Várias dietas e estratégias nutricionais são regularmente promovidas com o objetivo de perda de peso. Contudo, para que realmente funcionem, todas elas têm de respeitar um princípio básico: o défice calórico.
Mas antes de falarmos sobre o défice calórico em si, é importante mencionar a definição de calorias: “A quantidade de energia necessária para elevar a temperatura de 1 grama de água em cerca de 1 grau Celsius”.
Tal como o metro é uma unidade utilizada para medir distâncias, a caloria é uma unidade que mede energia.
Diariamente consumimos e despendemos calorias, e o seu equilíbrio, chamado balanço energético, pode variar de 3 formas:
- Equilíbrio calórico: o consumo de calorias é igual ao dispêndio, resultando na manutenção de peso
- Excedente calórico: o consumo de calorias é superior ao dispêndio, resultando em ganho de peso
- Défice calórico: o consumo de calorias é menor que o dispêndio, resultando em perda de peso
De modo a entender este conceito de forma mais intuitiva, podemos utilizar a analogia da conta bancária.
Imagine que atualmente tem 10.000€ na sua conta. No final do mês pode ocorrer uma de 3 situações:
- Manter essa quantia caso gaste tudo o que ganhar
- Aumentar essa quantia caso gaste menos do que ganhou
- Reduzir essa quantia caso gaste mais do que ganhou
Seguindo a lógica desta analogia, se ficou em défice, teve de utilizar parte do dinheiro que tinha guardado inicialmente para suprir as suas necessidades financeiras. No caso da gestão de peso, quando se encontra num défice calórico ,consumindo menos calorias do que gasta diariamente, o seu corpo terá de utilizar as suas reservas energéticas enquanto combustível para suprir as suas necessidades diárias, resultando em perda de peso.
Como podemos então criar esse défice calórico? Para respondermos a essa questão, teremos de começar por relembrar como gastamos energia diariamente.
Como gastamos calorias?
Embora exista a ideia de que não gastamos calorias quando estamos a dormir, ou que apenas despendemos quando fazemos exercício, a realidade é que estamos constantemente a gastar energia.
O nosso dispêndio energético diário total pode ser dividido em 3 componentes:
- Taxa metabólica de repouso: energia gasta para manter as nossas funções vitais, representando cerca de 50-70% do nosso dispêndio energético diário total. Esta componente depende quase totalmente da nossa composição corporal, embora a idade e genética também possam ter alguma influência
- Efeito térmico dos alimentos: energia gasta durante o processo de digestão e absorção dos alimentos consumidos, representando cerca de 10-15% do nosso dispêndio energético diário total. Esta componente irá depender sobretudo da composição da nossa dieta, em que os macronutrientes gordura, hidratos de carbono e proteína apresentam um efeito térmico de 0-3%, 5-10% e 20-30%, respetivamente
- Atividade física e exercício: energia gasta em atividades com um dispêndio acima do repouso, representando cerca de 20-30% do nosso dispêndio energético diário total. Esta é a única componente que depende sobretudo dos nossos comportamentos, podendo variar substancialmente entre pessoas de acordo com os seus níveis de atividade física
Como criar um défice calórico?
De modo a garantir que estamos a consumir menos calorias do que as que gastamos diariamente, podemos utilizar uma de 3 formas:
- Reduzir o nosso consumo calórico para valores inferiores ao dispêndio
- Elevar o nosso dispêndio calórico para valores acima do nosso consumo
- Combinação de ambos
Independentemente da estratégia nutricional utilizada, a evidência científica atual sugere que a melhor dieta e a forma ideal de criar um défice calórico é aquela que permitir à pessoa aderir ao processo (1, 2).
No entanto, apesar da preferência e conveniência pessoal serem fatores determinantes a ter em conta, uma análise dos hábitos atuais da pessoa poderá determinar qual a melhor estratégia a utilizar. Por exemplo, uma pessoa que seja sedentária poderá começar por um aumento consciente dos seus níveis de atividade física diários. Por outro lado, não faria sentido pedir a uma pessoa muito ativa que aumentasse ainda mais os seus níveis de atividade física.
A nível nutricional, algumas das dietas e estratégias mais conhecidas utilizam formas de colocar a pessoa inconscientemente num défice calórico. Por exemplo:
- Dieta baixa em hidratos de carbono: elimina substancialmente o consumo de um macronutriente que geralmente representa cerca de 45-55% da alimentação diária da pessoa, tendo o potencial de reduzir a quantidade calórica total da dieta
- Jejum intermitente: reduz o espaço temporal em que a pessoa come, tendo o potencial de reduzir a quantidade calórica total da dieta
Embora inúmeras estratégias nutricionais possam ser utilizadas, a evidência científica atual sugere que se duas dietas apresentarem o mesmo balanço calórico, as diferenças ao nível da perda de peso serão insignificantes Por exemplo, utilizar uma restrição contínua ou intermitente parece induzir resultados semelhantes (3, 4).
A manipulação do rácio de gordura e hidratos de carbono parece também ter pouco ou nenhum impacto na composição corporal caso o consumo de calorias e proteína sejam iguais (5). No entanto, é possível que a sensibilidade à insulina da pessoa possa ser uma ferramenta importante para determinar o rácio de gordura e hidratos de carbono mais favorável (6).
Défice calórico: isto significa que apenas as calorias importam?
Num contexto exclusivo de perda de peso podemos dizer que sim, apenas temos de nos focar em criar um défice calórico. No entanto, para garantir uma perda de peso sustentável e com qualidade, é importante que não esqueçamos de determinados pontos fundamentais.
Manutenção da massa magra
Preservar a massa magra durante uma fase de perda de peso é fundamental não só por motivos estéticos, mas também de modo a evitar um aumento substancial do apetite.
Este é um ponto importantíssimo visto que vários estudos demonstraram que quem perde mais massa magra recupera mais peso nos meses seguintes (7), assim como um consumo calórico excesso que apenas ficou controlado quando a massa magra foi totalmente recuperada, levando a um ganho de massa gorda que superou os valores iniciais (8).
Assim, alguns pontos devem ser tidos em consideração para preservar ao máximo a massa magra:
- Consumo proteico adequado (9, 10)
- Prática de exercício, especialmente treino de força (11)
- Controlo do sono (12)
Controlo de apetite
De modo a garantir uma boa adesão ao plano, é importante utilizar estratégias que permitam o controlo do nosso apetite. Assim, algumas estratégias que podem ser utilizadas para evitar um aumento indesejado da fome são:
- Consumo proteico adequado (13)
- Aumentar o consumo de alimentos ricos em fibra e água como frutas e vegetais (14)
- Reduzir a densidade energética (número de calorias por quantidade de alimento) das refeições (15)
Saúde
Quando estamos num défice calórico, podemos comprometer o aporte de determinados micronutrientes (vitaminas e minerais) como consequência da restrição alimentar. Assim, embora seja possível inserir alimentos mais pobres nutricionalmente na nossa dieta, devemos privilegiar o consumo de alimentos ricos de modo a evitar insuficiências nutricionais. Uma referência básica é tentar garantir que 80-90% da nossa alimentação é composta por alimentos ricos nutricionalmente.
Por fim, é importante relembrar que embora o conceito de défice calórico seja simples, colocá-lo em prática pode ser dificultado por vários mecanismos compensatórios que tentam impedir a desejada perda de peso (16, 17). Assim, o acompanhamento de um profissional qualificado – nutricionista – pode ser chave para o sucesso não só no alcance dos seus objetivos, como também da sua manutenção.
1. Alhassan, S., et al. (2008). Dietary adherence and weight loss success among overweight women: results from the A TO Z weight loss study. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18268511
2. Del Corral, P., et al. (2011). Dietary adherence during weight loss predicts weight regain. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21164500
3. Freire, R. (2019). Scientific evidence of diets for weight loss: Different macronutrient composition, intermittent fasting, and popular diets. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31525701
4. Harris, L., et al. (2018). Intermittent fasting interventions for treatment of overweight and obesity in adults: a systematic review and meta-analysis. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29419624
5. Hall, K. D., & Guo, J. (2017). Obesity Energetics: Body Weight Regulation and the Effects of Diet Composition. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28193517
6. Cornier, M. A., et al. (2005). Insulin sensitivity determines the effectiveness of dietary macronutrient composition on weight loss in obese women. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15897479
7. Vink, R. G., et al. (2016). The effect of rate of weight loss on long-term weight regain in adults with overweight and obesity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26813524
8. Dulloo, A. G., Jacquet, J., & Girardier, L. (1996). Autoregulation of body composition during weight recovery in human: the Minnesota Experiment revisited. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8696417
9. Helms, E. R., et al. (2014). A systematic review of dietary protein during caloric restriction in resistance trained lean athletes: a case for higher intakes. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24092765
10. Jäger, et al. (2017). International Society of Sports Nutrition Position Stand: protein and exercise. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28642676
11. Stiegler, P., & Cunliffe, A. (2006). The role of diet and exercise for the maintenance of fat-free mass and resting metabolic rate during weight loss. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16526835
12. Nedeltcheva, A. V., et al. (2010). Insufficient sleep undermines dietary efforts to reduce adiposity. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20921542
13. Westerterp-Plantenga, M. S., Lemmens, S. G., & Westerterp, K. R. (2012). Dietary protein – its role in satiety, energetics, weight loss and health. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23107521
14. Chambers, L., McCrickerd, K., & Yeomans, M. R. (2015). Optimising foods for satiety. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924224414002386
15. Rolls, B. J. (2009). The relationship between dietary energy density and energy intake. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19303887
16. Casanova, N., et al. (2019). Metabolic adaptations during negative energy balance and their potential impact on appetite and food intake. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30777142
17. Melby, C. L., et al. (2017). Attenuating the Biologic Drive for Weight Regain Following Weight Loss: Must What Goes Down Always Go Back Up? Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28481261