Share the post "Glutamina: benefícios, uso e efeitos secundários deste aminoácido"
A glutamina constitui cerca de 60% de todos os aminoácidos livres existentes no nosso corpo. Pelo facto de poder ser sintetizada a partir de outros aminoácidos como o ácido glutâmico, a valina e a isoleucina, é considerado um aminoácido semi-essencial.
É produzida nos músculos e, depois, disseminada pelos restantes órgãos através do sangue. Por essa razão, é um dos aminoácidos mais abundantes no tecido muscular e no plasma sanguíneo (que circula por todo o organismo) (1). Para além da produção endógena, a glutamina pode ser encontrada numa grande variedade de alimentos, principalmente de origem animal.
Alimentos ricos em glutamina
Estima-se que, em média, a dieta forneça cerca de 3 a 6 g de glutamina por dia, mas estes valores podem variar com o tipo de padrão alimentar seguido (2). Abaixo estão listados alguns dos alimentos com maior teor de glutamina:
Alimento | por 100 g | % |
Ovos | 0,6 g | 4,4% |
Carne de vaca | 1,2 g | 4,8% |
Leite | 0,3 g | 8,1% |
Tofu | 0,6 g | 9,1% |
Arroz | 0,3 g | 11,1% |
Milho | 0,4 g | 16,2% |
Embora alguns alimentos contenham grandes teores de glutamina, apresentam quantidades mais baixas de proteína totais (3). Desta forma, a carne e os alimentos de origem animal constituem as fontes mais simples de obter glutamina na alimentação (embora virtualmente qualquer alimento com proteína contenha uma quantidade deste aminoácido).
No entanto, sob algumas circunstâncias (como lesões ou algumas doenças), as necessidades são superiores à nossa capacidade de produção e, por essa razão, a glutamina é considerada um aminoácido condicionante (4).
Glutamina em contexto clínico
A glutamina tem vindo a ser alvo de estudo durante alguns anos. Fisiologicamente, este aminoácido promove a proliferação de células intestinais, regula a expressão das proteínas que constituem as junções célula-célula, suprime as vias sinalizadoras de inflamação e protege as células contra a apoptose (morte celular programada) e stress celular, tanto em indivíduos saudáveis como doentes (14).
No entanto, nem todos os autores estão de acordo com os benefícios da suplementação deste aminoácido em casos específicos. No caso dos doentes críticos, por exemplo, não há evidência que suporte a administração endovenosa de aminoácidos de forma individual e que, no caso da glutamina, essa prática possa ser mais deletéria do que benéfica (17).
Glutamina e sistema imunitário
A importância da glutamina passa pelo seu papel no sistema imune. Constitui a principal fonte de energia para as células da imunidade, incluindo glóbulos brancos e algumas células intestinais (5). No entanto, a sua concentração plasmática pode sofrer diminuição no caso de doentes traumatizados, queimados ou cirúrgicos (6,7).
Nestes casos, em que as necessidades fisiológicas são superiores à capacidade de síntese, o nosso corpo pode necessitar de mobilizar as proteínas das reservas muscular de forma a equilibrar os valores séricos de glutamina o que, em casos mais graves, conduz a caquexia, uma síndrome multifatorial que consiste em atrofia muscular, perda de peso e fraqueza generalizada (8).
Para além disso, esta situação pode comprometer o funcionamento do sistema imune, aumentando a incidência de complicações infeciosas bem como o tempo de estadia nos hospitais e os custos associados aos doentes (9). Por estas razões a prescrição de dietas hiperproteicas, muitas vezes suplementadas com glutamina é cada vez mais comum em doentes cirúrgicos, traumatizados e queimados (10).
Tirando estes casos, não existe grande evidência científica que suporte os benefícios da sua suplementação em adultos saudáveis, uma vez que a produção interna, associada à glutamina da dieta, são suficientes para atingir as necessidades diárias. Em alguns casos, doses crónicas deste suplemento podem causar efeitos secundários importantes no sistema imunitário e na produção de amónia, um agente neurotóxico (11).
Glutamina e HIV
O papel dos antioxidantes na prevenção da morte celular programada (apoptose) está já bem documentado. Um deles, a glutationa, é um produto do metabolismo da glutamina, contribuindo para o aumento da massa magra em doentes com HIV (27).
Está descrito que a ingestão oral de glutamina, em doses de 40 g/dia produzem efeitos benéficos marcados na gestão da mucosite oral, uma complicação frequente em doentes imuno-deprimidos, prevenindo a perda de peso não intencional (27).
Glutamina e saúde gastrointestinal
Os benefícios da glutamina no sistema imune estão diretamente associados ao seu papel na saúde intestinal. Este órgão é considerado a maior porção do sistema imune do ser humano, tanto devido aos muitos tipos de células com função de proteção como à microbiota intestinal que lá existe (12).
Como já foi referido, a glutamina é a fonte energética preferencial dos enterócitos e células da imunidade (5). Apesar dos vários processos da imunidade intestinal, a barreira mais crítica contra a invasão de microrganismos e produtos microbianos é o próprio epitélio intestinal.
Em condições normais, as junções firmes excluem o movimento de bactérias e outras moléculas, no entanto, nos casos em que a estrutura intestinal é afetada, estas junções podem ficar mais fracas, permitindo a movimentação de microorganismos causadores de doença para a corrente sanguínea.
A glutamina, enquanto agente energético, tem um papel na prevenção deste fenómeno denominado, em inglês de leaky gut (13).
Relativamente às complicações da quimio e/ou radioterapia no tratamento dos cancros do colon e colorretal, as revisões mais recentes indicam que a glutamina pode ter um papel no controlo da mucosite intestinal e na diarreia, ao mesmo tempo que promove um balanço proteico positivo, melhorando o sistema imune e auxiliando na cicatrização (no caso de o doente ser submetido a cirurgia) (16).
Glutamina e performance desportiva
Devido ao seu conhecido papel na síntese proteica, a glutamina tem vindo a ser estudada como potenciadora da hipertrofia (aumento de massa muscular) e da performance desportiva.
No entanto, vários estudos concluem que a glutamina não tem o efeito ergogénico proposto durante anos (18,19,20). Ainda assim, alguns estudos apontam para um efeito na diminuição da dor muscular e recuperação após o exercício intenso (21), especialmente quando à glutamina se juntam hidratos de carbono, em doses de 70 mg/kg/dia e 1 g/kg/dia respetivamente (22).
Assim, em termos desportivos, os suplementos de glutamina não aumentam a força nem promovem o aumento do músculo; podem, no entanto, ajudar na recuperação e na redução da fadiga após o exercício.
Por fim, relativamente à recuperação das reservas de glicogénio gastas após uma sessão de treino intenso, não houve melhorias neste processo após suplementação com glutamina (26). Importa salientar que a maior parte dos atletas consome quantidades diárias de proteínas acima das recomendações diárias pelo que, mesmo não suplementando glutamina, obtêm também quantidades elevadas deste aminoácido.
Dose, segurança e efeitos secundários da glutamina
De uma forma geral, a utilização a curto prazo de qualquer suplemento é considerada segura para a população adulta. Uma vez que a glutamina é o aminoácido mais abundante no nosso corpo, não se espera que quantidades “normais” tenham efeitos negativos para a saúde.
Estima-se que a dieta forneça cerca de 3 a 6 g de glutamina por dia, mas estes valores podem variar com o tipo de padrão alimentar seguido (2). Os estudos realizados com os suplementos de glutamina utilizam doses muito variáveis (de 5 a 45 g/dia) e, embora não se tenha detetado efeitos negativos, mesmo no caso das doses mais elevadas, a verdade é que os marcadores sanguíneos não foram examinados especificamente.
Uma vez que não há dados relativamente às doses máximas de ingestão da maior parte dos aminoácidos – e em particular da glutamina – é ainda impossível dar informação sobre a toxicidade causada pela suplementação em doses suprafisiológicas. Em teoria, os efeitos diretos da glutamina incluem a elevação sérica de produtos finais do metabolismo como a amónia, a competição/antagonismo com outros aminoácidos e efeitos na função renal e hepática (26).
Por fim, é possível que a suplementação deste aminoácido não apresente qualquer efeito se o padrão alimentar for baseado em proteínas de alto valor biológico (carne, peixe, ovo). No entanto, no caso de seguir uma dieta baseada em proteína de origem vegetal – cujo conteúdo original em glutamina é naturalmente baixo – é possível que a suplementação com este aminoácido, numa dose diária de 5 gramas, seja benéfica a curto e segura a longo prazo.
Conclusão
A glutamina é um aminoácido semi-essencial que desempenha um papel preponderante na regulação do sistema imune. No entanto, em casos em que as necessidades são aumentadas, o organismo pode não ter capacidade de a produzir nas quantidades necessárias, sendo preciso recorrer a suplementação.
Os suplementos promovem melhorias da função imune e preservam as reservas proteicas do corpo.
O intestino é um interveniente major do sistema imune e, sendo a glutamina o substrato preferencial dos enterócitos e células da imunidade, ajuda a manter a barreira que o separa do resto do organismo, protegendo da translocação bacteriana.
A toma de suplementos, mesmo associada a uma dieta hiperproteica, é considerada segura. No entanto, carecemos de estudos que analisem a forma como a glutamina interage com os restantes aminoácidos, bem como na forma como são geridos os produtos tóxicos do seu metabolismo. São necessários mais estudos, a longo prazo, para determinar a sua efetiva segurança.