: 2 a 3 refeições lácteas (cerca de 500ml de leite), duas refeições principais com carne, peixe ou ovo (nesta fase, já inteiro) e com legumes (2 sopas), e uma de cereais.
Genericamente, a partir desta idade, a alimentação do bebé, pode ser a da família embora se deva ter sempre algum cuidado com os refogados, picantes, fritos, doces e salgados.
A partir desta idade, pode também ser introduzido o leite de vaca, devendo ser privilegiada a versão meio gordo.
Outras recomendações
- A única gordura de confeção permitida é o azeite, pelas vantagens nutricionais que apresenta
- É também importante reforçar que as crianças têm oscilações de apetite, pelo que não deverá ser motivo de preocupação a criança não querer comer um dia ou outro
- Com a introdução da alimentação complementar é importante oferecer água engarrafada ao bebé nos intervalos das refeições, em pequenas quantidades
- A introdução de novos alimentos exige aprendizagem e adaptação a novas texturas e sabores, sendo, por isso, natural que alguns bebés recusem os alimentos e precisem de algum tempo para se habituar à nova dieta. É importante insistir e não dissimular os alimentos rejeitados com outros nem substituir a refeição por leite
- Nunca se deve deixar a criança sozinha enquanto estiver a comer, nem que seja uma bolacha ou um pedaço de pão
- Dietas vegetarianas deverão ser sempre supervisionadas por um profissional de saúde qualificado sob pena de induzirem deficiência de macro e micronutrientes fundamentais, incluindo vitamina B12, vitamina D, ácidos gordos Ómega 3 e ferro
- Também é importante realçar que o primeiro ano de vida constitui uma importante janela de oportunidade para a criação de hábitos alimentares saudáveis, a qual deve ser bem aproveitada pelos pais
Principais conclusões sobre a alimentação do bebé
As recomendações para diversificação alimentar foram revistas e atualizadas recentemente.
Pode iniciar a diversificação alimentar a partir dos 4 meses, sendo a prioridade os alimentos ricos em ferro, em particular a sopa de legumes com carne ou peixe e azeite.
Deverá evitar o sal e o açúcar e ir variando os sabores, pois o único sabor inato é o doce e a aceitação de sabores amargos, como o de alguns legumes, é melhorada após exposição repetida;
Não retarde a introdução de alimentos alergénicos na alimentação do bebé, varie a consistência das refeições para promover a mastigação e a autonomia e respeite os sinais de fome e saciedade da criança.
1. Fewtrell, Mary et al, 2017. “A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition”. Disponível em: https://journals.lww.com/jpgn/Fulltext/2017/01000/Complementary_Feeding___A_Position_Paper_by_the.21.aspx
2. SCIMED, 2018. “Desmistificando a diversificação alimentar – abandonemos as normas da SPP”. Disponível em: https://www.scimed.pt/geral/dietas/desmistificando-a-diversificacao-alimentar-abandonemos-as-normas-da-spp/