O trato gastrointestinal desempenha um papel fundamental no transporte de nutrientes, hidratos de carbono e fluidos durante o exercício prolongado, sendo que o seu correto funcionamento é determinante no rendimento desportivo. Por sua vez, o desconforto trato gastrointestinal durante o treino é bastante comum, especialmente em atletas de endurance, cujo exercício se carateriza pela sua alta duração e elevada intensidade.
Na verdade, 30 a 50% dos atletas parecem experienciar algum tipo de sintomatologia associada, nomeadamente diarreia, vómitos, náuseas e, mais concretamente, a sensação de inchaço na região abdominal.
Desconforto gastrointestinal durante o treino
Porque é que acontece?
O exercício resulta em várias alterações ao nível do trato gastrointestinal, sendo que a maioria das suas funções não é alterada a intensidades baixas. No entanto, estas são progressivamente afetadas a intensidades elevadas. Algumas dessas alterações incluem a redução do fluxo sanguíneo ao nível mesentério (órgão que envolve o intestino) e do esvaziamento gástrico pela diminuição dos movimentos peristálticos associado a um maior período digestivo. Em resultado, a absorção e digestão de determinados nutrientes pode ficar comprometida.
Assim, existindo a possibilidade do comprometimento da performance e da recuperação subsequente, a definição de estratégias nutricionais que permitam atenuar ou mesmo resolver este tipo de eventos deve ser vista como uma mais valia para o atleta / indivíduo.
Sabendo que o trato gastrointestinal é altamente adaptável e, sendo possível ‘treiná-lo’ para que tolere volumes progressivamente superiores de alimentos, surge frequentemente na literatura o termo ‘training the gut’ (ou ‘treinar o intestino’).
Esta ‘estratégia nutricional’ pode ser particularmente interessante em desportos que envolvam uma atividade contínua e de longa duração, nos quais o desportista depende em maior grau da ingestão de nutrientes durante a prova, comparativamente a provas mais curtas, nas quais essa ingestão não será tão preponderante, ao diminuir a incidência de distúrbios do trato gastrointestinal durante o exercício.
O ciclismo, a maratona ou o triatlo são alguns dos desportos em que este tipo de estratégias terá um impacto significativo, pela maior dependência destes praticantes na ingestão de quantidades elevadas de HC e fluidos a consumir.
Estratégias nutricionais para evitar o desconforto
Alguns exemplos práticos de como aplicar esta estratégia em particular incluem:
- ingerir volumes relativamente grandes de fluídos durante o treino;
- treinar logo após uma refeição;
- durante o treino, ingerir uma quantidade considerável de hidratos de carbono (bebidas desportivas, géis, alimentos sólidos ricos em açúcares como marmelada ou ‘barras energéticas’), de modo a mimetizar as circunstâncias da prova;
- simular um treino/corrida recorrendo a um plano alimentar desenhado
especificamente para o dia da competição.
Estes passos podem ajudar na redução da sensação de ‘inchaço’ durante o exercício, no aumento da velocidade da digestão, numa maior capacidade de absorção de hidratos de carbono e, consequentemente, no seu transporte para os músculos em exercício, pela maior tolerabilidade e adaptação do intestino a este novo tipo de práticas.
Suplementos alimentares
A ingestão de determinados suplementos pode estar associada à incidência de sintomatologia gastrointestinal.
Bicabornato
Embora a evidência científica ‘jogue a seu favor’ no que diz respeito ao impacto positivo na performance desportiva, a sua ingestão deve ser testada aquando do treino, devido ao seu sabor ‘francamente mau’ e possíveis distúrbios gastrointestinais associados à sua toma.
Cafeína
Não há dúvidas acerca do potencial efeito benéfico da cafeína ao nível do rendimento desportivo.
No entanto, pessoas com uma maior ‘sensibilidade gástrica’ poderão experienciar algum desconforto GI, pelo que, do mesmo modo do bicarbonato, a sua suplementação deverá ser testada no treino, com uma dosagem ajustada ao peso.
Suplementos proteicos
Suplementos proteicos como a proteína de soro (vulgarmente conhecida como proteína whey) são desaconselhados previamente ao treino/competição.
A sua ingestão será mais interessante após a prova, numa perspetiva de recuperação.
Assim, na balança do risco-benefício, as vantagens da suplementação poderão, em alguns casos, não compensar os riscos decorrentes da suplementação, principalmente em indivíduos com um historial de queixas gastrointestinais frequentes.
No entanto, sendo estes suplementos particularmente interessantes no contexto de provas longas e intensas, é perfeitamente possível incluí-los num plano alimentar personalizado e, ao mesmo tempo, evitar efeitos adversos decorrentes da sua ingestão no contexto de treino/competição.
Fibra, gordura, proteína
Apesar de, em alguns casos, a nutrição não estar relacionada com o desconforto gastrointestinal, algumas práticas estão associadas à incidência deste tipo de distúrbios, nomeadamente a ingestão de alimentos ricos em fibra, gordura, proteína ou de soluções/bebidas com uma alta concentração de HC durante o exercício ou nos momentos que antecedem o mesmo.
Alimentos ricos em fibra
O consumo de alimentos ricos em fibra, nomeadamente os legumes e leguminosas deve ser evitado no dia da prova e, eventualmente, no dia anterior à mesma.
Para o atleta, uma dieta rica em fibra é importante para manter o intestino fem funcionamento. No dia da prova é diferente. Por definição, a fibra não é digerível e o aumento dos movimentos intestinais durante o exercício não é, de todo, desejável, podendo mesmo contribuir para a perda de líquidos e aparecimento de caibras.
Na preparação para uma competição, recomenda-se uma dieta pobre em fibra (ou mesmo alguns dias antes), especialmente em indivíduos propensos a desenvolver sintomas gastrointestinais.
Se, no seu caso, estes sintomas forem comuns, escolha, previamente ao evento competitivo, alimentos como massas ou arroz branco em vez de pão integral, cereais enriquecidos em fibra ou arroz integral.
Alimentos ricos em gordura
A ingestão de alimentos com um elevado teor de gordura, para além de, intrinsecamente menos saudáveis, pode induzir desconforto gastrointestinal durante o treino ao atrasar o esvaziamento gástrico.
Alimentos ricos em proteína
A ingestão de alimentos com um conteúdo mais elevado em proteína (lacticínios/alimentos de origem animal) imediatamente antes/durante a prova ou treino, para além de não ter impacto ao nível da performance (de forma aguda), pode mesmo comprometer o desempenho.
Os momentos ‘pré-prova’ e ‘intra-prova’ devem-se focar essencialmente no consumo de hidratos de carbono.
DESCONFORTO GASTROINTESTINAL DURANTE O TREINO: medicação
O uso anti-inflamatórios não-esteróides (grupo de fármacos que têm em comum a capacidade de controlar a inflamação, de analgesia – reduzir a dor e de combater a febre) pode igualmente causar desconforto gastrointestinal.
Veja 8 dicas para evitar este desconforto.
- Evitar alimentos ricos em fibra, principalmente no dia da prova / competição.
- Evitar a ingestão de alimentos com um elevado teor de frutose, preferencialmente durante a prova (por exemplo – sumos de fruta, mel, refrigerantes).
- Evitar iniciar a prova desidratado, uma vez que a desidratação pode exacerbar os sintomas anteriormente descritos.
- Evitar a toma de ‘anti-inflamatórios não-esteroides’, nomeadamente aspirina,
ibuprofeno e outros fármacos cuja função seja a redução de dor/inflamação no dia da prova/competição. - Ingerir hidratos de carbono juntamente com uma quantidade suficiente de água ou evitar determinados alimentos / bebidas com uma concentração de hidratos de carbono relativamente altas.
- Teste o plano alimentar delineado para o dia da prova / competição, o que permitirá excluir ou incluir estratégias que resultem (ou não), evitando-se quaisquer contratempos inesperados;
- Outros conselhos ‘gerais’ incluem evitar o consumo de refeições demasiado condimentadas, com caldos ou molhos (normalmente com um alto teor em gordura).
- Procure a ajuda de um nutricionista para o/a ajudar a preparar da melhor forma o seu treino ou evento competitivo.